quarta-feira, 22 de abril de 2015

Debate sobre maioridade penal é colocado em falsas premissas


Vemos diariamente as pessoas discutirem — algumas mesmo se exaltam e criam verdadeiras escaramuças — a respeito de um debate que se tornou acirrado como uma disputa de Fla-Flu em final de campeonato: você é a favor ou contra a redução da maioridade penal?
Existem argumentos bons para todos os lados: um jovem de 16 anos já sabe que matar é crime? Bom, talvez até uma criança de 7 anos já possa ter uma boa noção disso. Mas ninguém parece perceber que a responsabilidade penal não abrange apenas o homicídio, mas uma série de comportamentos, inclusive os mais sofisticados crimes tributários e financeiros. Agora, alguns fazem a proposta esdrúxula de uma maioridade apenas para crimes graves...
Mas essa polarização toda da sociedade, é real de fato? Alguém que seja contra a redução da maioridade realmente deseja que tudo permaneça como está? É realmente a favor que jovens violentos e homicidas após três anos de segregação da sociedade sejam imediatamente postos em liberdade e sem nenhuma anotação criminal? Pensamos e vemos que não.
Na verdade o que vemos por aí é um falso debate, ou um debate colocado em falsas premissas. Criou-se com essa nova proposta de alteração da Constituição Federal, mais uma dicotomia (além daquelas que reinaram no ano passado, com Aécio-Dilma, PSDB-PT, esquerda-direita) para desenvolver o nosso debate, apesar de que todos sejam unânimes que crimes violentos, cometidos por jovens, não podem continuar a receber o tratamento atual.
Temos uma tendência a levar nossas discussões para o ambiente dualista (ou maniqueísta, como preferem alguns). Norberto Bobbio observava, em seu Direita e Esquerda, que “não se deve surpreender que, em um universo como o da política, constituído de modo eminente por relações de antagonismo entre partes contrapostas (partidos, grupos de interesse, facções e, nas relações internacionais, povos, pessoas, nações), o modo mais natural, simples e mesmo comum de representar aquelas relações seja uma díade ou uma dicotomia.
Mas esse dualismo, quase sempre, empobrece a discussão. A errônea impressão que a dicotomia produz é a de que, aqueles que são contra a redução da maioridade penal estão a dar carta branca para os marginais e dispostos a perdoá-los prontamente das condutas mais agressivas contra a sociedade, apenas porque são menores de idade.
Assim, a dicotomia faz com que haja a equivocada sensação de que existe uma discordância na sociedade (supostamente cindida) tanto em relação às causas (a criminalidade) quanto em relação aos seus efeitos (os meios para conseguir a redução da criminalidade). Entretanto, a sociedade está completamente unida contra a criminalidade e pela segurança pública. Apenas há divergência quanto aos meios que devem ser empregados para controlar a situação.
A pergunta correta deveria girar em torno, não da redução da maioridade, mas de outro parâmetro: você é a favor de se colocar menores entre 16 e 18 anos, que cometem condutas tipificadas em lei como crimes graves e violentos, no mesmo lugar onde os adultos cumprem pena? É correto que jovens sejam segregados junto aos adultos? É justo colocar os jovens na famigerada Universidade do Crime, como sempre ressaltava Evandro Lins e Silva?
Enquanto uns (pela redução da maioridade) defendem que jovens a partir de 16 anos devam integrar a atual hiperpopulação carcerária (que ano passado gerou cenas de decapitações midiáticas), outros (contra a redução) defendem outras formas de segregação de jovens violentos (em instituições destinadas para essa faixa etária).
Citando dados colhidos a partir da experiência norte-americana, em recente artigo publicado o médico Dráuzio Varella, que acompanha há 26 anos o submundo das prisões, observou que em dez anos “o número de menores em penitenciárias aumentou 230%, segundo o insuspeito Centers for Diseases Control and Prevention.“
Isto se dá em razão de que, como observou, “a probabilidade de um adolescente condenado a cumprir pena com os adultos voltar a delinquir é cerca de 35% maior do que aqueles que são julgados pelas leis específicas para infratores jovens.”[1]
Infelizmente a proposta pela redução da maioridade (coincidentemente nesses tempos em que a juventude vai as ruas protestar — verifiquem a faixa etária da maioria dos detidos e presos nos protestos de 2013 e 2014...) parece estar sendo debatida num ambiente de falsa polarização, obscurecendo uma premissa fundamental que deveria ser muito clara: nenhum dos debatedores é simpático a jovens homicidas, e todos os debatedores repudiam o cenário de criminalidade e desejam uma sociedade mais segura e justa. Melhor do que iniciar o debate a partir das diferenças e dualidades, seria iniciar observando que todos partem de um ponto pacífico.

[1] VARELLA, Drauzio. Maioridade penal. Folha de São Paulo. 4/4/2015. Acessado em 10/4/2015. Disponível em:http://www1.folha.uol.com.br/colunas/drauziovarella/2015/04/1612208-maioridade-penal.shtml
 é advogado criminalista e membro do Conselho Penitenciário do Estado do Rio de Janeiro.
Revista Consultor Jurídico, 20 de abril de 2015.

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