Conheci o trabalho do ensaísta Antonio Escohotado no final da década de 1990, quando morei na Espanha. Tinha me esquecido dele até que deparei outro dia com uma entrevista sua num programa de TV onde ele explicava porque, aos 73 anos, continua a usar maconha diariamente: “A maconha me traz uma espécie de lucidez depressiva que me cai bem”. Achei a frase interessante e decidi traduzir algo dele para vocês.
Escohotado é um dos maiores especialistas em drogas do planeta. É autor do monumental História Geral das Drogas (inédito no Brasil), um catatau com mais de 1,5 mil páginas. Mas a diferença dele para outros teóricos do assunto é que Escohotado também é usuário. Experimentou tudo e, como tal, pode falar de cadeira. Nesta entrevista que deu ao jornalista Juan Rendón em 2003 para a extinta revista LOFT, chacoalha os velhos (e os novos) conceitos sobre drogas.
Em primeiro lugar, considera que todas as drogas podem ser igualmente prejudiciais ou positivas –depende muito mais do usuário do que da substância em si. Em segundo lugar, não aceita que o viciado se vitimize, como é frequente. Pelo contrário, joga para ele a responsabilidade sobre o que faz da sua vida. Defende que não é a droga que leva alguém a agir de maneira negativa e destruir lares. É, isso sim, utilizada como desculpa por pessoas que já possuíam uma índole perversa. Dependendo de quem usa, e sabendo usar, qualquer droga pode trazer uma experiência enriquecedora.
“Tudo que a inteligência humana descobriu é neutro em si mesmo. Somos nós os que, dependendo da pessoa e da ocasião, tiramos as coisas de sua neutralidade e as fazemos boas ou más”, assegura. Pessoas com a mente fechada irão se escandalizar com as palavras de Antonio Escohotado. Pessoas com a mente aberta terão a oportunidade de olhar para as drogas de uma maneira completamente distinta. Boa leitura.
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Por Juan Rendón (maio/2003)
Antonio Escohotado é um professor de Filosofia e Metodologia das Ciências Sociais na Universidade Nacional de Educação à Distância em Madri que escreveu três volumes sobre a história geral das drogas. Este ano acabam de reunir suas três obras em um tomo de 1542 páginas. Seu trabalho se converteu em um dos recursos de informação mais usados pelos interessados na temática das drogas. Escohotado é o avô psicodélico da Espanha, o que mais sabe do assunto, o que experimentou tudo e conservou a lucidez para nos contar. Um sábio para muitos, um charlatão para outros. Até como perigoso foi catalogado. E se é, é porque suas ideias são convincentes e porque vão de encontro a muitas das posturas dos policymakers dos últimos tempos quanto à regulação das drogas. Aos 62 anos(hoje 72), Escohotado continua a usar a heroína para se inspirar e o tabaco para viver. Em vez de palavras etéreas e argumentos descabelados (como poderia se esperar de um veterano heroinômano), Escohotado utiliza um vocabulário sofisticado e um raciocínio contundente para expressar sua crítica à forma como é entendido atualmente o problema das drogas. Sua mente é audaz, perspicaz, e sobretudo prolífica. Escreveu vários ensaios com matizes antropológicos e filosóficos. Entre eles Realidade e Substância, De physis a polis, Majestades, crimes e vítimas, O espírito da comédia, Rameiras e esposas e A questão do cânhamo. Compartilhou com LOFT sua maneira livre de ver o mundo.
Existe hoje algum problema com as drogas que a humanidade não teve antes?
Talvez a superabundância, porque, para cada substância psicoativa antiga, atualmente deve haver mil. Isto cria, de um ponto de vista positivo, muito mais meios para controlar e dirigir seus sentimentos, suas percepções e, por outro lado, muito mais temor na sociedade. É como o medo que, no século 17, o livre pensamento podia gerar.
Por que há essa superabundância?
