Ganhou notável destaque na mídia nos últimos meses um vídeo em que encarcerados do presídio de Pedrinhas, no Maranhão, festejam em meio a corpos decapitados. O caso repercutiu na imprensa internacional e chamou a atenção de entidades internacionais de direitos humanos, que cobraram explicações do Estado brasileiro.
Embora em voga, as cenas de barbárie em Pedrinhas apenas denunciam mais um capítulo do perpétuo e conhecido caos do sistema prisional brasileiro.
Temos a quarta maior população carcerária do mundo, por volta de 570 mil presos (perdemos apenas para os Estados Unidos, China e Rússia). Dispomos, porém, de pouco mais de 312 mil vagas nos presídios do país. A superlotação é, sem dúvida, o maior problema do sistema prisional brasileiro. Há um déficit de vagas para o regime fechado, falta investimento público em estabelecimentos apropriados para o cumprimento da pena em regime semiaberto, e o sistema aberto praticamente não existe da forma idealizada na Lei de Execuções Criminais.
A título de exemplo, o estado de São Paulo tem uma população carcerária aproximada de 206 mil detentos, o que corresponde a 40% de todos os encarcerados no país. O estado tem nove em cada dez unidades prisionais superlotadas, com um déficit de 83.506 mil vagas.
Consequentemente, temos séria dificuldade de assegurar a progressão de regime prisional a todos os condenados. É uma questão de pura aritmética.
A falta de vagas dos presídios vem acompanhada, ainda, das poucas opções de trabalho que pode ser exercido pelo recluso. O trabalho na prisão é extremamente importante para a ressocialização do detento, na medida em que lhe oferece disciplina e higidez mental, além de garantir uma pequena remuneração e o desconto de dias de pena. Porém, a maioria dos estabelecimentos prisionais ainda não possui oficinas de trabalho e, os que possuem, oferecem atividades que pouco, ou em nada, auxiliarão o encarcerado em futura recolocação no mercado de trabalho.
Outro ponto nevrálgico do sistema prisional brasileiro está no acesso à assistência judiciária. O país tem um número impressionante de presos provisórios — muitos dos quais aguardam o julgamento há anos, além de encarcerados com penas vencidas e com direito a progressão de regime prisional ou a livramento condicional.
Recente alteração no Código de Processo Penal introduziu medidas alternativas à prisão provisória, que passou a ser uma medida excepcional. Esperava-se que a adoção criteriosa da prisão provisória aliviaria sobremaneira a situação dos presídios, porém, pouco efeito prático tem sido vislumbrado. A prisão continua sendo decretada como regra por juízes, muitas vezes para satisfação a um simbólico anseio social por “justiça”.
Por outro lado, os investimentos em presídios não conseguem acompanhar o crescimento em relação ao número de encarcerados, que aumenta vertiginosamente. E há um latente clamor social pela incriminação de condutas e pelo aumento das penas, fruto de uma polícia repressiva arcaica e falida. Afinal, as estatísticas mostram que apenas estender o número de figuras criminosas, encrudescer as penas e aumentar as prisões não têm o condão de restringir a criminalidade, se não vierem constituídos de políticas afirmativas no sentido de evitar o crime.
Enfim, é grande a fenda que separa o cenário real do ideal. As condições notoriamente desumanas e demais problemas crônicos das prisões no Brasil transformam a perda de liberdade em perda da dignidade. Por isso, perde o preso a esperança de reintegrar-se à sociedade depois de cumprir a pena, o que pode ser constatado pelo altíssimo índice de reincidência criminal no país, na faixa de 70 %.
O sistema prisional brasileiro, tal como está estruturado, consome cada vez mais investimentos públicos e não atende aos fins a que foi proposto: não reintegra, não ressocializa nem regenera o indivíduo, mas o expõe a ambiente nefasto e desumano, ainda não sendo capaz de reprimir a criminalidade, que só aumenta. Mudar essa dura realidade requer uma tarefa árdua e conjunta, não somente dos órgãos encarregados da execução criminal, incluindo Poder Executivo, Ministério Público e Poder Judiciário, mas também da advocacia e de toda a sociedade.
Filipe Vergniano Magliarelli é presidente da Comissão de Direito Penal do Movimento de Defesa da Advocacia (MDA).
Revista Consultor Jurídico, 22 de janeiro de 2014
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