domingo, 13 de julho de 2008

Maioridade com conquistas e muitos desafios pela frente

Considerado por alguns educadores como uma das maiores conquistas pelos direitos da criança, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completa hoje a sua maioridade. Criado há 18 anos, o ECA, segundo especialistas, gerou inúmeros avanços para a sociedade, entretanto, são apontados uma série de fatores que ainda precisam de atenção do poder público e da sociedade.

Entre os fatos que mais chamam a atenção entre as violações dos direitos fundamentais previstos pelo ECA estão os casos de abuso e exploração sexual infantil. Mais de um terço das denúncias registradas pelo Disque Denúncia Nacional de Abuso e Exploração Sexual Contra Crianças e Adolescentes, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH), é referente a esse tipo de violação.

De acordo com o coordenador estadual do Sistema de Informação para a Infância e Adolescência (Sipia), Marcos Kohls, nos últimos três anos, do universo de violações dos cinco direito fundamentais previstos pelo ECA, em média, 16% são referentes às violências física, psicológica e sexual.

Em 2006, o Sipia registrou mais de 54 mil violações dos direitos fundamentais. Destas, 9.491 foram referentes a violências físicas, psicológicas e sexuais. No mesmo ano, foram quase 2 mil casos de violência sexual contra crianças e adolescentes. Em 2007, foram contabilizados 7.166 casos de violências. Entretanto, segundo Kohls, não se pode afirmar que o número de casos diminuiu porque os dados ainda não fecharam.

“Gradativamente, desde 2006, mais conselhos tutelares passaram a utilizar o sistema. Se tivermos 100% de adesão dos conselhos ao sistema, poderemos nos aproximar da realidade e mapear os locais de maior incidência”, afirma Kohls. Os dados do Sipia são atualizados conforme os atendimentos realizados pelos conselheiros tutelares.

Segundo a SEDH, o número de denúncias de abuso e exploração sexual de crianças só fica atrás das notificações de negligências (34,6%), e de violência física e psicológica (33,54%). O órgão confirma que o número de denúncias aumentou significativamente nos últimos cinco anos. Diariamente, o Disque Denúncia registra 1.868 atendimentos similares a esse tipo de violação.

O Paraná tem a 23.ª maior média de denúncias entre os Estados da Federação. Para cada 100 mil habitantes, a média é de 33,24 denúncias emitidas no Estado. Nesse quesito, o Distrito Federal é o que mais denuncia, com 80,54 notificações para cada 100 mil habitantes.

De maio de 2003 a junho de 2008, o Disque Denúncia encaminhou aos órgãos de defesa dos direitos da criança e do adolescente quase 70 mil denúncias em todo o País. Neste ano, o Disque Denúncia vem recebendo uma média de 93 denúncias por dia.

Para denunciar situações de risco para crianças e adolescentes, a população pode discar o número 100, do Disque Denúncia. O serviço funciona diariamente das 8h às 22h, inclusive finais de semana e feriados.

ECA garante direitos

Nesta semana, uma série de eventos alusivos ao aniversário do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) se desencadearam pelo Paraná.

Na última quarta-feira, a Assembléia Legislativa do Paraná promoveu uma audiência pública comemorativa para debater os avanços do ECA no Estado. Na ocasião, foram debatidos os principais pontos que ainda precisam ser corrigidos e os aspectos positivos dos últimos 18 anos.

Para o promotor de Justiça do Ministério Público (MP) do Paraná, Murillo Digiácomo, o grande destaque da implementação do ECA é que, depois que a lei passou a vigorar, as crianças e os adolescentes passaram a ser sujeitos de direitos. “O grande desafio é fazer com que esses direitos se efetivem.

Para isso, é preciso que hajam políticas públicas”, comenta o promotor.

Digiácomo afirma que atualmente se investe pouco em políticas públicas de prevenção e se gasta muito com repressão. “Esses investimentos têm reflexos positivos lá na frente. Não podemos agir somente quando o problema já está instalado”, diz.

O promotor afirma que é preciso o envolvimento de toda a sociedade para que haja uma diminuição significativa das ocorrências de violência contra menores. “Hoje existe uma noção equivocada de que o atendimento é só a cargo dos conselhos tutelares e do poder público. Precisarmos fazer com que também as famílias assumam suas responsabilidades.”

