- Julita Lemgruber dirigiu o sistema penitenciário do Rio e não crê que prisão de mensaleiros possa trazer mudanças
RIO — Nos anos 90, a socióloga Julita Lemgruber dirigiu o sistema penitenciário do Rio. Agora, coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania, da Universidade Candido Mendes, não crê que prender os mensaleiros traga mudanças.
A partir da prisão de políticos e de outras pessoas condenados no julgamento do mensalão, a senhora acredita que possa haver uma mudança no sistema penitenciário?
Talvez chame a atenção, mas depois cai no esquecimento. O problema ganha visibilidade quando há preso com um determinado perfil. Mas, no Brasil, os ricos têm advogados que lutam por eles, que os assistem. E os pobres dependem da Defensoria. E aqui quem é rico não vai preso. Quem tem grana não vai para cadeia. De vez em quando acontece, como quando a Denise Frossard (juíza) prendeu banqueiros de bicho e, agora, com os que foram condenados pelo Supremo. Mas é pontual. Não tenho ilusão que mude.
Pessoas que tiveram poder terem ido para a cadeia não pode fazer com que tenham privilégios e o sistema não seja o mesmo para todos?
A diferença é que neste país tem a figura da prisão especial. Para os que a sentença não transitou em julgado tem a prisão especial, para quem tem curso superior também (enquanto não transitou em julgado). É uma faceta de um país desigual. Não existe em outro lugar. No mais, temos visto visitas de parentes e de parlamentares aos condenados pelo STF. Os parlamentares podem visitá-los a qualquer hora, mas os outros têm que se submeter às regras: fazer carteira de visitante, ficar na fila, ser revistado e ter os antecedentes levantados.
Depois da prisão dos mensaleiros, voltamos a ver imagens de celas com beliches de cimento, água fria e banheiro ainda cavado no chão.
A lei de execução penal, de 1984, é considerada modelar no mundo inteiro. Preso condenado tem que trabalhar, mas só 20% têm emprego. Preso que não completou o 1º grau (ensino fundamental) tem que estudar. Mas, hoje, 70% não completaram e só 20% estudam. O Estado é o maior infrator quando se discute o sistema penitenciário. Ignora a legislação. Mas a sociedade não desconhece a realidade. É cômodo colocar os indesejados lá dentro, construir muros e não vê-los. Em São Paulo, há presas usando miolo de pão como absorvente. A sociedade só esquece que aqui não tem pena de morte ou prisão perpétua. Os presos vão sair. É um bumerangue.
A prisão que temos é capaz de ressocializar?
A prisão que temos é capaz de ressocializar? Nem a melhor prisão do mundo ressocializa. As pessoas estão lá para serem castigadas. Você não ensina ninguém a viver em liberdade tirando a liberdade dela.
E tem a questão da superlotação...
A superlotação é um grande problema porque mantemos pessoas presas ilegalmente. Há ilegalidade na entrada e na saída. Milhares de presos que teriam direito à condicional não saem das prisões. E temos os presos provisórios.
A senhora fez uma pesquisa sobre os presos provisórios. O que descobriu?
A pesquisa é sobre o Rio, mas a situação se repete pelo país. No Brasil, em dezembro de 2012, o total de presos era de 550 mil. Entre 35% e 40% eram provisórios. É percentual de país subdesenvolvido, de país em que a Justiça não funciona. No Rio, em 2012, 42% eram provisórios. Eles, que ficam em regime fechado, quando são julgados são absolvidos ou condenados a penas alternativas ou regime aberto. Essas pessoas, mesmo quando consideradas culpadas, não teriam pena de privação da liberdade. É absurdo.
Depois de tantos anos na área, a senhora vê alguma melhora no sistema?
Acho que está se agravando. Acredita-se que a solução é construir prisão privada. Mas a solução é resolver o sistema carcerário, resolver o problema de quem está preso. É para ontem.
Fonte: O Globo. 23.11.2013.
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