A população carcerária brasileira aumentou 71% entre 2003 e 2013, diz matéria principal do jornal O Globo desta quarta-feira (22/01), com base em pesquisa realizada pelo próprio veículo. A situação do sistema prisional brasileiro, no entanto, não é apresentada. De acordo com sociólogos, dizer apenas que o número de detentos do país aumentou muito em 10 anos não é suficiente, é preciso apontar quem é essa população carcerária, em qual contexto social ela se insere. Para eles, os números são alarmantes, mas não representam muito se vêm desacompanhados de uma análise mais aprofundada. Explicam ainda que legislações implementadas nos anos 1990 e em 2006 contribuíram para o aumento e apontam a necessidade de discutir a criminalização das drogas na sociedade.
Marcus Ianoni, chefe do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense (UFF), explicaque o ritmo de crescimento da população carcerária no Brasil é, aparentemente, um dado alarmante, mas que, em si, pode não dizer muita coisa sobre o que acontece no sistema prisional. Uma compreensão mais apropriada do problema exigiria uma definição desses dados por região, faixa etária, sexo, tipo de crime cometido, a pena atribuída, entre outras questões. "Os acontecimentos no presídio de Pedrinhas, no Maranhão, trouxeram à tona a questão da superpopulação carcerária. Um problema concreto é a superlotação, ou seja, a inexistência de instalações prisionais suficientes para abrigar os novos ingressos. O aumento dos ingressos, em si, precisaria ter as suas causas explicadas, sendo um problema de natureza diferente do problema da superlotação", analisa. Ele revela um dos motivos para o aumento da população carcerária. A Lei dos Crimes Hediondos (Lei nº 8.072/1990, depois alterada pela Lei nº 8.930/1994) agravou a pena dos delitos a ela correspondentes. Até 2006, o §1º do artigo 2º dessa lei impedia a progressão de regime, de modo que dois quintos da condenação eram obrigatoriamente cumpridos em regime fechado, o que provocou um aumento da população carcerária. Outro elemento importante, indica, é que a população carcerária cresceu bastante a partir de 2006, com a Lei nº 11.343, que implementou um maior rigor em relação à criminalização das drogas, principalmente em relação ao tráfico, o que impactou significativamente no crescimento da população carcerária. Outro aspecto é que ainda não temos focado adequadamente a reabilitação de prisioneiros. Se somos rigorosos na criminalização e fracos na reabilitação, a chance de retorno do infrator à prática de crimes pode aumentar, alerta. Em alguns países, não à toa, discute-se a questão da descriminalização das drogas, ressalta Ianoni. A sociedade brasileira e as autoridades públicas precisam, então, rediscutir este problema social para decidir que tipo de enfoque desejam dar à criminalidade, aos tipos de crime, às penas, ao que se deseja do sistema prisional. "A grande imprensa, muitas vezes movida por interesses políticos e ideológicos contra o Estado, divulga dados alarmantes, mas não discute o problema adequadamente. Essa grande imprensa costuma ser contra gastos públicos com políticas sociais que promovem a inclusão social e, ao mesmo tempo, queixa-se do aumento da população carcerária. Sem uma política de desenvolvimento com inclusão social e sem um Estado capacitado e com recursos para implementar políticas públicas, não há como imaginarmos um futuro parecido com o da Suécia, país que, recentemente, tem fechado presídios, em função do declínio sistemático do número de presos", esclarece Ianoni. Paulo Bahia, professor do Departamento de Sociologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), também alerta que o sistema prisional brasileiro não piorou porque aumentou o número de detentos, mas porque a filosofia do sistema não foi alterado. Apresentar um aumento do número sem nenhum levantamento das situação real e das causas dela, com dados como o perfil dos presos, disponíveis em diversas entidades brasileiras, "descontextualiza" a situação atual. "A pesquisa [do O Globo] apresenta um dado bem sucinto, descontextualizando a violência, quem são os presos, que são muitos miseráveis, pessoas que não têm condições nem de ter um advogado ruim. Quem tem um advogado péssimo não fica preso. Quem está lá é porque não tem condições de nada. A maior parte dos detentos não tem assistência judiciária. (...) O departamento penitenciário do Ministério da Justiça acompanha isso há muitos anos, mostra quem são os presos, o perfil dos presos, conselhos e ministérios também têm avaliado bem essa situação", comentou Bahia. Com base em estudos de outras entidades brasileiras, Bahia explica que a população carcerária é formada em sua maioria por pessoas que não têm a mínima condição de defesa, que grande parte dos presos sequer foram condenados e outros já cumpriram a pena, mas continuam presos. Para Bahia, as prisões viraram um "depósito de pessoas humanas", mesmo em estados como o Rio de Janeiro. O professor também denuncia uma "política equivocada", de transferir presos, fazendo com que crimes regionais se nacionalize, formando várias facções, como numa "joint venture", já que presídios federais não são isolados como se acredita que sejam. | |
Fonte: Jornal do Brasil |
quinta-feira, 23 de janeiro de 2014
Maior número de detentos assusta, mas não revela realidade do sistema prisional
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