A Lei de Execução Penal (LEP), de julho de 1984, afirma em seu art. 2º que o Código de Processo Penal também é regra para o processo de execução. Ora, nesse Código, precisamente no art. 3º, admite-se a interpretação extensiva, segundo a qual, para o nosso caso, um preceito de Direito Penitenciário pode abranger uma situação não explicitamente considerada pelo legislador, desde que a exegese não restrinja os direitos do condenado ou agrave o constrangimento a que já está submetido.
Em síntese, tal interpretação só pode ser invocada em benefício do preso, jamais em seu desfavor.
Pois bem, o art. 41, X, da LEP, dita:
"Constituem direitos do preso: visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados."
Vê-se, por aí, que a regra invocada, de estender a uma situação não expressa o que se atribui a uma outra semelhante, permite sem grande esforço estabelecer o direito à visita íntima a partir da faculdade geral que o preso(a) tem de receber visitas de seu cônjuge ou companheiro(a). Realmente, uma vez que a sexualidade inere à pessoa, não seria concebível que o direito de receber visitas do ser com quem se compartilha a intimidade se restringisse à liturgia própria do encontro com um parente ou amigo, em que os afetos de corpo e alma nunca atingem a natureza e o grau de segredo e mistério que enlaçam os cônjuges ou companheiros.
Por outro lado, se o legislador, ao dizer constituir direito do recluso(a) a visita do cônjuge ou companheiro(a), não distinguiu entre visita simples e visita íntima, não cabe ao intérprete limitar essa faculdade à primeira hipótese, rotulando a outra de mera regalia, sob pena de consagrar o princípio, já não mais aceito pela filosofia penitenciária dos Estados Democráticos, de entender as normas que regem a relação presidiário-Estado como propensas à sistemática restrição dos direitos e garantias de quem sofre a execução de uma pena restritiva de liberdade. Bem por isso, o Código Penal e a Lei de Execução Penal estatuem de modo incisivo que:
"O preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas as autoridade o respeito à sua integridade física e moral" (art. 38, Código Penal).
"Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei" (art. 3º, Lei de Execução Penal).
Ora, como nem a lei nem a sentença vedam o direito de receber visitas íntimas, nos termos ora propostos, como tampouco a perda da liberdade física torna impossível o exercício dele, conclui-se novamente que o título definidor de tal faculdade extrapola o âmbito conceitual da simples regalia, esta sempre subordinada à discricionariedade da Administração Pública.
Enfim, o movimento contemporâneo doutrinário dos criminólogos e penalistas é unânime em reconhecer a visita íntima "como um direito, ainda que limitado, do preso" (Mirabete, J. F., Execução Penal, Ed. Atlas, 1993, São Paulo, 5ª ed., p. 135).
Sobre todo o explanado e, a rigor, antes dele, é preciso convir que a Constituição da República de 1988 permite chegar à mesma inferência, metodologicamente obtida pelo recurso de visualizar a visita íntima como um tópico a ser investigado sob o ângulo do sistema constitucional em que vivemos. O método é muito fecundo, como o mostrou Paulo Bonavides (Política e Constituição: os caminhos da democracia, Rio de Janeiro, Forense, 1985), já que possibilita encarar o texto constitucional como uma "estrutura aberta" ao equacionamento e deslinde de problemas verificados na comunidade. Sob a ótica da Lei Maior, "ninguém será obrigado a deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei" (art. 5º, II, segunda parte). Não há, todavia, lei ou ato com força de lei (a sentença judicial, por exemplo, é "lei" para as partes por ela atingida) que obrigue alguém a cessar o exercício de sua sexualidade. Tampouco esta cessação decorre, como alguns equivocadamente conjeturam, do próprio fato do aprisionamento, confundido a capacidade de ir o presidiário(a) a algum lugar e aí unir-se intimamente a alguém, com a sua faculdade de receber a visita reservada desse mesmo ser amado. A capacidade de ir, sem dúvida, está bloqueada em virtude da ablação da liberdade ambulatória; no entanto, o direito de receber a visita íntima permanece intocado. Raciocínio contrário a essa postura básica e constitucional levaria, uma vez ainda, a derrogar o texto do art. 5º citado, inciso III, segunda figura, ao acolher o tratamento desumano infligido a um recluso, consistente na frustração de sua natural sexualidade e afeto. Outro argumento ao mesmo desiderato se expõe através da proibição maior de existirem penas cruéis (art. 5º, XLVII, letra e). Com efeito, se o receber a visita íntima de alguém, durante o encarceramento, representar somente uma regalia, cuja natureza jamais alberga a possibilidade de ser exigida pelo interessado, então o preso, à mercê da discrição (ou arbitrariedade?) do poder administrativo, fica tolhido crudelissimamente em sua dimensão de ser sexuado, constrangido a um celibato compulsório.
Por conseguinte, a visita íntima é um direito do condenado e do internado.
Pedro Armando Egydio de Carvalho
Procurador do Estado aposentado
CARVALHO, Pedro Armando Egydio de. Visita íntima: direito ou regalia. Boletim IBCCRIM. São Paulo, n.43, p. 03, jul. 1996.
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