quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

O antipenalista

Noel Nascimento
A história do direito é a superação do direito penal.
(Ihering)
Arvorou-se ele, antipenalista, contra o sistema prisional de penas, sua burocracia judiciária e administrativa. A ordenação que na atualidade dispõe da mais apurada técnica de torturas. Apesar da falência reconhecida, enfrentara só tanta resistência. Nem o termo antipenalista haveria. “Um desvario quando a violência e a criminalidade atingem elevado índice em meio à impunidade e à corrupção generalizada.” “Contra-senso de quem exerce o seu cargo.” Pelos ideais que defendia diziam-no agitador e anarquista.
Ele era o “subversivo” que, a começar com O Legado da Violência, publicara a série de teses no jornal O Estado do Paraná. Reunira-as em 1983, numa primeira edição da Editora Beija-flor, Curitiba. Obtivera êxito em obras anteriores. Agora contava com o apoio inestimável de notáveis jornalistas, escritores e poetas na divulgação das idéias em jornais e revistas. No primeiro momento fora convidado para uma palestra na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná pelas formandas Cirênia Resende e srta. Quintiliano. Decepcionara a platéia. Quase fiasco, os apartes justificados quando crescia a onda de violência e de clamor contra a impunidade.
Precursor apenas, pequeno era ele - digo eu - um intelectual simplório visto com sutil descaso e aparente indiferença da unanimidade penalista. É extremamente difícil quanto insólito preceituar a transformação do sistema penal. Tarefa de Césares (Beccaria e Lombroso).
Assim que tive A Escola Humanista editada em l999 pela Ufscar, Universidade Federal de São Carlos, SP, senti-me gratificado com a aceitação pela intelectualidade, inclusive mestres e renomados juristas. Ressalto como fundamento a proteção, princípio vital necessário à sobrevivência do ser, remontando à sua própria origem no universo; proteção que constitui um direito natural, inviolável, sagrado, matriz de todos os direitos humanos. O clamor de milênios por salvação, outro não é que não o clamor por proteção. Esta é natural como emana da mãe na formação da família. Quando o homem se organiza em sociedade, que evolui, o objetivo é torná-la efetiva. A proteção originou a família, a nação, o Contrato Social.
A abolição do sistema de penas será conseqüência natural de um mundo solidário e fraterno, substituído por um sistema protecional de reeducação, com medidas (não penas) de segurança, correção, tratamento, deveres e obrigações. Para o antipenalista é constante a evolução. Em Juízos Especiais já se perde o caráter do “olho por olho, dente por dente”, que comparado à tortura moderna seria brandura. Nas medidas não há castigo, vingança, ódios.
Nesta época do terrorismo generalizado é difícil tal compreensão. A reação a crimes hediondos, hoje comuns, levam ao assentimento a torturas, a arbitrariedades, a exacerbação das penas. A indignação desencadeia linchamentos, massacres, extermínio de crianças, esquadrões e justiceiros da morte.
Numa primeira etapa, enquanto perdurar tal conjuntura no mundo, com o sistema protecional em gênese, a desenvolver-se, coexistirá com prisões ainda necessárias à defesa social, mas não só para pobres, excluídos e discriminados, mas também para ricos e privilegiados, corruptos e corruptores.
Dizer-se precursor é, no entanto, incrível pretensão. Antes dele antipenalista, lia-se na Bíblia: “Ele me enviou para evangelizar os mansos, para curar os contritos de coração, e pregar a redenção aos cativos e a liberdade aos encarcerados...” (Isaías, V; 61).
Noel Nascimento é procurador de Justiça aposentado, escritor e integra a Academia Paranaense de Letras.
Gazeta do Povo. 24/09/2006

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