segunda-feira, 23 de junho de 2008

Novas campanhas no Brasil

Artigo exclusivo para o informativo mensal "En la mira - Observador Latino-americano de Armas de Fogo".

Estimamos que existam no Brasil cerca de 4,6 milhões de armas de fogo ilegais pertencentes ao denominado mercado informal, isto é, armas que pertencem a “homens de bem” mas que nunca foram registradas. São as armas preferidas dos bandidos, pois se apreendidas após o seu uso criminal, não podem ser rastreadas. Apenas no ano de 2003, criminosos roubaram de residências 26.908 armas, segundo a Polícia Federal brasileira.



Além disso, são estas armas que servem de instrumento para homicídios interpessoais, delitos que não têm relação direta com o crime organizado. Desta forma, se prestam ao cometimento de homicídios contra a mulher por parte de parceiros ciumentos ou bêbados, contra aqueles que se embebedam em bares nos finais de semana nas periferias das grandes cidades, são instrumentos das agressões ocorridas em brigas de trânsito e em conflitos de vizinhos, são utilizadas para cometimento de suicídios e fator de morte em acidentes com crianças curiosas.



Foi para “enxugar” as armas ilegais do mercado informal, ou as armas legais não desejadas, que realizamos no Brasil, de 2004 a 2005, uma campanha de entrega voluntária de armas que recolheu 459 mil armas. Atingindo cerca de 10% apenas das armas do mercado informal, a destruição das armas recolhidas, somada à proibição do porte de arma em vias públicas, estabelecido pelo Estatuto do Desarmamento, foi suficiente para reduzir em 12% as mortes por arma de fogo no país, se comparamos os índices de 2003 com 2006, segundo o ministério da Saúde, salvando-se mais de cinco mil vidas. Se levamos em consideração a curva progressiva das mortes por arma de fogo daqueles anos, a redução terá sido de 18%.



Baseado neste resultado espetacular, que comprovou os benefícios do recolhimento de armas com outras medidas de controle, e atendendo ao apelo de diversas ONGs, o Ministério da Justiça do Brasil decidiu promover duas medidas em 2008. A primeira, é a campanha de cadastramento e recadastramento de armas, para trazer para a legalidade as armas que se encontram em situação irregular.



É uma campanha com apoio quase unânime, pois apenas criminosos podem ser contra uma política de legalização das armas, que visa permitir que, uma vez desviadas, essas armas possam ser rastreadas pelas autoridades públicas. É uma campanha a ser executada pela Polícia Federal, mas que contará com o apoio da sociedade civil organizada. Como ONGs, igrejas e diversas organizações filantrópicas e de direitos humanos tiveram decisiva participação no êxito da campanha anterior de entrega voluntária de armas, o governo convidou essas entidades a participarem ativamente da campanha de recadastramento.



O seu foco será convencer o proprietário de uma arma da importância de legalizá-la, para facilitar o trabalho da polícia em caso de roubo ou extravio, informá-lo de que comete um crime ao ter armamento ilegal em casa – passível de dois a quatro anos de prisão no caso de arma de uso permitido a civil, e de três a seis anos de prisão em caso de arma de uso proibido a civil -, e que deve aproveitar a anistia que acompanha a campanha de recadastramento.



Para motivar e facilitar ainda mais que o proprietário saia de sua casa e recadastre a sua arma, o Congresso brasileiro acaba de aprovar uma Medida Provisória (MP 417) do Executivo, que suspende, até o final do ano, uma séria de exigências da nova lei, como pagamento de taxa e realização de testes psicológico e de manuseio de arma, exigências que voltarão a vigorar quando terminar a campanha.



A aprovação da MP 417, que suspende as mencionadas obrigações, não foi aprovada facilmente no Congresso. O lobby que representa a forte indústria de armas e munições do país aproveitou a oportunidade para, através da MP 417, apresentar emendas, que se fossem aprovadas, acabariam por quebrar os dentes da nova lei, o Estatuto do Desarmamento.



Nove deputados, que juntos receberam R$ 1,8 milhão de financiamento por parte das indústrias de armas e munições para suas campanhas eleitorais, tentaram acabar com a proibição do porte de armas, autorizando 25 categorias profissionais a portarem armas. Caso tivessem sido aprovadas essas emendas, os mais de meio milhão de advogados brasileiros, por exemplo, teriam sido autorizados a usar armas em vias públicas. Derrubariam um dispositivo que, junto com a campanha de desarmamento, é responsável pela drástica redução das mortes por arma de fogo. E afrontariam a população, que segundo pesquisa de opinião CNT-Sensus, se manifestou em 63% contrária ao porte de arma.



Em defesa da MP 417, se mobilizou a sociedade civil, organizada em torno da Rede Desarma Brasil, que reúne 46 ONGs que lutam pelo controle das armas de fogo, além da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) da Igreja Católica, e do Conselho Nacional das Igrejas Cristãs (Conic), que congrega as mais importantes igrejas cristãs do país. Pressionando o Congresso Nacional, em apoio aos parlamentares que defendiam sua aprovação, e com suporte do Ministério da Justiça, a MP 417 foi aprovada sem mudanças em 28 de maio pelo Senado.



A segunda medida prevista na MP 417 é exatamente a realização de uma nova campanha de entrega voluntária de armas, que deverá ser riniciada após as eleições de outubro, aproveitando o ambiente favorável do Natal, sempre propício a que se reflita sobre a importância da paz e da solidariedade.



Evita-se o período eleitoral, para que as campanhas não se partidarizem e tenham uso eleitoral, desvirtuando o debate sobre segurança pública. Quando da aprovação do Estatuto do Desarmamento, este cuidado de se colocar o controle de armas acima da disputa partidária, foi essencial para que o Parlamento Brasileiro aprovasse a nova lei, com a adesão de todos os partidos políticos, colocando o interesse público na segurança acima das questões partidárias.



Quanto à próxima campanha de desarmamento, discute-se ainda se deverá ser esta uma campanha permanente ou restrita a determinados períodos, todos os anos. A necessidade da sua constância está em que, continuamente, cidadãos decidam desfazer-se de suas armas, seja porque as receberam como herança indesejada, seja porque se conscientizaram de que elas podem representar mais um risco para si e para sua família, que um efetivo instrumento de defesa. Cabe ao Estado incentivar e facilitar a sua entrega às autoridades, para que sejam destruídas e diminuam os estoques sujeitos ao roubo por parte de delinqüentes.



Por ocasião do IV Encontro da Rede Desarma Brasil, recém realizado em Brasília, e que reuniu as igrejas e ONGs que irão colaborar com o governo em mais uma campanha de desarmamento, o Ministério da Justiça acordou em ampliar uma outra iniciativa da sociedade civil: a Caravana Comunidade Segura.



Esta Caravana já percorreu grande parte do país, em quatro anos sucessivos e, através dela, ONGs especializadas em segurança pública buscam organizar a sociedade civil em cada estado, para que produzam informação e atuem nos campos do controle de armas, na reforma da polícia e na redução da violência juvenil. No mencionado encontro, estabeleceu-se que ainda este ano a Caravana irá a todas as 27 capitais brasileiras, criando as estruturas organizacionais e midiáticas para fortalecer as campanhas de recadastramento de armas e de desarmamento programadas, fortalecendo a parceria entre a sociedade e o Estado no aperfeiçoamento da segurança pública.



*Antonio Rangel Bandeira é coordenador da área de Controle de Armas do Viva Rio


Comunidade Segura.

Nenhum comentário:

Pesquisar este blog