Jovens sem tempo para brincar e estudar e com responsabilidades de adulto; situação ainda é muito comum no PR
Curitiba - Corpo e mentalidade de uma garota de 14 anos, mas responsabilidades de um adulto. Até alguns meses, a rotina da adolescente era lavar roupa e louça, cozinhar e limpar a casa. Ela e a irmã de 15 anos eram instruídas pela mãe a ''darem conta'' do serviço doméstico enquanto trabalhava como diarista. Sem tempo para brincar ou disposição para estudar, as duas foram encaminhadas por uma assistente social ao Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti) de Monte Castelo, na cidade de Colombo, Região Metropolitana de Curitiba (RMC). No local, as 31 crianças e adolescentes participantes (a maioria está lá por trabalho doméstico) recebem aulas de informática, dança, artes visuais e conceitos de cidadania. Para fazer parte da turma, a criança precisa estar na escola e a família dela recebe uma ajuda de custa de R$ 40 mensais.
Com ares de adulto, um rapazinho de 14 anos também está lá porque era incumbido pela mãe de cuidar dos dois irmãos menores enquanto ela trabalhava. Acordava mais cedo e cuidava do café dos pequenos. Enquanto o caçula ia para escola, ele limpava a casa, arrumava a cozinha e fazia o almoço. À tarde, ia com o irmão do meio para a escola. Depois, ele ainda tinha que lavar roupa, preparar o lanche e deixar o jantar adiantado. Como perdeu provas e não tinha tempo de estudar, ele reprovou. Agora, na quinta série do ensino fundamental, sonha em ser professor de Língua Portuguesa. Os responsáveis pelo Peti afirmam que quando ele não fazia o trabalho mandado, apanhava.
Os casos relatados são exemplos de exploração doméstica. Esse abuso foi considerado uma das piores formas de trabalho infantil pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e adotado com tal pela Justiça brasileira. Menores de 18 anos não podem exercer a função de trabalhador doméstico no País desde que entrou em vigor o decreto número 6.481, em 12 de setembro, assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Antes, era legal a contratação registrada em carteira de maiores de 16 anos e menores de 18 para exercer serviços domésticos.
''As mães deixam os filhos com sobrecarga de atividades com a explicação de que precisam trabalhar. Nosso trabalho começa na conscientização dos pais e no ensino de conceitos de cidadania para as crianças e adolescentes'', comenta a coordenadora do Peti Monte Castelo, Inalda Bezerra da Silva, ao ressaltar que contra a miséria das famílias - boa parte conta apenas com o salário da mãe (a figura paterna é rara entre os participantes) - é difícil argumentar.
Ela destaca que, além da exploração dentro da própria casa, há aqueles expostos ao trabalho na residência de empregadores. ''Atendemos a um caso em que a mãe entregou a filha para uma família de classe média curitibana em troca de salário. Ela tinha 13 anos e ainda engravidou do filho do patrão, também adolescente'', conta.
A menina de 14 anos conta que, depois que chegou ao Peti, a mãe dela está ''pegando leve''. ''Ela entendeu que era errado e agora eu ajudo apenas.'' No entanto, a irmã de 15 anos saiu do programa. No caso do menino de 14 anos, ele entende que há necessidade de colaborar com o serviço doméstico porque a mãe sempre está cansada. ''Eu agora vou à escola e tenho tempo para brincar. Eu continuo fazendo os trabalhos, mas quase não apanho mais'', diz.
Declarações como essas preocupam as entidades. A coordenadora do Peti diz que falta chance de profissionalização para os mais velhos. ''Eles precisam ter apoio de programas que dêem a eles a chance de competir e progredir. Eles não têm educação suficiente. Não basta proibir o trabalho, tem dar a chance para eles e para os pais de uma melhor condição de vida'', suplica.
Folha de Londrina.
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