quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Descriminalização do consumo: do microfone ao papel




Durante as últimas semanas vêm aumentado o número de vozes oficiais a favor da descriminalização do consumo de drogas na América Latina. Já não se trata de um grupo de acadêmicos falando de um viés liberal da sociedade: presidentes de nações como Agentina, México e Honduras têm manifestado abertamente seu interesse em apoiar um novo enfoque global frente às drogas. O ponto de partida seria tratar o consumidor como um paciente do sistema de saúde e não como um criminoso que deve ser encaminhado ao sistema penal.



Em meio à crise gerada pelas ações do narcotráfico em seu país, o presidente do México, Felipe Calderón, disse que era necessário entender o problema das drogas não só como assunto exclusivamente penal, mas, sobretudo, como um tema de saúde no que se refere ao consumo.



Dias depois, Manuel Zelaya, seu colega de Honduras, concordou com a idéia de apoiar a venda controlada de certas drogas hoje ilegais, apesar de ter deixado claro que essa é uma medida que deve ser tomada de maneira global e simultânea.



Semanas antes, a presidente da Argentina, Cristina Kírchner, havia declarado que apoiava a descriminalização do consumo ao afirmar para a imprensa local que nã achar correto "que se condene quem tem um vício como se fosse um criminoso... os que têm que ser condenados são os que vendem a substância".



Para além das declarações de alto nível a favor da descriminalização do consumo de certas drogas, alguns países latino-americanos já têm feito avanços no terreno legislativo. De acordo com o deputado argentino Leonardo Gorbacz, existem projetos de diferentes parlamentares que há algum tempo defendem a descriminalização do porte de drogas para consumo próprio.



"O Poder Executivo, através do Ministério da Justiça, criou um comitê técnico que está elaborando sua própria proposta que vai na mesmo direção. Além disso, existe um parecer da Comissão de Drogas sobre uma lei que cria um plano nacional de assistência que foi firmado recentemente", afirmou Gorbacz.



Consumidor não vai preso



A modificação legal mais recente no continente foi realizada em 2006 no Brasil, com a aprovação da nova lei de drogas. Na opinião de Luciana Boiteux, que tem doutorado em Direito Penal pela Universidade de São Paulo, os efeitos da lei estão sendo positivos ainda que insuficientes.



"Positivos no sentido de que têm trazido abertura para políticas de saúde pública no tema das drogas no lugar de aplicar somente uma política repressiva como propunha a lei anterior", explica Luciana, que e é membro do Conselho Consultivo da Rede Brasileira de Redução de Danos e Direitos Humanos.



"Desse modo", continua, "se reduziu a internvenção penal ao usuário que já não é preso. Mas temos que reconhecer que não foi uma grande revolução porque a criminalidade continua alta. Os críticos entendem que a lei deveria ter ido mais longe", avalia a especialista.



Vale relembrar que um dos primeiros países latino-americanos a fazer esse tipo de modificação na legislação foi a Colômbia, cuja Corte Constitucional descriminalizou em 1996 o porte e o consumo de doses mínimas de drogas sob o argumento de que o consumo das mesmas está dentro da esfera do livre desenvolvimento da personalidade, um direito inalienável.



Essa dose, no entanto, não pode exceder a um grama de qualquer substância à base de coca, 20 gramas de maconha e cinco gramas de haxixe. No entanto, o atual presidente colombiano, Álvaro Uribe, já manifestou seu interesse em voltar a criminalizar o consumo, ainda que essa disposição não tenha tido muito eco.



Um passo para o lado



No entanto, nem todos os ventos são favoráveis a mudanças no continente americano. Apesar de a onda legalizadora ter conseguido agitar as águas no estado da Califórnia, por exemplo, com a chamada "Proposição 5" (Proposition 5) - que previa a transferência anual de US$ 1 bilhão do orçamento do sistema priosional para prevenção e reabilitação de usuários de drogas e diminuir, assim, a superlotação das prisões com consumidores de drogas não violentos -, os californianos disseram "não" à proposta durante as eleições presidenciais e para o Parlamento.



