* Wagner Dias Ferreira
Registros históricos demonstram que os homens acreditavam receber o Direito dos deuses ou de homens que se diziam porta vozes de Deus. Exemplo é a história de Moisés, que recebeu de Deus a tábua dos dez mandamentos. Aí se vê o direito como algo social concedido aos homens por Deus para sobreviverem em sociedade e, atendendo ao objetivo de formar um povo diferenciado. Com a evolução da sociedade e o surgimento dos romanos, o Direito passa a ser ditado pelo Senado Romano ou pelo imperador, mas ainda é forte a presença da divindade. Na transição para o período moderno, havia a crença no poder divino dos reis.
Com o iluminismo e a Revolução Francesa, começa a se fortalecer a ideia do Direito como fruto do contrato social. Os homens definem regras de convivência. Esse conceito levou os homens a transformarem a sociedade, com a participação do povo cada vez mais ampla nas definições políticas do Estado, ao menos teoricamente. Em todos estes modos de ver o Direito sabe-se que na verdade havia interesses a se defender na elaboração das normas. Moisés, um príncipe sem direito ao trono, queria transformar um grupo de escravos egípcios em um povo autônomo, pois eram muito mais numerosos do que os egípcios e eram eles quem produziam toda riqueza com seu trabalho. Os romanos distinguiam cidadãos e gentios impedindo o acesso destes a muitos benefícios, de modo que o Direito visava preservar certo grupo de pessoas mantendo privilégios e impondo aos outros a serventia.
No período das luzes a ideia do contrato social visava transpor o poder das mãos da nobreza para a elite burguesa o que autorizou a sociedade a revisar seu direito e proporcionar a participação de um segmento que produzia riquezas mas não tinha poder. Neste contexto, os brasileiros estão a discutir a modificação na idade que determina a imputabilidade penal. Hoje são inimputáveis os menores de 18 anos. Mas o que está em jogo não é somente uma escolha política conjuntural, nem o combate ao crime. O país tem leis criminais desde o tempo da colônia e elas nunca fizeram cessar a criminalidade. Muitos países têm leis que tratam crianças como imputáveis criminalmente e isso não reduz a violência nem torna estas sociedades mais harmônicas. Se tomarem o crescimento populacional brasileiro nos últimos anos, bem como a diferença social, onde um grupo pequeno de pessoas detém a maior parte dos bens econômicos produzidos na sociedade e um número cada vez maior de pessoas pressionam para ter acesso a estes bens, começa-se a perceber que por trás desta mudança está o desejo de ampliar o encarceramento.
Discute-se a redução da maioridade penal, como se todo adolescente fosse criminoso e que alguns estarão livres da polícia automaticamente. A ideia de redução da maioridade penal aponta na direção da criminalização dos adolescentes, por isso está por traz dessa ideia o encarceramento de um contingente populacional, independente de saber se são criminosos ou não. Marcando para sempre estas pessoas que jamais terão acesso à cidadania plena como ocorria com os gentios no império romano. Assim o encarceramento como solução final para a criminalidade não atenderá ao clamor do discurso justificador da medida, mas criará problema maior para a sociedade brasileira, com um contingente enorme de gentios sem acesso à cidadania, em face das marcações que se lhes fizeram ao tempo da adolescência.
* Advogado e Membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB/MG
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