Pelos pacientes trabalhos de sintetização química que foram feitos paralelamente à cruzada contra as drogas. As bruxas, os bruxos e os feiticeiros possuíam os depósitos do saber ecológico antigo, e mesmo que tenham sido esmagados pela erupção do monoteísmo com vocação universal –o bramanismo, o cristianismo e depois o islã–, seu saber acumulado nunca foi destruído. Permaneceu nas bibliotecas e coleções privadas. Quando a cruzada contra os bruxos começou a ceder, no final do século 17, praticamente todos os recursos que os feiticeiros herboristas tinham passaram a ser remédios respeitáveis. As farmácias e o que agora conhecemos como farmácias de manipulação se desenvolveram enormemente em meados do século 17. Desde então o arsenal farmacológico da humanidade deu a início a um crescimento sustentado, que desemboca em descobertas como o MDMA ou êxtase por Alexander Shulgin, a quem conheço muito. Shulgin é um gênio igual a seu pai. Sabem o que ninguém sabe sobre os químicos. Eles se juntam e saem com um pozinho que você toma e a vida muda. Isso é magia!
Seu livro lembra o importante que é para a disseminação das drogas a relação entre a religião, a magia e a medicina. E como é nas culturas xamânicas onde primeiro se começa a distribuir a droga. Mas essa distribuição se fazia com uma técnica e buscando um fim, o êxtase espiritual, por aí…
Sim, e com uns ritos muito, muito fechados. Inclusive as pessoas juram não dizer o que foi que lhes deram, como deram e o que sentiram. essa é a famosa reserva mística. É evidente que esse sentido místico se perdeu na cultura das drogas. As drogas proibidas são usadas hoje com finalidades lúdicas.
E isso é parte do problema?
Não. Tomar drogas por razões lúdicas, recreativas ou de conhecimento, de introspecção, digamos, é algo correlacionado. O que acontece no terreno das drogas é algo mais básico ainda, que é a secularização. O que está em crise é o dogmatismo e a religião superficial. Antes o que havia eram coleções de súditos, e as drogas eram tomadas com objetivos. Mas já não queremos o “além”, já não queremos o céu. Estamos satisfeitos com esta vida. Não estamos dizendo, como Santa Teresa, “tão alta vida espero, que morro, porque não morro”. Como queremos esta vida, tomamos drogas para podermos nos controlar melhor, para sermos capazes de trabalhar melhor, para sermos capazes de nos entender e entender os outros, para curtir. Tudo isso é novo, porque já não há o contexto mítico ritual que obrigava às reservas místicas. Num mundo secularizado não esperamos tanto.
O senhor crê que as drogas ilegais, tal como são usadas no Ocidente, cumprem uma função cultural significativa?
Para a juventude são um autêntico rito de passagem, a cerimônia de amadurecimento, social e individual. Para as pessoas de 40, 50, 60 anos –muitos deles prisioneiros dos psicodélicos anos 60– são uma reiteração de costumes. Mas, para os jovens, são uma maneira de se pôr à prova social e individualmente. E isso ocorre em todo o planeta. Na Tailândia e no Vietnã há raves com uma periodicidade comparável às de Londres ou Montreal. E nas capitais do Amazonas também tem raves, com DJs, com drogas e com turistas dos quatro cantos do mundo.
Isso lhe dá algo de valor cultural ou é simples decadência?
Decadência existe no despotismo e no dogmatismo, porque reduzem a realidade, porque nos dão um mundo abreviado como se fosse um mundo real. No mundo das drogas não existe decadência. O que acontece é que entre os usuários das drogas, como entre os usuários de carros ou de jogos, há um setor que é viciante por natureza. A técnica é neutra. Tudo que a inteligência humana descobriu é neutro em si mesmo. Somos nós os que, dependendo da pessoa e da ocasião, tiramos as coisas de sua neutralidade e as fazemos boas ou más.
O que há de bom no consumo de drogas não prescritas por parte dos jovens?
Aprofundar-se na regra de conhecer a si mesmo, que segue o princípio socrático, o princípio da ética. O ritual de amadurecimento das sociedades ocidentais avançadas a princípios do século 21. Na prática, se vê se o ser tem bom ou mau gosto, se se controla ou não se controla; se debaixo de sua aparente educação esconde um monstro autoritário, rancoroso ou deprimido, ou se, pelo contrário –como diria Freud–, um id (quer dizer, um inconsciente) são e capaz de desfrutar. As drogas dão à condição humana mais controle, mais capacidade de enfrentar os desafios da vida. Quando vem a proibição, também vem a desculpa vitimista que permite às pessoas dizer essa grande falsidade: “Ai, eu não queria, mas sem me dar conta me tornei escravo e agora sou um pobre farrapo humano. Me permito roubar meus concidadãos e não cumprir minha palavra”.
