domingo, 20 de julho de 2008

EUA discutem se erros da polícia bastam para invalidar provas

Exclusão automática de evidências, medida que não existe em nenhum outro país, garante quarta emenda.

Bradley Harrison estava dirigindo um Dodge Durango alugado de Vancouver a Toronto no outono de 2004, com 35 quilos de cocaína no porta-malas, quando um policial pediu que parasse, encontrou as drogas e o prendeu.



Um ano e meio depois, um juiz de Ontário decidiu que a conduta do policial foi uma violação dos direitos de Harrison. A explicação do oficial para ter parado o carro foi ensaiada e tinha pouca credibilidade, disse o juiz, e a revista do carro "foi certamente pouco razoável."



Nos Estados Unidos, isso seria uma boa notícia para Harrison. Sob o sistema legal americano, a evidência contra o criminoso foi resultado de uma revista ilegal e, portanto, não pode ser usada contra ele.



No entanto, no Canadá as apelações de Harrison foram negadas e o juiz se recusou a excluir a evidência. Harrison foi sentenciado a cinco anos de prisão.



"Sem minimizar a seriedade da conduta do policial ou de qualquer maneira aceitando o procedimento", disse a Corte, "a exclusão dos 35 quilos de cocaína, com um valor no mercado chega a milhões de dólares e potencial de causar miséria para muitos, levaria a uma grande falta de confiança na justiça, ao contrário da sua admissão." O caso foi agora para a Suprema Corte Canadense.



Os Estados Unidos são o único país que suspende evidências físicas quando há evidências de problemas de conduta dos policiais. A regra se aplica se o problema de conduta for pequeno ou muito sério, e sem nenhuma consideração quanto à gravidade do crime cometido pelo infrator.

"Países estrangeiros têm rejeitado nosso procedimento", disse Craig M. Bradley, especialista em leis criminais da Universidade de Indiana. "Em qualquer outro país, é função do juiz decidir se a má conduta do policial requer a exclusão das provas."



No entanto, há sinais de que alguns juízes da Suprema Corte dos Estados Unidos podem estar prontas para reconsiderar a versão americana da regra de exclusão. Escrevendo pela maioria há dois anos, o juiz Antonin Scalia disse que pelo menos algumas condutas inconstitucionais não deveriam exigir "a supressão maciça para a correção das provas de culpa."



A corte deve logo ter uma oportunidade de esclarecer a questão. Os juízes vão ouvir os argumentos, em 7 de outubro, sobre a supressão da metanfetamina e da arma de Bennie Dean Herring, de Brundidge, Alabama, porque os policiais fizeram a revista por engano: ele acreditavam que Herring fosse um foragido, devido à falta de cuidado no armazenamento de dados de outro departamento policial.

Em qualquer lugar do mundo, as cortes rejeitariam o que a corte de apelação de Ontário chamou de "regra da exclusão automática, similar à lei americana da jurisprudência dos direitos."



A Austrália também usa um teste. Ela considera a seriedade da má conduta policial, se os superiores aprovaram ou toleraram, a gravidade do crime e o poder da evidência. "Qualquer falta de justiça com um acusado em particular" na maioria dos casos, escreveu a corte australiana em 1995, "vai ser de importância não mais que periférica."



A Corte Européia dos Direitos Humanos, uma instituição notadamente liberal, recusou, em 2000, a supressão de evidências conseguidas ilegalmente, que usou para condenar um homem por importar heroína para a Inglaterra. Isso não fez seu julgamento menos justo, disse a corte.

Nos Estados Unidos, ao contrário, evidências contra criminosos são rotineiramente e automaticamente excluídas quando a má conduta policial é identificada. Na última semana de junho, por exemplo, corte na Georgia, Ohio, Pennsylvania, Virginia e Washington suprimiram evidências de casos que envolviam drogas, armas, assaltos e pornografia infantil.



Alguns especialistas em leis criminais dizem que a natureza descentralizada dos Estados Unidos, com milhares de departamentos locais de policia por todo o país, precisa de regras mais consistentes quanto à má conduta. Os sistemas no Reino Unido e no Canadá são notavelmente menos descentralizados, e, portanto, mais facilmente controláveis.



