Pavesi é autor de livro que denuncia suposta máfia em Poços de Caldas.
Caso está na Justiça há quase 14 anos e sentença deve sair neste ano.
Está à venda e também disponível para download o livro “Tráfico de Órgãos no Brasil – O que a máfia não quer que você saiba”, escrito pelo gerente de sistemas, Paulo Airton Pavesi, pai do menino Paulo Veronesi Pavesi, o Paulinho, que foi morto aos 10 anos após cair do prédio onde morava em Poços de Caldas (MG). Ele teve os órgãos retirados e transplantados quando ainda, supostamente, estaria vivo.
“Se eu tivesse medo, não teria escrito este livro”, disse Paulo Pavesi, ao ser questionado sobre temer retaliações após a publicação da obra, que conta toda a história, que teve início há quase 14 anos. O volume traz nas mais de 400 páginas em detalhes, como tudo aconteceu e como se deu o pedido de asilo de Paulo Pavesi, que atualmente vive com a segunda esposa e a filha caçula na Europa. Ele está asilado desde 2008, quando resolveu deixar o Brasil alegando estar sendo ameaçado.
Com diferentes passagens que relatam a despedida do garoto, a exumação do corpo e a luta para provar que o menino foi vítima da chama ‘Máfia dos Órgãos’, Pavesi enfatiza que a história toda foi censurada e por isso, optou por lançar o livro de maneira independente e distribuir livremente pela internet.
“Eu procurei a editora há alguns meses e enviei uma parte do livro para que eles avaliassem se era possível publicá-lo. Ele foi aprovado quase que imediatamente. No decorrer do período de negociação, a obra ficou pronta e assinamos o contrato. Enquanto estavam editando, fui informado que o departamento jurídico havia barrado a publicação com medo de processos”, contou em seu blog.
O volume não poupa ninguém. Mesmo após ter sido processado por calúnia e injúria, quando ainda estava no Brasil, Paulo Pavesi traz denúncias que vão desde atendentes dos hospitais em Poços de Caldas, a policiais, políticos, procuradores e juízes.
Em entrevista exclusiva ao G1, Paulo Pavesi fala um pouco sobre a obra, sobre os planos para um segundo livro, sobre a morosidade da Justiça e sobre o tráfico de órgãos. Confira abaixo a entrevista:
G1: Como foi, quase 14 anos depois, lançar o livro, ver ele publicado, mesmo que de uma maneira alternativa e independente?
Paulo Pavesi: Não é uma sensação muito boa, porque reviver tudo aquilo não me faz muito bem. Mas por outro lado é mais uma etapa que consigo concluir me preparando sempre para a próxima etapa, que sei que virá. O livro tem uma importância que muitos podem não entender agora. Mas o futuro nos reserva algumas coisas interessantes que podem surgir a partir do livro. Quem sabe? Muitos não fazem ideia, mas o caso Paulinho tem sido utilizado em centenas de trabalhos universitários pelo Brasil. O livro será uma boa ferramenta de apoio para estes trabalhos.
G1: Logo no início da obra você relata como foi a mudança do Brasil para a Itália e o pedido de asilo, o que é muitas vezes ignorado, como o fato de você ter que ter ficado em uma prisão, no estilo de regime semiaberto. Como foi esse processo?
Paulo Pavesi: Foi assustador. Mas logo nos primeiros dias eu entendi o espírito daquele centro, percebi que não estava em uma prisão e sim num setor de requerentes de asilo. Dali por diante fiz grandes amizades que mantenho contato até hoje, principalmente com os agentes da Croce Rossa. Obviamente que todo o processo não da para responder em uma única questão. Mas o livro traz em detalhe esta etapa.
G1: Durante a narração do livro, você menciona os desgastes sofridos por sua família - especialmente pela mãe do Paulinho e por sua filha Adriana - e mesmo assim, você sempre garante que faria tudo novamente. Apesar das dificuldades, porque você não desistiu?
Paulo Pavesi: A Adriana e Rosangela são duas mulheres incríveis. Souberam superar os problemas e hoje são exemplos de superação. Logo, ambas estão vivas, e podem se defender. Meu filho não. Ou eu defendia os direitos do meu filho, ou ninguém o faria por mim. Muitos dizem que isto é egoísmo. Eu não acho. Desde 21 de abril de 2000 eu dedico 24 horas ao caso do meu filho. Será que algum pai faria isto por seu filho? Será que isto é egoísmo?
Medo? Eu tinha medo de perder um filho. Se eu tivesse medo destas pessoas eu nao teria chegado até aqui e nem teria escrito o livro."
Paulo Pavesi
G1: No livro você faz várias acusações, que vão desde os médicos envolvidos, a políticos, procuradores, delegados e juízes. Mesmo fora do país, você teme alguma retaliação?