Acredita que todas as drogas deveriam ser legais?
Mas claro! Imagina. É preciso drogar a proibição. Legalizar as drogas me soa tão disparatado como legalizar o gosto pela pintura, passear ou ler. Não se pode legalizar uma atividade humana que é um direito civil imemorial. Em meu entendimento a lei se fez com certas metas, como a Lei Seca nos EUA. Depois de um tempo foi mais contraproducente do que producente. Digamos que fizemos uma experiência com a proibição e a experiência falhou. Na Europa, a guerra às drogas terminou faz pelo menos dez anos. Qualquer um, praticamente, sem nenhum risco, sempre e quando seja para seu próprio uso, pode conseguir toda a droga que tenha vontade e nunca vai chegar perto de uma delegacia ou posto policial. E há muito mais pontos de venda de drogas ilegais do que se vendessem como antes, nas farmácias e erboristerias.
Nos tempos da Roma imperial havia 900 tendas que vendiam ópio, além de outras substâncias. Mas agora em Madri ou em Nova York há entre 45 mil e 80 mil pontos de venda.
Se as pessoas podem conseguir de qualquer maneira, o que há de negativo na proibição?
Não é tão negativo. O que faz é criar um fenômeno mundial de desobediência civil e portanto de recuperação da essência cidadã. As pessoas se deram conta de que as leis não foram feitas para nos proteger de nós mesmos, mas para nos proteger dos outros. Portanto, uma lei como a que proíbe as drogas, que pretende nos defender de nós mesmos, é uma usurpação e um disparate, pura corrupção do Direito. Digamos que a proibição teve um efeito positivo de gerar desobediência civil, que serve para nos dar a sensação e a certeza de que não somos súditos, somos cidadãos.
Mas e o argumento segundo o qual a droga nos faz irresponsáveis e perigosos aos demais cidadãos?
É uma profecia auto-cumprida do inquisidor farmacológico. Até a proibição, que começa nos EUA a princípios do século 20, praticamente não existia o conceito de vítima involuntária das drogas. A partir da proibição, quando meteram na prisão milhares de médicos e farmacêuticos porque não queriam cumprir as ordens do Executivo, apareceram umas pessoas que vivem dessa desculpa. Agora as drogas te dão desculpa para não fazer nada, para ser um merda com a tua família, com teus amigos e com os outros. Você é um farsante, um iludido, mas quem te deu os argumentos e as bases para se comportar assim foi quem proibiu as drogas e lhe pôs o estigma de “coisas demoníacas”.
Há substâncias como a heroína que, uma vez que você as toma, se sente disposto a fazer coisas que sem elas não faria, pela mera necessidade de consegui-las…
Isso não é correto. A heroína é muito menos viciante do que o tabaco ou o café. 100 a 200 vezes menos viciante. Eu, por exemplo, uso heroína há 35 anos, mas assim, on and off, como dizem os americanos. Nunca tomo por mais de um par de dias seguidos porque me dá ressaca, claro. E com o passar dos anos fui baixando a dose. A heroína é uma substância de um efeito sutil que não se nota muito, é preciso ter os sentidos muito aguçados para você notar em que te afeta. Nas primeiras horas você sente muita energia, como se fosse uma espécie de anfetamina, mas suave, sedosa. É um alívio para as pessoas coléricas ou irascíveis. O método da injeção, que é o que deu sua má fama, já é arcaico. Agora se toma através do chasing the dragon. Fuma-se em um papel alumínio ou se cheira. O sujeito vampiresco, esse junky que se injetava, era na realidade um discípulo direto do inquisidor farmacológico, e como o inquisidor farmacológico vai perdendo o sentido, tampouco têm sentido essas práticas de se injetar na veia e pegar enfermidades horríveis.
O senhor acha que estão perto de cair as barreiras e de que haja liberdade total em relação a estas substâncias?
