Enquanto o Brasil continuar acreditando na prisão como solução, continuaremos com nossas prisões superlotadas, frisa o assessor jurídico da pastora
O sistema carcerário é um problema em si mesmo, de acordo com o assessor jurídico da pastoral carcerária, José de Jesus Filho. Em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, ele afirma que o sistema carcerário “é tão grande ou maior do que o problema que veio solucionar: a criminalidade”. E continua: “há muitas alternativas viáveis ao sistema carcerário: a ampliação das alternativas à prisão, uso da justiça restaurativa, aplicação das medidas cautelares etc. Nova Iorque foi capaz de reduzir a criminalidade sem fazer uso da prisão, por meio do policiamento preventivo”, diz. Segundo Filho, o Brasil é um país na rota do tráfico internacional de drogas, com cidades muito populosas e que não descobriu ainda o caminho da redução da criminalidade e continua acreditando, ao contrário do que fez Nova Iorque, que a prisão é a solução.
De acordo com o assessor, o governo está perdido: “anunciou mais de um bilhão na construção de novospresídios, como se isso fosse solucionar. Em vez de procurar meios de reduzir a população prisional, anunciar a construção de mais presídios, sem prever os custos de manutenção, apenas agravará a situação”, conta. O judiciário continuará, segundo ele, mantendo as pessoas na prisão sem maior reflexão sobre a sua real necessidade e a polícia continuará prendendo os pobres porque foi ensinada a tratar a pobreza como um problema de polícia.
Em relação às facções, José de Jesus Filho acredita que elas só existem porque não há uma real presença do Estado, em termos de controle e assistência, no interior das prisões. “O número de agentes penitenciários é mínimo, o que os obriga a dividir o poder com as lideranças internas. As assistências são quase inexistentes. Tudo isso empodera as facções que oferecem ‘segurança’ e assistência mínima, fazendo ruir legitimidade e a autoridade do Estado diante dos presos.” E finaliza, oferecendo uma saída: “deveríamos buscar sempre meios de evitar a prisão como resposta”.
José de Jesus Filho é assessor jurídico da pastoral carcerária. Confira a entrevista.
IHU On-Line – A que o senhor atribui a superlotação dos presídios brasileiros?
José de Jesus Filho - Há uma série de razões. Uma delas é a criminalização da pobreza e uma política punitivista voltada aos grupos indesejáveis, sem condições de inserir-se no mercado de trabalho. Essa população formada por moradores de rua, habitantes de favelas ou cortiços é gerida autoritariamente, com suas necessidades de saúde, moradia, educação e acesso à justiça sendo respondidas por meio da prisão. A prisão tem sido a política pública voltada às camadas mais pobres em alguns estados como São Paulo. Outro fator importante de superlotação tem sido a lei de drogas de 2006. Esta lei representou o superencarceramento de usuários de drogas, a despeito de sua intenção inicial de retirar os usuários das prisões.
IHU On-Line – Quais são os motivos e as justificativas para o Brasil ter a quarta maior população carcerária do mundo?
José de Jesus Filho - O Brasil encarcera muito, mas há diferentes realidades no país. Os estados de fronteira, Acre, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Rondônia, e o estado de São Paulo mantêm uma alta taxa de encarceramento. Outros estados, porém, não aprisionam tanto. O Brasil é um país na rota do tráfico internacional de drogas, com cidades muito populosas e que não descobriu ainda o caminho da redução da criminalidade e continua acreditando, ao contrário do que fez Nova Iorque, que a prisão é a solução.
IHU On-Line – Quais são os maiores problemas estruturais por que passam as prisões brasileiras atualmente?
José de Jesus Filho - O país tem muitos presos, poucos recursos humanos e materiais voltados aos presos e não investiu seriamente em alternativas à prisão. O resultado é um crescente número de presos, amontados em unidades prisionais, com mínima assistência à saúde e jurídica e sem perspectiva de mudar esse quadro.
IHU On-Line – Como o Estado brasileiro se manifesta diante do caos carcerário instalado no país?
