segunda-feira, 7 de julho de 2008

Em SP, 95% dos boletins de ocorrência não são investigados

Apenas cinco em cada 100 boletins de ocorrência registrados na capital paulista são investigados pela polícia. Esse foi o resultado da pesquisa "Taxa de Impunidade Penal" realizada pelo Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP). Foram pesquisados 344.767 boletins de ocorrência registrados em 16 delegacias da Zona Oeste da capital, e só 5,48% foram convertidos em inquérito policial, isto é, foram investigados pela polícia.

Os números da pesquisa, que será divulgada nesta semana, são alarmantes. De 1.630 estupros registrados, apenas 364 foram transformados em inquéritos policiais. A maioria dos roubos é também ignorada: de 109.831 registros de ocorrência, apenas 5.362 se transformaram em inquérito. O roubo seguido de morte (latrocínio) teve 372 registros, dos quais 250 foram investigados.

A pesquisa mostra um cuidado maior no tratamento de casos relacionados ao tráfico de drogas. O uso de entorpecentes, um crime não violento, teve 1.389 boletins de ocorrência e 1.249 deles se transformaram em inquérito. No tráfico de entorpecentes, de 672 registros nas delegacias, 623 foram convertidos em inquérito.

O estudo começou a ser feito em 2001. Para conseguir estabelecer uma análise de todo caminho percorrido por um crime - desde seu registro na delegacia até o julgamento do culpado - foram usados como base os casos registrados entre 1991 e 1997. A Secretaria de Segurança Pública não quis se pronunciar sobre a pesquisa.

Os dados encontram correspondência no cotidiano de quem depende da polícia.

- Meu filho era motorista de ônibus e foi assassinado após uma briga de trânsito em 2005. Havia 30 testemunhas, e até a placa do carro do assassino foi anotada. Mas, até agora, não encontraram o culpado - diz a servidora federal Maria do Carmo Oliveira, de 52 anos, que teve o filho Anderson de Oliveira, de 28 anos, morto com seis tiros dentro de um ônibus na Zona Sul.

A polícia diz não ter pistas do culpado. Para Maria do Carmo, faltou interesse da polícia.

- Só duas testemunhas do crime foram chamadas para depor: uma que já havia morrido e outra que estava nos fundos do ônibus. O cobrador, que viu tudo, não depôs, nem foi chamado para fazer o retrato falado. Veja como são as coisas: eu fiz um levantamento sobre as multas de trânsito do carro em que estava o assassino e descobri que ele sempre recebe multas na mesma região. Já poderiam ter localizado esse carro e, logicamente, o assassino - conta.
Pesquisadores surpresos

- O resultado nos surpreendeu. Ainda mais porque estamos falando de crimes graves, como homicídios e latrocínios - diz Wânia Pasinato Izumino, uma das coordenadoras da pesquisa.

O estudo aborda os crimes violentos (homicídio, roubo, latrocínio, estupro e tráfico de drogas), crimes não-violentos (furto, furto qualificado e consumo de drogas) e as chamadas ocorrências não-criminais (encontro de cadáver, morte a esclarecer, resistência seguida de morte e verificação de óbito).

O número de boletins de ocorrência transformados em inquérito policial é maior entre os crimes violentos: 8,14%. Entre os crimes não-violentos, cai para 3,88%.

O levantamento aponta ainda para uma grave tendência: a de que existe baixa disposição da polícia em investigar crimes de autoria desconhecida - que correspondem a 93,3% dos crimes violentos e a 94,9% dos crimes não-violentos.
Impunidade penal

O próximo passo da pesquisa será determinar a quantidade de crimes que tiveram os culpados punidos, acompanhando os registros no decorrer de todo o processo penal.

- Ainda estamos analisando os processos dessa segunda fase da pesquisa, mas a percepção que temos até agora é que há pouquíssimos casos que chegam a julgamentos - diz Wânia.

Estimativas feitas a partir de outros estudos sobre a impunidade penal dão conta de que 40% dos inquéritos serão arquivados. Assim, apenas 13,1 mil crimes dão origem a denúncias do Ministério Público. Nesse ritmo, levando em consideração que muitos casos acabam arquivados por falta de provas, apenas 5% daquelas 13,1 mil denúncias culminarão na punição dos culpados.

Especialista em segurança pública, o coronel José Vicente da Silva vê com reserva os dados levantados pela pesquisa. Segundo ele, a polícia não tem condições de investigar todas as ocorrências, mas todos os homicídios têm, por lei, que ser averiguados.

- Mesmo a polícia americana só investiga 20% dos casos e, por isso, seleciona os mais violentos e de maior repercussão. É preciso ver o outro lado - argumenta Silva.
OAB sugere revisão de boletins

- Esses dados são como uma luz vermelha que se acendeu. A Corregedoria da Polícia deveria rever os boletins de ocorrência, se não todos desse período pesquisado, pelo menos os de três ou quatro anos atrás para verificar o caminho seguido, pois algo está errado - diz Mário de Oliveira Filho, presidente de Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP.

Para ele, o resultado da pesquisa aumenta a sensação de insegurança da população.

- Se a polícia não faz seu trabalho, ficamos na mão dos bandidos, que, diante dessa situação, estão livres para agir. Se a polícia não investiga, é preciso saber o que houve - acrescenta Oliveira Filho.

Para ele, é importante definir se os casos não foram apurados por falta de interesse ou porque a polícia está corrompida.

- O que inibe o criminoso não é o tamanho da pena, mas a certeza da punição - diz Ariel de Castro Alves, secretário geral do Conselho Estadual de Direitos Humanos.

- Sabemos que o trabalho da polícia prioriza casos de repercussão na mídia e acaba deixando de lado casos que considera menores.


O Globo.

Nenhum comentário:

Pesquisar este blog