Paulo Pavesi: Medo? Eu tinha medo de perder um filho. Se eu tivesse medo destas pessoas eu nao teria chegado até aqui e nem teria escrito o livro. Eu tambem não sou idiota. Sei do que eles são capazes. Por isso vim para a Europa. Sem segurança física, nao dá para entrar numa briga dessa. Além disso, nao vejo como eles podem me retaliar. Vão me processar de novo por injúria, calunia e difamação? Tudo o que está no livro está documentado. Que venham! Eu torço para que esta batalha ganhe os tribunais internacionais. Eu não tenho limites para esta historia. Ela terá o tamanho que eles desejarem. No início era um caso pequeno em uma cidade pequena, que se resumia a uma imprensa pequena, num tribunal pequeno envolvendo autoridades menores ainda. Eles e suas mentiras e manobras, ajudaram-me a ampliar bem este cenário. Mas garanto que há espaço para ampliar ainda mais. Só depende deles.
G1: Apesar das oitivas do processo em Poços de Caldas terem acontecido em agosto de 2013, já estamos na metade de janeiro e você ainda não foi ouvido por carta rogatória. Existe alguma previsão?
Paulo Pavesi: O problema do Brasil é a Justiça. Não adianta você reclamar de políticos corruptos ou traficantes de órgãos, por exemplo. Você tem que reclamar do Ministério Público que não denuncia, da policia que não investiga, do juiz que não condena, dos desembargadores que negociam sentenças e por ai vai. É ali que a máfia ganha. Enquanto o Brasil não entender isso, o coronelismo vai sempre existir. O politico pode mudar, mas as práticas são sempre as mesmas.
G1: O tráfico de órgãos pode ser comparado ao tráfico de drogas. Como você encara isso?
Paulo Pavesi: O tráfico de drogas é feito dentro de um ambiente inseguro. Traficantes, pessoas viciadas, prostituição, roubos e por ai vai. O trafico de órgãos é muito pior do que isso. Ele acontece em um ambiente limpo, supostamente seguro, supostamente confiável e com um argumento muito forte: "Salvar vidas". Fazendo esta comparaçao posso garantir que o tráfico de órgãos é muito mais serio. Além disso, a ONU vem se manifestando com frequência sobre o crescimento deste problema no mundo todo.
G1: Em sua opinião, além de todas as denúncias feitas, existiria alguma forma de acabar com o tráfico de órgãos sem acabar com os transplantes?
Paulo Pavesi: O tráfico de órgãos deixará de existir quando não existirem mais médicos desonestos. Sem um médico desonesto, você não tem tráfico de órgãos. Leigos não fazem transplantes. Em outras palavras, o tráfico de órgãos sempre existirá, pois assim como em outras profissões, sempre existirá alguém desonesto. Mas, há sim, muitas formas de diminuir o problema através da fiscalização. Hoje não existe nenhum controle serio, e isto já foi demonstrado em duas auditorias do Tribunal de Contas da União.
G1: Você escreveu a frase “Se o seu filho precisasse de um órgão e te pedisse dinheiro por ele. Se você pudesse comprar. Você compraria ou não?” Qual seria a sua resposta para isso? E por que usa esta frase com tanta frequência?
Paulo Pavesi: Esta frase eu usei uma única vez no documentário HOT. Quando eu disse isso, o diretor parou a gravação e pediu para que eu repetisse pois ele achou que esta era uma pergunta muito dura e que merecia uma resposta de quem estivesse assistindo. Eu não preciso pensar muito para responder. Claro! Eu compraria sim! Se tivesse dinheiro e meu filho à beira da morte, eu compraria sim! E acho que qualquer pai responderia o mesmo, ou não seria pai. Este é o centro do problema. Existem muitas outras perguntas que você também responderia sim. Por isso que existem leis. Para que os interesses pessoais não atropelem os interesses de uma sociedade. Se há uma fila, ela deve ser respeitada. Vão tentar furar? Claro! E a lei existe para impedir isso. Mas quando a lei é ignorada e furar a fila não gera nenhuma consequência, outras irregularidades tambem vão acontecer. Basta ver o caso Paulinho. Eles infringiram diversas leis e regulamentos para fazer o que faziam. Como nunca acontecia nada, continuaram fazendo. O livro mostra isto claramente.
G1: A sentença no caso dos médicos envolvidos ainda não saiu. Você acha que o lançamento do livro pode influenciar em alguma coisa? Por quê?
Paulo Pavesi: Não acho que o lançamento do livro possa influenciar alguma coisa. Nao é este o objetivo. O objetivo é levar a história como ela aconteceu, sem censura, sem cortes, sem manipulações por parte da máfia, para que cada um possa fazer o seu juízo. Se eles fossem influenciados pelo que escrevo, a história teria outro rumo.
G1: Você disse, em alguns momentos, que prepara um segundo livro. Como seria isso?
Paulo Pavesi: Este primeiro livro tinha um objetivo como escrevi anteriormente, no entanto o resultado me surpreendeu muito. Eu não esperava alcançar tantas pessoas como alcancei em poucos dias. Mesmo sendo distribuído gratuitamente, me surpreendi com as vendas. Tem algumas coisas acontecendo em torno deste primeiro que podem gerar outros caminhos interessantes. Eu tenho material para o segundo livro, e já estou fazendo alguns rascunhos. Mas o momento é focar os resultados do primeiro.
Serviço – Para saber mais sobre o livro, visite o blog
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