O Instituto Carioca de Criminologia, que tem em sua direção um dos maiores juristas do país, Nilo Batista, lançou uma nota pública contra a redução da maioridade penal.
Nota pública
O Instituto Carioca de Criminologia vem a público repudiar com veemência a nova campanha – desta vez, com o apoio de parlamentares – em favor da redução da idade-limite da imputabilidade penal.
Antes de mais nada, a iniciativa está na contra-mão da Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança (aprovada, ratificada e promulgada no Brasil), cujo artigo 37 preconiza que a privação de liberdade, que cabe utilizar “como último recurso”, tenha “a duração mais breve possível” (al. b), e seja “separada dos adultos” (al. c). Nós, que jamais pensamos em denunciar a Convenção de Viena – sob cuja égide mantém-se uma legislação interna de drogas responsável pela execução sumária diária de duas ou três crianças ou adolescentes pobres – seríamos capazes de denunciar a Convenção sobre os Direitos da Criança para restringir direitos dos sobreviventes da estúpida “guerra” perdida?
Ainda preliminarmente, observe-se que os constituintes quiseram que a juventude brasileira estivesse imune ao poder punitivo, e fossem os adolescentes infratores submetidos a medidas de caráter sócio-educativo. Não constituirá tal norma uma cláusula pétrea? O argumento topológico – não estar a norma incluída nos incisos do artigo 5º – é inconvincente, e não prevaleceu quando esteve em julgamento o princípio da anterioridade tributária, que a Corte Suprema considerou protegido pela proibição de regresso (art. 60, § 4º, inc. IV CR). A proposta de redução da maioridade penal é regressiva, e aponta para o patamar de 14 anos praticado por nosso código de 1890.
Para além, contudo, desses óbices intransponíveis, está a inconveniência da proposta. A despeito das terríveis condições sob as quais se dá a privação da liberdade nos estabelecimentos para adolescentes infratores – e algumas peças publicitárias da campanha, as matérias do Jornal Nacional há duas semanas sobre tais estabelecimentos, revelaram sua prática similitude com as carceragens para adultos – e a despeito da precariedade de dados estatísticos, é possível afirmar que a reincidência dos adolescentes infratores egressos é menor do que a astronômica reincidência penitenciária adulta. Assim, a proposta carrega em si esta inconveniência notável: ela aumentará a reincidência dos jovens criminalizados, com o resultado concreto de mais crimes. Pior ainda: ela aproximará os adolescentes infratores das facções que se estabelecem e se reproduzem no sistema penitenciário, impondo-lhes através da sociabilidade carcerária uma viagem sem retorno.
Embora a grande mídia outorgue escandalosa publicidade a delitos graves com a participação de algum(ns) adolescente(s), sempre utilizados para reavivar essa velha campanha, a participação real da delinquência juvenil no total da criminalização é pouco significativa (ao contrário das execuções policiais sumárias de crianças e adolescentes).
O Instituto Carioca de Criminologia manifesta sua esperança de que o Congresso Nacional não sucumbirá a essa campanha e não demonstrará ao mundo que, ao invés de ministrar educação, saúde e cultura a nossos adolescentes, deliberamos trata-los pelo encarceramento.
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