O que ocorre é que este tipo de cruzada nunca se resolve com um decreto que diga: “senhores, nos equivocamos, era permitido pensar livremente,” ou “era permitido praticar magia”. O Vaticano e as igrejas protestantes ainda não disseram “matamos 300 mil pessoas na fogueira por praticar a magia”, mas todo mundo sabe que a magia é um direito civil que todos têm. A proibição segue um assunto de Direito e em alguns países acarreta altíssimos riscos, até a pena de morte. Há 33 países com penas de morte. Mas no mundo civilizado, sobretudo na Europa, a proibição de fato não existe. Claro, os principais traficantes de drogas no mundo são pessoas ligadas à polícia e aos governos.
O senhor teve alguma vez problemas de vício ou dependência?
Sou viciado em tabaco. O que ocorre é que sou porque quero, porque não me parece que a vida valha a pena sem meus cigarros. Sigo crendo que é um absurdo falar em liberdade separada de responsabilidade. As liberdades que tomamos são responsabilidades que assumimos. É possível que, por fumar, abrevie minha vida ou tenha um futuro muito ruim. Mas não sou viciado em nenhuma outra droga. Por exemplo: adoro a heroína, embora compreenda que é mais difícil tomá-la com mesura e sensatez por todo o imaginário social que a rodeia. Como se supõe que a droga é viciante por excelência, as pessoas entram por esse caminho muitas vezes porque lhes convém, porque têm problemas emocionais, sociais, profissionais ou psicológicos, e se refugiam aí como uma desculpa muito boa para dramatizar sua necessidade de ajuda e de dependência.
Parece bastante irônico que seja a droga menos emocionante a única que lhe viciou.
Quando lhe falta energia, você dá várias tragadas e muito fortes, e imediatamente sobe seu tom energético. Quando necessita tranquilidade, você dá tragadas espaçadas e não profundas e te tranquilizam. É a única droga que tem efeito duplo e além disso estimula a inteligência. O tabaco é a única droga sagrada desde o Alasca até a Amazônia.
Acredita que o tabaco está perdendo a briga?
Não a perderá nunca. É forte demais, é gratiticante demais para o usuério. Poderá inclusive haver uma grande rebelião se insistirem em persegui-lo. Imagine se, através de meios modernos como a internet, os usuários começarem a fulminar as companhias aéreas, para começar: somos 200 milhões de usuários de tabaco. Lufthansa, se você não mudar em dois meses, ninguém viaja. Dando-lhes ultimatos. As companhias aéreas fazem economias em escala, de repente ficam sem 10 milhões de clientes em um mês e pum!, bancarrota. Além de outras medidas mais simples, como por exemplo nos EUA, onde há regras tão severas que aterrissam um avião se alguém acende um cigarrinho… Se poderia conseguir que, de repente, às dez para as cinco, 100 milhões de americanos acendam seu cigarrinho em aviões. Toda vez que os seres humanos se puseram de acordo conseguiram coisas assombrosas. Cortaram a cabeça de Luís 16.
Uma droga tão massivamente utilizada como a maconha afetou negativamente a cultura?
É curioso, porque agora descobriram suas numeros utilidades médicas e terapêuticas. Tem, inclusive, todo tipo de princípios nutritivos. E é extraordinária até para conter a erosão. Com ela se pode fabricar papel melhor do que o que temos.
E o que tem de mal?
Eu creio que certo tipo de personalidade, a que tem temor de si mesma, a pessoa que leva uma máscara, que se impõe um papel, não deveria fumar maconha e sofrer seus efeitos porque o desnudaria, romperia seu casco de rotinas. O cânhamo tem o poder de revelar esta diferença radical entre o aspecto e o interior das pessoas, então todas as pessoas que vivem disfarçadas não deveriam fumá-la.
O que opina do crack?
Fumei crack e acho que é mais euforizante, mais gratificante para o usuário que a cocaína. É dirigida a um público de poder aquisitivo não muito alto, porque ainda não está refinada. É muito mais barato, só é pasta base. Não precisa ter respeito pelo conhecimento científico. Por exemplo: o crack não é mais tóxico que a cocaína. O que acontece é: quem toma crack? Os negros mais ferrados dos EUA. Os adolescentes com menos perspectivas profissionais. As drogas mais perigosas do mundo, as que podem realmente enlouquecer você, são vendidas nas farmácias e são os neurolépticos.
