sábado, 12 de julho de 2008

Artigo: A maioridade do Estatuto, por Marlene Sauer Wiechoreki*

No ano em que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei nº 8.069/90, comemora 18 anos ou, melhor, atinge a sua maioridade, parece-nos que não temos muito a festejar diante dos fatos de violência contra crianças em nosso país. Segundo dados divulgados por uma pesquisa realizada pela Universidade de São Paulo (USP) e que foram baseados em fontes como hospitais, conselhos tutelares e juizados da infância e juventude, foram registrados no país, de 1996 a 2007, 49.481 casos de violência grave cometida contra crianças no meio familiar, com o registro de 532 mortes. O Estatuto foi criado como instrumento de defesa de crianças e adolescentes, identificando-os como "pessoas em desenvolvimento", que devem ter seus direitos fundamentais respeitados e garantidos. Crianças e adolescentes são cidadãos de direitos e como tal devem ser entendidos e protegidos. Mas, mesmo com o imperativo da lei, não é isso que se observa no contexto atual.

Durante o 22º Congresso da Associação Brasileira de Magistrados e Promotores de Justiça da Infância e Juventude (ABMP), realizado em Florianópolis e do qual tive oportunidade de participar, os especialistas discutiram as dificuldades de cumprir o Estatuto da Criança e do Adolescente, a falta de dados sobre a situação da infância no Brasil e o desconhecimento por parte dos agentes que devem assegurar os direitos fundamentais de crianças e jovens. Observou-se que existem lacunas entre a lei e a sua aplicação.

Recentemente, foi impossível se ficar indiferente aos episódios de violência doméstica e criminosa que atingiram crianças inocentes. Casos como o do menino João Hélio e de Isabella Nardoni fizeram o nosso coração sangrar de dor e indignação, ao mesmo tempo que nos sentimos impotentes diante da barbárie humana. Herbert de Souza, o Betinho, já dizia que "quando uma sociedade deixa matar as crianças é porque começou seu suicídio como sociedade". No ano em que o Estatuto comemora a sua maioridade, muito se discute, no meio político, social e jurídico, sobre a redução da maioridade penal, mas pouco se debate sobre a efetivação de políticas públicas que garantam a prevenção ao uso de drogas, particularmente o crack, uma substância poderosa e avassaladora que gera uma dependência terrível e que leva à morte. Em grandes quantidades o crack pode deixar a pessoa extremamente agressiva, paranóica e fora da realidade.

Quando se debate no país a redução da maioridade penal deveria também se discutir uma forma de recuperação do adolescente e do jovem adulto, em centros de recuperação adequados às suas faixas etárias, ao invés de jogá-los dentro do sistema prisional adulto. A contaminação carcerária que sofrerão os nossos adolescentes, convivendo com elementos altamente perigosos, correndo o risco de serem abusados sexualmente, em um sistema injusto, que não recupera nem o adulto, em nada irá contribuir para a recuperação, desintoxicação ou reintegração social dos jovens infratores. Como se construir, uma sociedade justa e igualitária se não conseguirmos formar cidadãos justos e amorosos com a vida e com os outros. Como fazer deste um país sério, democrático e humano com crianças sendo mortas e adolescentes brincando de matar pessoas, desacreditando o sonho e destruindo a vida. Logo, compete ao poder público detectar que na falta de perspectivas futuras e de políticas públicas preventivas, o jovem acaba fazendo das ruas e das drogas o seu projeto de vida.

*Presidente da Fundação de Proteção Especial/RS


Zero Hora.

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