José de Jesus Filho - O governo está perdido, anunciou mais de um bilhão na construção de novos presídios, como se isso fosse solucionar. Em vez de procurar meios de reduzir a população prisional, anunciar a construção de mais presídios, sem prever os custos de manutenção, apenas agravará a situação. O judiciário continuará mantendo as pessoas na prisão sem maior reflexão sobre a sua real necessidade e a polícia continuará prendendo os pobres porque foi ensinada a tratar a pobreza como um problema de polícia.
IHU On-Line – Como garantir o cumprimento dos direitos humanos nas prisões?
José de Jesus Filho - Criar mecanismos independentes de inspeção. Existe um projeto de lei, de número 2442/2011, que estabelece o mecanismo preventivo nacional, órgão cuja atribuição será monitorar as prisões para prevenir a tortura e outros tratos.
IHU On-Line – Como compreender o poder das facções criminosas mesmo dentro das prisões?
José de Jesus Filho - As facções só existem porque não há uma real presença do Estado, em termos de controle e assistência, no interior das prisões. O número de agentes penitenciários é mínimo, o que os obriga a dividir o poder com as lideranças internas. As assistências são quase inexistentes. Tudo isso empodera as facções que oferecem “segurança” e assistência mínima, fazendo ruir legitimidade e a autoridade do Estado diante dos presos.
IHU On-Line – Como avalia iniciativas como as adotadas nos presídios de Minas Gerais, em que os presos têm as chaves da prisão?
José de Jesus Filho - Essas iniciativas são boas, mas atingem um número muito pequeno de presos e dificilmente podem ser replicadas. É necessário um conjunto de fatores para que elas funcionem: clima favorável entre presos, uma comunidade envolvida com os problemas da prisão, um diretor e um juiz interessados em promover a melhoria das condições prisionais. Há, porém, lugares e perfis de presos que não permitiriam iniciativas como essa. Em cidades grandes como São Paulo, dificilmente uma Apac poderia ser criada. Além disso, essas iniciativas estão ligadas às motivações religiosas e, em muitos lugares, os presos são obrigados a aderir a uma igreja ou religião para permanecer no programa.
IHU On-Line – Quais são os limites do sistema carcerário? Que alternativas poderíamos pensar para resolver os problemas carcerários do país?
José de Jesus Filho - O sistema carcerário é um problema em si mesmo. Ele é tão grande ou maior do que o problema que veio solucionar: a criminalidade. Há muitas alternativas viáveis ao sistema carcerário: a ampliação das alternativas à prisão, uso da justiça restaurativa, aplicação das medidas cautelares etc. Nova Iorque foi capaz de reduzir a criminalidade sem fazer uso da prisão, por meio do policiamento preventivo. Enquanto o Brasil continuar acreditando na prisão como solução, continuaremos com nossas prisões superlotadas.
IHU On-Line – Seria o caso de reforma do direito penal?
José de Jesus Filho - Uma reforma do Código Penal seria uma solução parcial, mas não suficiente.
IHU On-Line – Que aspectos ou elementos devem estar presentes na reforma do Direito Penal?
José de Jesus Filho - A desprisionalização da maioria das condutas. A prisão deveria ser uma alternativa e não a principal resposta. Apenas quando as demais respostas falharem é que deveríamos fazer uso da prisão e, mesmo assim, apenas em casos emergenciais. Deveríamos buscar sempre meios de evitar a prisão como resposta.
Direito penal
O direito penal tem sido utilizado como solução para todas as manifestações de insegurança. Creio que mais do que uma reforma do direito penal, seria necessário impor restrições às reformas que ocorrem hoje. A privação da liberdade somente deveria ser imposta a partir de um quórum qualificado no Congresso ou ampla discussão entre todos os interessados. Atualmente, um projeto criminalizador passa no Congresso sem que haja sérios obstáculos.
IHU On-Line – Os presídios ainda são necessários? Esse modelo de penalização já foi superado?
José de Jesus Filho - Ele não foi superado totalmente. Embora a prisão nem sempre tenha existido como pena, ela hoje é uma instituição da qual nenhum Estado ocidental quer abolir. Não estou certo de que em alguns poucos casos a prisão não seja necessária, mas ela tem sido a pior das respostas na maioria dos casos. Em minha opinião, ela deveria ser utilizada apenas como medida de contenção imediata; após isso, ela deveria ser dispensada e outras soluções menos dolorosas deveriam ser oferecidas.
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Fonte: Instituto Humanitas – Unisinos
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