Que tipo de drogas que ainda virão que emocionam o senhor?
A 2CB ou afro nexus. Outro produto da grande mente de Shulgin. Não tem muito poder visionário, mas possui uma capacidade introspectiva e afrodisíaca que, em minha opinião, é a principal aspirante a favorita no século 21. Espero que cada vez façam drogas mais ativas. Quer dizer, que com menos quantidade tenha maior efeito. E também drogas que tenham um efeito intenso mas breve. A vida moderna não te permite viajar como com a mescalina, umas 20 horas. Agora nos interessam os fármacos que nos permitam, em uma ou duas horas, resolver o nó psicológico antes vinculado a drogas como a mescalina. Creio que tanto a indústria química legal como a ilegal estão em uma busca frenética por princípios cada vez mais puros, mais potentes e ao mesmo tempo de ação mais breve, que com menos impregnação dos tecidos orgânicos tenham os mesmos efeitos. Por exemplo: todos que amamos o tabaco, o que realmente amamos é a nicotina. Por que produzir a grande liberação de nicotina buscada com a ajuda de uma brasa, se podemos metê-la rapidamente em um aparelhinho que a vaporize e que, sem a necessidade de produzir alcatrão, sem necessidade de combustão, libere nicotina para que nós possamos absorver um pouco?
Que droga o senhor não pôde provar que gostaria?
Nenhuma, todas as que me chamaram a atenção provei.
Sentiu que as drogas alterem a química do corpo, e que essa alteração seja negativa?
Não. Se você entra numa ordem religiosa e faz voto de pobreza, obediência e castidade, tem uma alteração química muito mais potente do que tomando uma mescla de heroína e cocaína. Se você se mortifica e pratica o jejum, cria em seu corpo um efeito muito parecido ao das drogas. Nós somos uma bomba química. O que acontece é que há um êxtase, digamos, digno –o que se consegue com os votos de pobreza, castidade, obediência e mortificação– e um êxtase indigno, que se consegue tomando RC25 ou morfina. São coisas que dizem os ignorantes, os fanáticos, os dogmáticos.
Quando se pensa no movimento xamânico…
Os xamãs são os médicos e diretores espirituais das sociedades simples. Nas sociedades complexas, como as que temos agora, as soluções xamânicas não parecem úteis. Conheci xamãs, mas não me pareceram pessoas mais respeitáveis do que qualquer outra, tampouco menos.
O senhor crê que todos deveríamos ter livre acesso a tudo?
Aos poucos, sim. O que acontece é que cada droga deveria ter seu lugar de venda. Em meu modo de ver, deviam vender em pontos diferentes. A de paz e energia –heroína e cocaína– e as hiperperigosas –beladona, datura– na farmácia. As de viagem, que as tenham nos departamentos de antropologia, ciência e artes das universidades porque ajudam a capacidade criativa. As básicas, ou seja, as de maior uso, como a maconha, em supermercados.
A respeito da educação, o que é necessário transmitir para nossos filhos?
Amor próprio e senso estético. Conscientizar que estão fazendo uma experiência científica ao tomar drogas, que estão indo por um terreno do qual vão tirar informações. Que as drogas os ajudem a conhecer melhor o que é a condição humana, intelectual e emocionalmente.
Qual deve ser a atitude no momento que se libere tudo, quando não houver proibição?
Amar a si próprio. A razão para tomar drogas é conhecer a si mesmo. Você precisa tomá-las amando a si mesmo, se respeitando e, naturalmente, respeitando os demais. Só respeita os demais quem respeita a si mesmo. A vida tem uns altos e baixos evidentes, além de ter que ir envelhecendo e sofrer de doenças. Muitas vezes nos faltam horizontes, outras vezes sentimos dores, outras vezes, falta de energia, uma apatia que nos faz indolentes e nos faz perder oportunidades de ascender, de ter uma vida melhor. As drogas estão aí como doadoras genéricas de paz, de energia e de abstração. Que as usemos assim ou não, depende de cada indivíduo. Os automóveis também servem para nos locomovermos de um lado para o outro e há insensatos que vão e matam cinco e em seguida se matam a si mesmos…
(Para saber mais sobre Antonio Escohotado: www.escohotado.org)
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