Crianças são sempre vulneráveis e é obrigação do Estado protegê-las contra qualquer forma de abuso — físico ou psicológico. Especialmente enquanto estão na escola, sob supervisão apenas de professores, pois a administração pública não pode delegar a obrigação de cuidado a entidades particulares. Foi assim que decidiu a Corte Europeia de Direitos Humanos, ao responsabilizar a Irlanda por abusos sexuais cometidos dentro de uma escola primária na década de 1970.
O julgamento da corte foi anunciado nesta terça-feira (29/1) e é definitivo. Os juízes consideraram que o Estado é obrigado a colocar em prática mecanismos capazes de proteger as crianças enquanto em sala de aula, tanto faz se a escola é pública ou privada. Se há falha nesses mecanismos, o Estado tem o dever de indenizar a criança prejudicada.
A decisão beneficia diretamente apenas uma mulher irlandesa de quase 50 anos, chamada Louise O’Keeffe. Mas vai servir de precedente para outros casos semelhantes de pedofilia dentro de instituições públicas. O governo irlandês terá de pagar 30 mil euros (quase R$ 100 mil) de indenização para Louise.
Ela tinha nove anos quando foi abusada durante meses por um professor. Os abusos sofridos por Louise poderiam ter sido evitados se o padre diretor da escola tivesse dado ouvidos a relatos de pais de outros alunos.
Na Irlanda, o ensino escolar primário é patrocinado pelo Estado, mas gerido pela Igreja Católica ou por entidades privadas. Entre os professores, alguns são padres e outros não, ambos contratados pela igreja gestora, mas pagos pela administração pública.
Segundo o processo, o professor foi mantido na escola por mais de três anos depois que as primeiras acusações de abusos sexuais foram levadas à direção do colégio. Foi durante esse período que Louise se tornou mais uma vítima. Pelo menos 21 crianças foram abusadas pelo mesmo professor dentro da escola.
Em 1998, depois de o caso ir parar na Justiça, o professor confessou os crimes e foi condenado por cometer 386 crimes sexuais contra crianças. Louise recebeu quase 54 mil euros (quase R$ 180 mil) de indenização do fundo destinado a reparar vítimas de crimes e ainda deve receber pouco mais de 300 mil euros (R$ 990 mil) diretamente do agressor. O valor está sendo pago em parcelas mensais de 400 euros.
Para a Corte Europeia de Direitos Humanos, o drama de Louise deixa claro que, na década de 1970, o governo não tinha mecanismos eficazes para fiscalizar o ensino e garantir que as crianças estavam em segurança. De acordo com os juízes, é obrigação da administração pública controlar as escolas para proteger os menores de eventuais abusos.
Clique aqui para ler a decisão em inglês.
Aline Pinheiro é correspondente da revista Consultor Jurídico na Europa.
Revista Consultor Jurídico, 29 de janeiro de 2014
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