Há uma questão dentro do tema da corrupção ativa que, apesar de ser fato corriqueiro no dia-a-dia, não encontra menção na maioria dos manuais de direito penal e tampouco nas compilações jurisprudencial. A questão é a seguinte: um funcionário público aborda alguém que cometeu alguma irregularidade e solicita uma certa quantia em dinheiro para não tomar as providências cabíveis. A pessoa, então, entrega o dinheiro ao funcionário. Teria esta pessoa cometido o crime de corrupção ativa ao entregar a quantia solicitada?
Na doutrina encontramos resposta afirmativa na obra de Heleno Cláudio Fragoso (Lições de Direito Penal, p. 471, Ed. Forense, 5ª ed.).
Entretanto, parece-nos claro que a resposta deve ser negativa, pelos seguintes fundamentos:
O crime de corrupção passiva prevê três condutas típicas, punindo o funcionário público que solicita, recebe ou aceita promessa de vantagem indevida em razão de suas funções.
Já o art. 333 do CP pune a corrupção ativa em apenas duas condutas, ou seja, "oferecer ou prometer" vantagem indevida para funcionário público.
As modalidades "receber" e "aceitar promessa", de vantagem, previstas para a corrupção passiva, guardam total paralelismo com as duas únicas condutas típicas da corrupção ativa, pois se o funcionário recebeu a vantagem, significa que anteriormente alguém a ofereceu e se ele aceitou promessa de tal vantagem, é porque antes alguém a prometeu.
Dessa forma, em face da própria redação do art. 333, conclui-se que as condutas típicas da corrupção ativa pressupõem que a iniciativa seja sempre do particular. Este, em um primeiro momento, oferece ou promete uma vantagem qualquer para o funcionário público. A partir deste instante já estará consumada a corrupção ativa.
Na seqüência, se o funcionário receber ou aceitar tal vantagem cometerá a corrupção passiva, sendo possível concluirmos que nestas duas modalidades de corrupção passiva, a conduta inicial nunca será do funcionário público, já que pressupõem conduta anterior do particular.
A corrupção passiva, todavia, possui uma terceira conduta típica, qual seja: "solicitar vantagem indevida". Esta modalidade, ao contrário das demais, pressupõe atitude inicial do funcionário público e se consuma no próprio momento da solicitação.
Ora, neste caso, se o particular entrega a quantia solicitada, ele não comete corrupção ativa, pois não foi sua a iniciativa e, conforme já demonstrado, as condutas típicas do art. 333 sempre exigem atitude inicial do particular, no sentido de "oferecer ou prometer".
Assim, a simples falta de previsão típica já seria argumento suficiente para a não incriminação da conduta em análise.
Porém, há que se salientar que tal omissão não se deve a falha ou esquecimento do legislador. Ao contrário, a opção é sábia e intencional.
Senão vejamos:
Entendeu o legislador que deveria punir, tanto o funcionário público que toma a iniciativa de solicitar uma vantagem, como aquele que toma conhecimento de uma oferta ou promessa de vantagem e a recebe ou a aceita. Isto porque em todos os casos, o funcionário público demonstra deslealdade, descaso e despreocupação com a coisa pública e, por isto, há de ser responsabilizado por crime contra a administração.
Já ao incriminar a corrupção ativa, a intenção do legislador era punir os particulares cujas condutas tivessem o condão prático de corromper ou, ao menos, potencial para fazer com que um funcionário público se tornasse corrupto.
Por isto, a lei somente incriminou na corrupção ativa, condutas que tenham início no particular, posto que apenas estas podem corromper. Se, ao contrário, o próprio funcionário toma a iniciativa de solicitar a vantagem, significa que ele já está corrompido e, portanto, a conduta do particular que entrega a vantagem pedida não tem o potencial lesivo que a lei quis evitar e punir.
Há, por fim, outro argumento irrefutável.
No art. 342 do Código Penal a lei pune os crimes de falso testemunho e falsa perícia, sendo que no § 2º do citado artigo há previsão determinando que a pena do crime será aumentada de um terço se o fato é praticado mediante suborno.
Por outro lado, o art. 343 do Código Penal prevê crime autônomo, chamado pela doutrina de "corrupção ativa de testemunha ou de perito", que pune quem "Dá, oferece ou promete qualquer vantagem para testemunha ou para perito falsearem a verdade em juízo".
Veja-se que no art. 343 há três condutas puníveis: "dar, oferecer e prometer", enquanto na corrupção ativa do art. 333, apenas duas, ou seja, "oferecer ou prometer".
Partindo, pois, da premissa de que o tratamento desigual dado pelo legislador deve ter alguma finalidade, podemos concluir, também por este motivo, que a pessoa que entrega vantagem anteriormente solicitada por funcionário público, não pratica o crime de corrupção ativa.
Victor Eduardo Rios Gonçalves, Promotor de Justiça Criminal e professor de Direito Penal e Direito Processual Penal.
GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Corrupção ativa?. Boletim IBCCRIM. São Paulo, n.43, p. 06, jul. 1996.
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