Dependência

Digiácomo ressalta que o uso de entorpecentes é tido como a principal causa da violência, não só com adolescentes, mas em todos as faixas etárias. “Precisamos de políticas de prevenção e estrutura para a recuperação de jovens que sofrem de dependência química”, afirma.

O promotor acredita que, para isso, o Poder Executivo deveria investir pesado em saúde.

Educação

Segundo o promotor, dentre a população carcerária adulta, a média de escolarização é muito baixa. Portanto, para ele, é fundamental o combate à evasão escolar e a implantação de programas de inserção escolar para os adolescentes que se afastaram dos estudos.

Envolvimento do poder público

Segundo Digiácomo, existe o princípio constitucional de que a criança e o adolescente são prioridade absoluta para municípios e Estados. “No percentual mínimo que deve ser destinado à saúde, por exemplo, o recurso prioritário deveria ser destinado à criança.”

MPF quer restringir propaganda

Na última quinta-feira, o Ministério Público Federal (MPF) ajuizou uma ação civil pública pela restrição do horário de veiculação de propagandas de cerveja nas emissoras de rádio e televisão. A medida, segundo o MPF, visa atender a competência atribuída pelo ECA ao órgão, que deveria promover ações para a efetivação dos direitos constitucionais relativos à criança e ao adolescente.

Caso a Justiça Federal de Curitiba acate a solicitação do MPF, a medida passa a valer para todo o território nacional. O órgão informou que “tais comerciais não só estimulam o comportamento de risco, como expõem crianças e adolescentes ao universo adulto, atrelando, na maioria das vezes, o consumo de bebidas alcoólicas a uma vida de êxito, alegria e saúde - o que, por certo, não corresponde à realidade”.

Para o diretor secretário do Sindicato das Agências de Propaganda do Estado do Paraná, Helisson Schiavinato, o MPF quer atribuir à publicidade um ônus indevido. “A culpa pelo que acontece em decorrência do abuso do álcool não é da publicidade”. Para Schiavinato, outras medidas deveriam ser tomadas para inibir a venda de bebidas alcoólicas para menores. “Não adianta não passar na televisão e um pai abrir uma garrafa de bebida diante do filho. Não podemos ser culpados pela atitude de criminosos que vendem bebidas alcoólicas para crianças”, afirma.

Schiavinato acredita que não haverá grande impacto nas vendas e que o mercado deve se alinhar caso a determinação seja acatada pela Justiça. “O mercado de cigarro nunca cresceu tanto quanto nos últimos anos, mesmo depois da total proibição da veiculação desse material na mídia”.

A reportagem de O Estado procurou a procuradora regional dos Direitos do Cidadão do MPF, Antônia Lélia Sanches, porém a assessoria do MPF informou que ela não se pronunciaria sobre a medida.

Conselhos tutelares são avanço

Para a conselheira tutelar Jussara da Silva Gouveia, a instituição dos conselhos é um avanço evidente do ECA. “Hoje temos conselhos em 100% dos 399 municípios do Estado. Isso permite à sociedade acompanhar de perto os problemas em torno das nossas crianças e adolescentes”, conta.

Contudo, de acordo com o coordenador do Sistema de Informação para a Infância e Adolescência (Sipia), Marcos Kohls, dos 413 conselhos tutelares do Paraná, alguns ainda apresentam problemas estruturais, que, segundo ele, acabam impedindo que os conselheiros atendam às ocorrências de violação dos direitos da criança com eficiência.

Kohls relata que alguns municípios deveriam contar com um número maior de conselhos. O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) recomenda que cada município tenha um conselho tutelar para cada 200 mil habitantes.

“Em Foz do Iguaçu, por exemplo, onde somados a população de trânsito com a residente passa de 400 mil, existe apenas um conselho.

Isso acaba sobrecarregando o trabalho dos conselheiros locais”, afirma. Kols conta que, por outro lado, Curitiba é uma referência nesse quesito, pois conta com nove conselhos tutelares.

O coordenador do Sipia ressalta que, a medida em que os conselhos vão aderindo ao banco de dados da Sipia, “é possível fazer um trabalho de análise e visualizar onde está a maior incidência de violações”.


O Estado do Paraná.

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