quarta-feira, 11 de junho de 2008

Velhos sofrem violência em casa e nas ruas

Os idosos e as crianças estão entre as principais vítimas de violência doméstica e raras vezes conseguem se livrar do agressor e recomeçar uma vida saudável. Os maus-tratos não são exclusividade de países pobres, como o Brasil, e se tornam motivo de preocupação em todas as sociedades. Nos Estados Unidos, cerca de 2 milhões de idosos acima de 65 anos sofreram algum tipo de agressão. Dados do Conselho Nacional de Pesqusia norte-americano revelam que os estados não possuem profissionais capacitados para lidar com o assunto e faltam informações sobre as causas de abusos contra velhos.

A Comunidade Econômica Européia caminha no sentido de definir normas mínimas para o acolhimento dos velhos em asilos nos estados-membros para lhes garantir vida digna. No seu artigo 3º, inciso IV, a Constituição Federal do Brasil determina que o Estado deve promover o bem de todos, sem preconceito ou discriminação devido à idade. O Decreto Federal 1.948, de 3 de julho de 1996, regulamenta a lei sobre a Política Nacional do Idoso, pela qual "todo cidadão tem o dever de denunciar à autoridade competente qualquer forma de negligência ou desrespeito ao idoso". (veja reportagem nesta edição). O impasse se encontra na aplicação das leis, em contraste com a realidade.

O Rio de Janeiro é o estado brasileiro onde morrem mais idosos vítimas de violência, conforme pesquisa do Centro Latino-Americano de Estudos sobre Violência e Saúde (Claves), pertencente à Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Estima-se que, num grupo de 100 mil habitantes com mais de 60 anos, 249,5 morrem por homicídios, atropelamentos, tombos dentro de casa, entre outros.

Idosos se unem pelo respeito aos seus direitos
A coordenadora-executiva do Claves, Edinilsa Ramos de Souza, explica que apesar de ter sido criada, em 2000, a Política Nacional de Controle e Redução dos Acidentes e Violência, não saiu do papel. Ela informa que apenas alguns estados, como o Pará, Minas Gerais, Paraná e Pernambuco fizeram encontros e começam a estabelecer metas. Para ela, a notícia mais positiva é a mobilização de grupos de idosos que lutam por descontos nos preços dos medicamentos, por lazer e criação de associações.

A idade avançada deixa os idosos mais vulneráveis e, geralmente, são vítimas de quedas e atropelamentos. Não há segurança na travessia de semáforos e nem tempo suficiente para que cheguem do outro lado da rua. Edinilsa de Souza diz que é desrespeitosa a atitude de vários motoristas do transporte coletivo, que não gostam de levar velhos por não pagarem passagem e, dessa maneira, chegam ao ponto de acelerar o veículo quando o idoso vai entrar.

De acordo com Lan Hee Alves Castanha, coordenadora do Núcleo de Atendimento às Vítimas de Violência (Navv) do Hospital Municipal Dr. Arthur Ribeiro de Sabóia, que fica na capital paulista, 32% das mortes registradas de idosos são em decorrência de violência. A primeira causa é o acidente no transporte, seguida de espancamento e agressão e atropelamento. O Hospital do Jabaquara atende uma média de 32 mil pessoas por mês - 600 apanharam em casa, a maioria velhos e crianças. "O idoso é um reflexo, mas a prevenção está no jovem. A violência no jovem, na criança, acaba refletindo na idade adulta", comenta.

Uma equipe de pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) desenvolve um trabalho etnográfico no Navv, do Hospital do Jabaquara, com o objetivo de preparar os profissionais para compreender a situação dos pacientes vítimas de violência. Segundo a antropóloga e professora do Departamento de Medicina Preventiva da Unifesp, Cynthia Andersen Sarti, a violência familiar não está dissociada da violência social e ela representa um ciclo.

A coordenadora do Navv, Lan Alves, acredita que só um trabalho conjunto com as instituições, ONGs, com a aplicação do Programa de Saúde Familiar, pode-se mobilizar a comunidade local. A situação entre as famílias, conforme constatação da equipe do Navv, é de brigas constantes de idosos entre si, com filhos, genros, noras e vizinhos. Lan Alves destaca que é necessário dar suporte psicológico às famílias, para lidar com o problema do desemprego, ajudar essas pessoas a recuperar a auto-estima e desenvolver políticas de prevenção da violência, sem repressão e intimidação.

Como nasce a violência e por que ela floresce entre as famílias brasileiras é uma questão ainda sem resposta. Na opinião da professora de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia, Maria do Rosário Menezes, ela resulta de um modelo cultural, em que a estética é supervalorizada, em detrimento da velhice. Ela defendeu, em 1999, na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP-USP), a tese Da violência revelada...violência silenciada: um estudo etnográfico sobre violência doméstica contra o idoso. Ela constatou que a maioria dos idosos não dependia financeiramente dos seus agressores, tinha filhos, morava em casa própria e ainda assim sofria maus-tratos até dos filhos que moravam fora. As mulheres eram as principais vítimas e os filhos homens estavam entre os principais vilões da violência doméstica.

A orientadora da tese e chefe do Departamento de Medicina da EERP-USP, Amábile Rodrigues Xavier Manço, ressalta que a pesquisa revelou uma realidade triste, exibida pelas idas da doutoranda às delegacias de polícia de Ribeirão Preto, Instituto Médico Legal e às casas dos velhos sob ameaça de agressores, que preferem manter a violência em sigilo. "É muito triste você chegar ao fim da vida e ser espancado por alguém que você criou", observa. Para Maria do Rosário Menezes é possível envelhecer com dignidade e ser feliz no Brasil apenas se os dirigentes e a sociedade perceberem que se deve investir na qualidade de vida do povo.


Com Ciência.

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