quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Pesquisa britânica recomenda descriminalizar uso de drogas

  • Para órgão que aconselha o governo, não haverá aumento no consumo de tóxicos no país

Folha da cannabis sativa, popularmente conhecida como maconha
Foto: DAVID MCNEW / AFP

RIO - O consumo de pequenas quantidades de drogas para uso pessoal não deve mais ser considerado uma ofensa criminal, e sim um delito civil. Esta é uma das principais conclusões de um relatório lançado ontem pela Comissão de Política para Drogas do Reino Unido, um órgão de aconselhamento independente, que se debruçou sobre o tema nos últimos seis anos, com uma equipe formada por cientistas, policiais, acadêmicos e especialistas. O estudo conclui que a estratégia de combate ao consumo adotada hoje é ineficiente e, em alguns casos, contribui para estimular a disseminação do uso de entorpecentes. Os pesquisadores concluíram, ainda, que a mudança de regras não resultaria em aumento significativo do consumo.

A mudança deveria ser gradual: começaria com os usuários de maconha e, caso bem-sucedida, seria estendida a outras drogas. Sob a nova política, as penalidades ao usuário flagrado com um volume reduzido de substâncias controladas seriam multas, comparecimento a sessões sobre os riscos das drogas ou encaminhamento para tratamento. A cada ano, o Reino Unido condena 42 mil pessoas por posse de drogas, sem contar as 160 mil advertências pelo uso de maconha, a droga mais popular.
O relatório pede uma revisão integral das políticas contra entorpecentes e avalia que os 3 bilhões de libras (equivalentes a R$ 9,8 bilhões) gastos anualmente pelo Reino Unido no combate ao consumo representam, em grande parte, um desperdício de dinheiro público. Um dos fatores é o rápido crescimento do mercado de drogas, que avança em ritmo mais acelerado do que as tentativas de coibir seu uso. Entre 2009 e 2011, 114 novas drogas psicoativas foram identificadas na União Europeia. Além disso, o mercado de compra e venda de substâncias pela internet potencializou as rotas para o fornecimento, além de ter se tornado uma espécie de guia de consulta rápida - e incontrolável - sobre as drogas e o seu uso. Os autores do documento ressaltam, ainda, que a crise econômica no país deverá restringir a oferta de serviços de tratamentos para viciados.
“Usar drogas nem sempre causa problemas, mas isso raramente é reconhecido pelos formuladores de políticas. Na verdade, a maior parte dos usuários não experimenta problemas significativos”, diz o texto, que classifica a política antidrogas britânica como “simplista” por não levar em conta os diferentes fatores que levam alguém a consumir substâncias ilícitas e nem busca fornecer uma gama maior de soluções para o problema.
Maconha em casa
No caso da maconha, os pesquisadores afirmam que o cultivo em casa para consumo pessoal não deveria sequer ser alvo de punição ou então ter penalidade restrita ao menor patamar possível. O argumento é que a atividade contribui para reduzir o comércio da droga em grandes quantidades e poderia diminuir o tráfico realizado pelo crime organizado. “Isso não quer dizer que consideramos o uso da droga desejável. Assim como apostar ou comer junk food, existem alguns comportamentos moderadamente egoístas ou arriscados que as sociedades livres aceitam que ocorrerão e buscam limitar suas manifestações menos danosas, no lugar de impedi-las integralmente”, diz o relatório.
Apesar dessa avaliação, o documento afirma que permitir a venda de drogas como heroína e cocaína poderia causar mais danos do que o comércio existente: “Não acreditamos que existam provas suficientes para justificar a remoção das penalidades criminais quanto à produção ou fornecimento da maior parte das drogas”.
A porta-voz do Ministério do Interior disse que o governo agradecia a contribuição ao debate, mas que se mantém confiante no êxito de suas políticas, visíveis em estatísticas de queda no uso de drogas.
A mudança de política antidrogas tem se mostrado um tema dos mais complexos para a classe política. Ontem, o ministro da Educação da França, Vincent Peillon, foi obrigado a reiterar que havia manifestado apenas sua opinião pessoal ao discorrer sobre legalização da maconha.
- Esta é uma questão que vale a pena perguntar, e fico surpreso algumas vezes em ver como a França ficou um pouco para trás no tema - disse, em entrevista.
O Gabinete do premier Jean-Marc Ayrault rapidamente reiterou que não há perspectiva de mudança da legislação. Em outros lugares, logo haverá decisão sobre o tema. Nos EUA, os estados de Oregon, Colorado e Washington votarão em novembro a legalização da maconha.

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