Mas nem sempre. O policial que parou o carro de Herrison pensou que o carro deveria ter uma placa na frente, mesmo o carro sendo de Alberta, que não obriga a placa frontal. "Nós respeitamos a decisão das cortes", disse Pierre Chamberland, porta-voz da polícia de Ontário.



Aqueles que apóiam a prática americana dizem que apenas a aplicação rígida da norma da exclusão pode impedir violações da Quarta Emenda, que proíbe revistas sem motivos claros.



"A regra da exclusão impede a má conduta policial de maneira direta e eficiente", disse National Association of Criminal Defense Lawyers sobre o caso a ser julgado em outubro. "Ela reduz o valor da evidência conseguidas como resultados de violações e desencoraja policiais a cometerem tais violações."



Oponentes da regra dizem que ela é indireta, incompleta e em algumas maneiras, perversa. Mesmo que detenha as revistas ilegais, a exclusão de evidências, por exemplo, não oferece nenhum conforto para pessoas inocentes que sofreram revistas ilegais.



Mais importante, como o juiz Robert H. Jackson escreveu em 1954, a regra de exclusão "priva a sociedade da justiça contra o criminoso porque ele foi revistado por outro criminoso." Ou, como na formulação do juiz Benjamin Cardozo em 1926, "o criminoso vai livre porque a polícia errou."



Esses argumentos continuam a fazer sentido para alguns especialistas.



"Muitos especialistas argumentam que a exclusão obrigatória deve ser reexaminada", disse David A. Sklansky, professor da Universidade da Califórnia. "Esses especialistas não estão sempre à direita no espectro político." Para o professor, a norma continua a valer seus custos.



A maioria dos especialistas continuam apoiando a norma, disse Orin S. Kerr, professor de direito da Universidade George Washington. "A experiência dos EUA é uma conseqüência da história", disse. "É uma resposta pelo fato de a polícia não seguir a lei, na falta desse remédio."



A idéia de que a exclusão é a resposta apropriada para a má conduta policial é relativamente recente na história.



"Aqueles que apóiam a norma não podem apontar nenhuma declaração importante da fundação apoiando a exclusão de evidências como defesa da quarta emenda", disse Akhil Reed Amar, professor de direito da Universidade de Yale, em 1994. De acordo com o professor Amar, para os fundadores, a quarta emenda seria defendida com processos civis, e não com a exclusão.



Hoje em dia, professores e advogados de defesa dizem que processos civis são menos eficientes. Criminosos condenados não são requerentes atrativos, e eles podem não ter recursos para processar, particularmente atrás das grades.



A Suprema Corte começou a requerer exclusões de provas em 1914 - mas apenas em casos federais.



Muitas décadas depois, a Suprema Corte se negou a aplicar o princípio para os Estados, dizendo que eles poderiam escolher o remédio apropriado para a má conduta policial - incluindo processos civis e criminais.



Não foi até 1961 que a Suprema Corte concluiu, em um caso, que apenas a supressão obrigatória das evidências poderia adequadamente inibir a má conduta policial, estadual ou federal.



A Suprema Corte tem reduzido significativamente a importância da regra da exclusão, limitando sua aplicação e criando exceções para ela. O juiz chefe John G. Roberts Jr e Antonin Scalia notaram em recentes decisões que a atitude americana nessa área é única, e foi universalmente rejeitada em todos os outros países.



Muito mudou desde que a regra da exclusão foi aplicada aos Estados em 1961, disse Scalia. Os departamentos policiais são mais profissionalizados, e diversos tipos de processos civis contra policiais estão disponíveis.



O juiz Stephen G. Breyer, disse que a exclusão continua sendo a melhor e mais confiável de prevenção. Ele acrescentou que a lógica das objeções não se limitava a violações do protocolo de "bater e anunciar" mas era "um argumento contra o princípio da exclusão em defesa da própria quarta emenda."


Estadão.

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