"Os principais jornais e emissoras de TV, privadas e estatais, abandonaram o jornalismo independenle e aparlidário para se engajarem na campanha ieltsinista. Houve bloqueio de informações sobre a oposição, silêncio sobre a doença de Ieltsin e até suborno de jornalista." (Folha de S. Paulo. 07.07.1996, r. 1-19).
Não é novidade que a moderna imprensa tem hoje um caráter eminentemente empresarial. Antes da mídia ter uma função pública, não se pode deixar de lembrar que ela se constitui através de uma empresa, com objetivos comerciais e com notório interesse em explorar de forma sensacionalista fatos policiais, que lhe rendam muito dinheiro.
O conhecimento que se obtém do mundo é mediado pela maneira de conhecer do homem. Na atual sociedade de massas, uma das principais formas de conhecimento se dá através dos meios de comunicação de massas. A notícia aparece como o principio elemento de construção da realidade do indivíduo (cf. Cervini, Os Processos de Descriminalização, p. 92), deixando de ser um mero reflexo do fato social digno de divulgação para as pessoais.
Um dos mais graves problemas envolvendo a justiça criminal, segundo Drapkin, é que a mídia, ao expressar suas próprias opiniões durante os procedimentos criminalis, acaba por "julgar" as pessoas proferindo veredictos sem qualquer base fático-processual ("trial by the media"). Tais decisões. inapeláveis, criam fatos consumados pela divulgação de informações prematuras que se constituem em verdadeiro desserviço público (Criminologia da Violência, p.52).
Além disso, são os meios de comunicação de massas que desencadeiam as campanhas seletivas com a fabricação de estereótipos de fatos e de crimes. As campanhas da "lei e da ordem" sempre descrevem a "impunidade total", falam da "polícia que prende e do juiz que solta", "dos menores que entram e saem da FEBEM graças ao ECA ", atribui o mal funcionamento do aparelho estatal "às leis benevolentes, especialmente à Constituição, que só garante direitos humanos para bandidos", etc. "Estes estereótipos permitem a catalogação dos criminosos que combinam com a imagem que correspondem à descrição fabricada, deixando de fora outros tipos de delinqüentes (delinqüentes de colarinho branco, de trânsito, etc.)" (Zaffaroni, Em busca das penas perdidas, p. 130), que talvez atentem contra valores sociais até mais relevantes do que aqueles abordados nas campanhas sistemáticas desencadeadas pela imprensa.
Estas fábricas ideológicas condicionadoras, em momentos mais agudos de tensão social, não hesitam em alterar declaradamente a realidade dos fatos criando um processo permanente de indução criminalizante. Zaffaroni e Cervini, nas obras citadas, destacam que os meios de comunicação de massas, ao agirem dessa forma, atuam impedindo os processos de descriminalização de condutas de bagatela (por exemplo), incentivando a majoração de penas, constituindo-se, pois, num dos principais obstáculos à criação de uma sociedade democrática fundada nos valores de respeito aos direitos dos cidadãos e da dignidade humana.
Por derradeiro, bem é de observar-se que qualquer discussão acerca do que faz ou deixa de fazer a imprensa, no plano político ou policial (são realidades nada distantes, até no plano semântico), só se justifica dentro do contexto da democracia garantidora da liberdade de pensar e agir. Se a própria mídia não cria mecanismos assecuradores da mantença dos valores democráticos, corre o risco, em face dos resultados decorrentes de sua ação, de sofrer as eventuais conseqüência da falta de democracia, que tanta apregoa defender, mais que não defende; e isso é muito claro pelo contexto em epígrafe.
Sérgio Salomão Shecaira
Advogado, professor da UNESP e 2º vice-presidente do IBCCRIM
SHECAIRA, Sérgio Salomão. A mídia e o Direito Penal. Boletim IBCCRIM. São Paulo, n.45, p. 16, ago. 1996.
Nenhum comentário:
Postar um comentário