quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Uruguai aprova a descriminalização do aborto

Lei passou com apenas um voto de diferença e em meio a muita agitação política e social

BUENOS AIRES - No meio de um clima de elevada tensão, após 12 horas intensos de debates, a Câmara de Deputados do Uruguai aprovou nesta quarta-feira, 5, de madrugada a lei de descriminalização do aborto. A lei foi aprovada por apenas um voto de diferença (49 a 48). Do lado de fora do Parlamento em Montevidéu, milhares de pessoas manifestavam-se a favor e contra a aprovação. Em nome da cúpula da Igreja Católica uruguaia, o arcebispo de Montevidéu, Monsenhor Nicolás Cotugno, ameaçou excomungar os parlamentares que aprovassem a lei.

A sessão teve que ser interrompida durante 40 minutos por ameaças de bomba, um fato fora do normal na costumeiramente pacata vida política uruguaia.

Apesar da aprovação, o projeto terá que retornar ao Senado (onde havia sido aprovado dias atrás), já que sofreu alterações em seu texto. Se for novamente aprovado na Câmara Alta, o texto será lei. No entanto, o presidente da República, o socialista Tabaré Vázquez, cuja esposa é fervorosamente católica, já deixou claro que pretende vetar a lei. Caso mude de idéia, o Uruguai se transformaria no primeiro país da América do Sul a não penalizar o aborto.

Integrantes da Frente Ampla, a coalizão de centro-esquerda do governo, criticaram seu líder. Diversos parlamentares governistas recordaram ao presidente Vázquez que em 1980, o então presidente francês Giscard D'Estaing foi chamado pelo papa João Paulo II para pedir-lhe que vetasse a lei do aborto aprovado pelo Parlamento da França. O sumo pontífice recordou a D'Estaing sua condição de católico. No entanto, ele destacou ao papa que, embora fosse católico, era presidente de um Estado laico, e que não podia impor suas convicções pessoais aos cidadãos.

O projeto de lei estipula que toda mulher uruguaia - ou as estrangeiras residentes no Uruguai - terão o direito de interromper sua gravidez nas primeiras 12 semanas de gestação. Até o momento, a lei uruguaia vigente só admite a interrupção da gravidez em caso de estupro ou de risco de vida da mãe. A lei atual prevê a pena de prisão para os autores do aborto.

Diversas pesquisas, desde meados deste ano, indicaram que mais de 60% dos uruguaios estão a favor da descriminalização do aborto. Estimativas do Parlamento uruguaio e da Associação de Planejamento Familiar indicam que são realizados 33 mil abortos clandestinos por ano no país.

Pioneiro

O Uruguai foi pioneiro em diversas legislações na América Latina. Foi o primeiro país da região a dar às mulheres o direito ao voto, em 1932; e conta com uma lei do divórcio desde 1907, mais de sete décadas antes do todos seus vizinhos. No ano passado aprovou a lei de união civil de pessoas do mesmo sexto. Há poucos meses também aprovou uma lei que, seguindo padrões escandinavos, proíbe os pais de aplicar castigos físicos a seus filhos.

Estadão.

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