quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Artigo: Tráfico de pessoas: quais são as estratégias de combate?

O tema do tráfico de pessoas para fins de exploração sexual e trabalho escravo tem ocupado um lugar de destaque na pauta de ONGs, mídia, organizações sociais e governos do mundo inteiro. Em vários países foram elaboradas e implementadas políticas públicas de combate e prevenção ao tráfico, na tentativa de reduzir o que é considerado um dos negócios mais lucrativos da atualidade. Não faz exceção o Brasil que, em janeiro de 2008, estabeleceu o "Plano Nacional de Enfrentamento ao tráfico de Pessoas". Mesmo assim, a imprensa tem relatado o aumento do número de pessoas traficadas em diferentes lugares do mundo. A questão é bastante complexa, sobretudo porque, nos dias de hoje, as vítimas de aliciadores costumam viajar junto a milhões de migrantes econômicos e existe sempre o risco de confundir o crime do tráfico com o direito de ir e vir. Diante disso, é legítimo questionar-se sobre as estratégias mais eficazes e coerentes de combate ao tráfico, de modo a superar a demagogia política e as soluções simplórias.

Em primeiro lugar, é fundamental "complexificar" a questão do tráfico humano, considerando, antes de tudo, que a "escravidão" contemporânea se insere no contexto da globalização neoliberal, que, movida pela lógica inquestionável do lucro e da competitividade, tende a mercantilizar qualquer coisa, inclusive os seres humanos (por exemplo, o tráfico de órgãos). Em outros termos, um contexto econômico e cultural em que a acumulação de dinheiro - ou a busca do prazer - antecede axiologicamente a promoção e a defesa dos direitos humanos, acaba sendo a principal causa da reificação e mercantilização de seres humanos. Qualquer política pública em nível internacional que desconsidere esse fator está destinada ao fracasso.

Em segundo lugar, não há dúvida de que a ação dos traficantes é facilitada pelas assimetrias sócio-econômicas existentes tanto em nível nacional quanto internacional. Não raramente, as vítimas dos aliciamentos desconfiam da veridicidade das encantadoras promessas dos algozes, mas preferem arriscar antes que permanecer nas desumanas condições de vida em que se encontram. Nesta perspectiva, é impensável uma séria política de combate e prevenção ao tráfico que não leve em conta também a socialização das riquezas e das oportunidades.

Além disso, é bom lembrar que a questão do tráfico de pessoas é extremamente ampla e abrangente e não pode ser imputada simplesmente à ação criminosa de alguns grupos mafiosos. As "redes" de tráfico humano podem incluir também determinados setores da sociedade - donos de boates, albergues e motéis, taxistas, motoristas, guias turísticos, garçons, funcionários de cartórios, entre outros - que, de diferentes maneiras, com as próprias ações ou omissões podem contribuir para que o tráfico e a exploração das vítimas sejam exitosos. Faz-se necessária, neste âmbito, uma forte ação de fiscalização e prevenção, sobretudo mediante um trabalho de conscientização e educação, tanto da população vulnerável quanto das pessoas que, direta ou indiretamente, podem estar envolvidas nos mecanismos de exploração.

Em quarto lugar é importante frisar que o tráfico está diretamente relacionado também com a mobilidade humana. A condição migratória - na maioria das vezes administrativamente irregular - torna muitos migrantes mais vulneráveis a diferentes formas de aliciamento no lugar de chegada. A necessidade de pagar as dívidas da viagem, de enviar remessas aos familiares, de alcançar a almejada estabilidade financeira, unidos à xenofobia, ao racismo, à dificuldade de encontrar emprego formal e ao medo de serem deportados, fragilizam o migrante. Às vezes, são justamente os migrantes econômicos que acabem entrando nas redes de tráfico de pessoas, tanto nos países de saída, quando nos países de destino.

Além disso, o tema da mobilidade humana levanta o debate sobre a relação entre migrantes econômicos e vítimas de tráfico de pessoas, entre smuggling e trafficking. Enquanto o primeiro termo - smuggling - indica o contrabando consensual de migrantes, cujo objetivo é obter benefício financeiro ou material promovendo o ingresso irregular da pessoa no território de outro país, o trafficking diz respeito ao recrutamento, transporte, transferência e/ou acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação para fins de exploração e a obtenção de benefício financeiro ou material. São dois fenômenos diferentes, mas com fronteiras extremamente porosas. O debate inclui também uma complexa questão conceptual, que está sendo gradativamente aprofundada. É importante, no entanto, não usar ideologicamente a luta contra o tráfico de pessoas como justificativa para legitimar as limitações dos direitos de ir e vir.

Não podemos, por fim, nos esquecer de uma última questão: embora a repressão policial, sozinha, não represente uma solução realística, não há dúvida de que a impunidade constitua um dos maiores incentivadores do tráfico de pessoas para fins de exploração sexual e trabalho escravo.

* Centro Scalabriniano de Estudo Migratórios

Adital.

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