O Senado está dando andamento à reforma penal (foi aprovado em 17 de dezembro de 2013 o relatório final na Comissão Especial de Senadores). Agora o texto vai para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e, depois, ao plenário. Aprovado o texto no Senado, será ele enviado para a Câmara dos Deputados. Desde 1937 (Estado Novo), passando pelo Código Penal de 1940 e pelas 150 reformas penais até dezembro de 2013, no Brasil só temos conseguido oferecer uma “solução” enganosa para o problema da criminalidade: edição de novas leis penais, cada vez mais duras. Verdadeiro populismo punitivo, regido pela criminologia populista/midiática.
Objetivamente (e estatisticamente) as reformas penais costumam produzir efeito positivo efêmero logo após a sua aprovação, quando produzem esse efeito (após o Código de Trânsito Brasileiro, por exemplo), mas em seguida a criminalidade volta com toda intensidade. Um exemplo dessa política desastrada (e absolutamente ineficaz a médio ou longo prazo) são os homicídios:
De 1986 a 1990, como se vê, o movimento foi de ascensão contínua. Os homicídios só aumentavam. Em 1990 veio a primeira lei dos crimes hediondos (Lei 8.072/90). Seu efeito redutor positivo se deu em 1991 e 1992. A partir daí, a escalada sanguinária não mais cessou. De acordo com os dados disponíveis no Datasus, do Ministério da Saúde, de 1986 até 1990 o crescimento no número de homicídios passou de 56%. Entre 1990 e 1992, após a aprovação da lei, a taxa caiu 8% e voltou a crescer 7,7% já no ano seguinte. A partir de 1994, quando veio a segunda lei dos crimes hediondos, os homicídios não caíram absolutamente nada. Ao contrário. Só aumentaram (de forma linearmente ascendente). Entre 1994 e 2000 o crescimento foi de 39%. O selo de crime hediondo colado em um crime não significa nenhuma garantia de diminuição do crime.
O engodo da política puramente repressiva do Estado brasileiro (uma das políticas públicas mais irresponsáveis em toda a América Latina) está estatisticamente evidenciado. Puro populismo penal demagógico, mesclado, às vezes, com charlatanismo (que ocorre quando o populista atua com má-fé). No campo da prevenção penal reside uma das grandes mentiras que são contadas para o povo brasileiro que, desorientado e desolado, não se rebela coletivamente contra elas. Mas fica sempre decepcionado.
Nenhuma reforma penal do legislador brasileiro, de 1940 a 2013, fez reduzir a criminalidade, a médio prazo. Nenhuma! Nenhum crime diminuiu sistematicamente. Passado o efeito sedativo da nova lei, em seguida retorna a criminalidade. Para isso muito contribui a falência da estrutura estatal punitiva, esgarçada, sucateada (apenas 8% dos homicídios são apurados).
Enquanto discutimos (no campo da dogmática penal) se o dolo está no tipo ou na culpabilidade, se esta é psicológica ou normativa, se a pena tem sentido retributivo ou preventivo etc. (o debate dogmático é relevante, sem sombra de dúvida, mas insuficiente), o povo pobre está morrendo nas filas dos hospitais ou sendo amassado como sardinha nos ônibus e trens lotados ou ficando mais ignorante nas escolas públicas (porque não prestigiam o professor, não têm estrutura etc.); nossa infraestrutura continua esgarçada, os desonestos continuam "roubando" o dinheiro público, o brasileiro continua achando que nossa terra vai dar certo só porque foi abençoada inicialmente por Deus e por aí vai. A soma da esperteza do legislador com a ignorância de grande parcela da população, mais a espetacularização da mídia, vem significando mais homicídios.
Algo em torno de 270 pessoas são massacradas diariamente no Brasil (130 no trânsito e 140 assassinadas). Enquanto o legislador penal insiste na sua política penal rigorista e populista, nos últimos 73 anos, 2,3 milhões de pessoas perderam a vida no trânsito ou por causa das mortes intencionais (dolosas)! São “mortes antecipadas”, como diz Zaffaroni. Sem que tenha havido nunca qualquer tipo de revolução! É a marcha da nossa insensatez. O dilema barbárie ou civilização continua sendo um enigma no continente latino-americano!
Para cada reforma penal (foram 150, em 73 anos), foram 17 mil cadáveres! Mortes nunca reduzidas. Isso significa que deveríamos viver sem leis? Não. Impossível. As leis são necessárias. O que estou dizendo é que as reformas penais populistas e demagógicas não estão diminuindo os crimes! O povo brasileiro continua, no entanto, pedindo mais leis, mais dureza, mais política de “mão-dura”. É a guerra contra o crime. A criminalidade crescente é uma realidade. A guerra como consequência única é questionável. Desorientação popular e midiática, que sempre achará um legislador disposto a atender essa demanda. As reformas das leis não custam nada (já dizia o utilitarista Bentham, 1782-1875).
Luiz Flávio Gomes é advogado e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG, diretor-presidente do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes.
Revista Consultor Jurídico, 19 de dezembro de 2013
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