Para Ethan Nadelman, diretor-executivo da Drug Policy Alliance, organização que promove o debate sobre a política de drogas no país e que defendeu a Proposição 5, se a emenda tivesse sido aprovada no referendo popular, seria a maior reforma em termos de drogas nos Estados Unidos desde o fim da lei seca 75 anos atrás.



O estado da Califórnia já havia sido pioneiro ao se tornar o primeiro a aprovar o uso medicinal da maconha, iniciativa que se tornou uma das maiores mudanças legais dos últimos 10 anos.



O especialista afirma que a eleição de Obama para a presidência dos Estados Unidos pode representar mudanças nessa área. "Mesmo que Barak Obama não faça do fim da guerra às drogas sua prioridade número um, ele chegou a afirmar que o país deveria começar a tratar o uso das drogas como tema de saúde pública e não como uma questão de justiça ciminal".



Nessas mesmas eleições, o estado de Massachusetts aprovou em referendo o abrandamento das penas para porte de pequenas quantidades de maconha e o estado de Michigan regulamentou o uso medicinal da erva.



O pepel da América Latina



Ainda que falte muito a ser feito em termos de legislação, está claro que a América Latina se prepara para desenvolver uma postura própria em relação ao tema que será levada para a reunião do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (Unodc), em março de 2009. Durante o encontro será avaliada a política de guerra às drogas que marcou a pauta mundial nos últimos dez anos.



Para Ethan Nadelman, as declarações dos presidentes latino-americanos são a demonstração de que está se formando na região uma massa crítica entre os líderes. Isso não só levando-se em conta as recentes declarações de Calderón, Zelaya e Fernández, mas também as feitas há algum tempo pelos presidentes da Venezuela, Bolívia e Equador.



Para o especialista, todas as regiões do mundo desempenham papéis importantes no desenvolvimento de um novo paradigma em relação à política de drogas. Mas ele assegura que "a América Latina tem um papel primordial e deve formular uma proposta contundente já que vem pagando um preço alto - a violência - como conseqüência da política de guerra às drogas".



O ministro da Defesa da Colômbia, Rafael Pardo, concorda com a afirmação e acha que já é hora de a América Latina liderar um debate global sobre a necessidade de uma mudança de paradigma com relação à política de drogas. "Qual deve ser esse novo paradigma? Temos que construí-lo a partir de uma discussão internacional. O enfoque primordial, na minha opinião, deve ser pesquisar e avaliar políticas, direcionar recursos para a prevenção e para o tratamento dos consumidores, mais do que controlar a oferta", afirma.

Ethan Nadelman acrescenta, ainda, que a criação da Comissão Latino-americana sobre Drogas e Democracia, presidida pelos ex-presidentes da Colômbia, César Gavirira, do México, Ernesto Zedillo, e do Brasil, Fernando Henrique Cardoso, é mais uma prova de que está se formando um grupo de líderes comprometidos com uma mudança na política de drogas na região.



A comissão está preparando um documento oficial que deverá ser ratificado em sua próxima reunião em fevereiro de 2009 na Costa Rica e que servirá de modelo para o encontro mundial, nas Nações Unidas.


O diretor-executivo do Viva Rio, Rubem César Fernandes, explica que desde a primeira reunião da comissão, em junho deste ano, houve consenso entre os participantes sobre o fracasso da política mundial de drogas.



"A prova desse fracasso é que a meta quando essa política foi implantada era alcançar um mundo sem drogas em dez anos. Esses dez anos se passaram e a produção das drogas se manteve relativamente no mesmo nível, com o agravante de que na América Latina poderes paralelos saíram fortalecidos e houve um incremento do crime organizado com alta capacidade de corrupção e violência", explica.



Por isso, na opinião de Fernandes, a América Latina deve ter uma posição muito mais ativa perante a comunidade internacional e é precisamente isso que se pretende com o documento que está sendo preparado pela comissão, que será publicado com o aval de, pelo menos, 100 líderes latino-americanos.

Comunidade Segura.

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