Jean Ziegler, professor de Sociologia na Universidade de Genebra, em Os Senhores do Crime (Ed. Record, 2003), defende que o perigo mortal do crime organizado vai além de sua ação contra as instituições, a lei, o Estado. Diz ele que, “se fosse apenas isso, o reforço da ação repressora da sociedade democrática, de sua magistratura, de suas leis e de sua polícia bastaria para contê-lo”. Alerta Ziegler que o crime organizado, por meio do “atrativo do lucro rápido, da corrupção endêmica da ameaça física e da chantagem, debilita a vontade dos cidadãos. O resto segue-se como necessidade: uma sociedade que já não se move por vontade própria e cuja harmonia deixa de obedecer às vontades individuais e livres é uma sociedade condenada”. E chama a atenção: “Nenhum Estado, nenhuma lei, nenhuma força repressora, por mais determinados e severos, serão capazes de protegê-la”.
É mais ou menos esse movimento que se observa no Brasil: quanto maior a repressão, maior a criminalidade. A percepção é a de que o crime aumenta todo dia, especialmente os mais aberrantes, que alimentam os noticiários especializados. É um que esquarteja, outro que mata toda a família, alguns que praticam a pedofilia, os que seqüestram, torturam e por aí vai.
O cenário está tão macabro que o homicídio puro e simples deixa de ser notícia ou razão para comentários, dando lugar para os que apresentam maiores requintes de perversidade.
Por essa razão, fica difícil confiar em estatísticas que tentam demonstrar que a criminalidade está diminuindo, e que o Estado, apesar das dificuldades, está cumprindo suas funções. Nesse contexto, a análise de Ziegler faz todo sentido. A sensação é a de que a vontade dos cidadãos brasileiros está debilitada. O quase-pânico se instala no momento em que todos têm o medo do crime incluído no seu rol de preocupações cotidianas. Ou pior, em que a maioria dos cidadãos dos grandes centros urbanos tenha sido atingida, direta ou indiretamente, pelo crime.
Mas o que esperar de uma sociedade que cada vez mais tem para si como valor somente o dinheiro, em que o dinheiro é o principal qualificador das pessoas, fator que leva à projeção e a conquista do respeito pelos seus pares? É triste nos depararmos com o senso comum que valoriza o ganho fácil, a obtenção do sucesso sem o ônus do estudo, do trabalho, do aperfeiçoamento permanente.
Falar mal das instituições tornou-se lugar-comum, prática recorrente. Mas o que esperar das instituições, se grande parte dos que dela participam procura unicamente a satisfação dos seus egos corrompidos?
Uma sociedade que se descola de sua cultura, que perde o rumo, entra em anomia, passa a ser alimento para o crime, fazendo com que os criminosos acabem por se impor à maioria da nação.
Mas nem tudo está perdido. Temos provas de que ainda é tempo de salvação: aqui e ali colhemos exemplos edificantes que honram a nossa história com ações que têm por propósito o bem-estar do outro. É a esses atores do desenvolvimento social a quem devemos recorrer, pois são eles que nos mostrarão o caminho certo.
Impõe-se que os meios de comunicação valorizem esses personagens e seus atos no noticiário, dando-lhes, pelo menos, o mesmo espaço que dedicam à perversidade e a toda sorte de futilidades.
Iberê Bandeira de Mello: é advogado titular do escritório Bandeira de Mello/Bandeira de Mello e Advogados Associados.
Revista Consultor Jurídico, 30 de outubro de 2008
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