domingo, 19 de janeiro de 2014

Cidadãos têm direito de decidir sobre suas vidas privadas, desde que não causem dano a outros

JULITA LEMGRUBER*
Por incrível ou contraditório que possa parecer, o país que iniciou, nos anos 1970, a Guerra às Drogas e arrastou boa parte do mundo a uma inglória e fracassada política talvez acabe sendo aquele que irá apontar novas formas de lidar, no futuro, com o uso e o abuso de substâncias psicoativas.
Na terra de Obama, 14 estados já legalizaram o uso medicinal e descriminalizaram a posse de pequenas quantidades de maconha, e referendos populares marcados para os próximos meses devem aumentar esse número. As reformas chegam por várias razões. De um lado, o peso da recessão econômica, que tem obrigado os estados norte-americanos a rever sua draconiana legislação sobre o uso e tráfico de drogas, porque não conseguem mais suportar o custo do encarceramento em massa que levou os EUA a ter 25% da população de presos no mundo, embora os americanos totalizem apenas 5% da população do planeta. Entre 1980 e 2011, a Califórnia, por exemplo, quadruplicou seus gastos com prisões e reduziu em mais de 30% o dispêndio com educação universitária.
De outro lado, há uma crescente e bem articulada mobilização de grupos de ativistas que, em várias partes do país, lutam pela legalização das drogas, como se verificou na recente conferência organizada pelo Drug Policy Alliance (www.reformconference.org). Metade da população norte-americana, segundo pesquisa de opinião, já apoia a legalização da maconha, e operadores do sistema de Justiça Criminal se organizam para defender proposta ainda mais ousada: a legalização da produção, comercialização e do consumo de todas as drogas (www.leap.org).
Está mais do que na hora de encarar a questão das drogas como problema de saúde pública e de regulação social, não de Direito Penal. O Brasil tem a quarta maior população prisional no mundo, o número de presos triplicou em 15 anos, basicamente como resultado do endurecimento da legislação na área de drogas, e a violência provocada pela insana guerra às drogas faz vítimas diárias nas grandes cidades. O que estamos esperando para discutir, com seriedade, a legalização das drogas e aceitar que os cidadãos têm o direito de decidir sobre suas vidas privadas, desde que não causem dano a outros?
Para os que temem que a legalização das drogas provoque explosão do consumo, recomendo a consulta ao trabalho de Alex Stevens, da Universidade de Kent, sobre a descriminilização do uso de drogas em Portugal, mostrando que houve inclusive redução do consumo entre os jovens
*Socióloga e cordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), da Universidade Candido Mendes (Ucam)

Sempre defendi, mas hoje me preocupo com a abrangência perigosa desse pensamento

WANDERLEY REBELLO*
Lembro-me da adolescência e da juventude como épocas de rebeldia, amor à liberdade, contestação. Vivi dos anos 1960 aos 1980 como adolescente e jovem, mas nunca dei crédito a essas baboseiras. Ao contrário, desde cedo me impressionava muito, na conduta de meus companheiros de geração, o espírito de imitação, o receio de ficar só, e a disposição de se prostituir em troca de uma “vaga” de neófito no grupo dos sujeitos ditos “malandros”. E, para isso, muitos enveredaram pelo caminho das drogas.
No mundo das drogas sempre foi assim. Temos sempre um “amigo” querendo nos empurrar para ele. Quando cresci, vi que todos os sujeitos ditos “espertos” e “doidões” não passavam de babacas. A maioria já morreu, e agora jaz em túmulos, consumidos pelas drogas que divulgavam. Mas criminosos eles não eram. No início da minha carreira como advogado criminalista, passei logo a defender os meus amigos da infância que cumpriram pena por serem usuários de drogas, e aqueles que usavam suas drogas com alguém, e que, por isto, cumpriam pena como traficantes. Um absurdo. Uma covardia. Uma vergonha policial/judicial.
Hoje, neste “admirável mundo novo” do crack e do oxi, drogas que viciam em poucas semanas e depois de pouco consumo, continua aberto o debate sobre a liberação e a descriminalização. Sempre bati nesta tecla sem cerimônia, mas hoje me preocupo com a abrangência perigosa deste meu pensamento: como incluir o crack e o oxi? Não tenho o menor receio de mudar de opinião se for preciso, mas o que não muda é a minha certeza de que todos os citados acima não eram criminosos. Então, o que faremos?
Pois é, o tema não é de fácil compreensão, e é dificílimo adotar uma posição. O que fazer? O que pensar depois de tudo o que temos visto? Hoje, com muito mais liberdade, vários posicionamentos estão surgindo para que a gente possa refletir e descobrir por qual caminho seguir. Duas coisas são importantíssimas: deixar a hipocrisia de lado e olhar para dentro de si mesmo. Porque, se procurares agora entre os teus mais próximos, verás vários usuários de drogas lícitas (álcool, tabaco, anfetaminas...) e ilícitas. Quanto a estas, onde será que foram adquiridas? O álcool mata mais do que todas as drogas ilícitas juntas. Esta é apenas uma entre outras verdades assustadoras. Boa e tranquila reflexão.
* Secretário-adjunto da OAB/RJ e presidente da Comissão de Política sobre Drogas da Seccional

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