segunda-feira, 16 de junho de 2008

Muros e grades escondem creche de presídio

Um prédio amplo, um parquinho com brinquedos coloridos, uma casinha de bonecas, mães e crianças pequenas brincando. Tudo isso poderia fazer parte de um cenário em qualquer lugar da cidade. A creche Cantinho Feliz não seria diferente se não estivesse por detrás dos muros da Penitenciária Feminina do Paraná (PFP), em Piraquara, região metropolitana de Curitiba. Atrás dos portões de ferro há um espaço arborizado e mantido com cuidado pelas detentas. Ao lado, estão as instalações da creche que abriga 34 crianças de 0 a 4 anos e 33 mulheres presas. No prédio principal encontram-se 362 mulheres, cinco delas grávidas e nove com bebês de até 6 meses, que contam com um atendimento diferenciado.

O local foi criado pela Lei Estadual 9.304/90 para abrigar os filhos das internas desde o período de aleitamento materno até os 6 anos de idade, quando não houvesse a possibilidade de a criança ficar com alguém da família. O equipamento ajuda a garantir às mulheres presas no Paraná um dos melhores tratamentos penitenciários do país. O estado possui dois presídios exclusivamente femininos, com 448 vagas no total, em regime fechado e semi-aberto. Nas duas unidades há creches e berçários, onde a criança pode permanecer com a mãe por período integral até os 6 meses de vida. Depois, até os 6 anos, em um período de 12 horas. Na PFP, a creche tem capacidade para atender 40 crianças e o berçário – em uma cela especial no prédio central – tem 12 leitos. No regime semi-aberto, são cinco vagas.

Para o secretário da Justiça e da Cidadania, desembargador Jair Ramos Braga, a situação da mulher apenada sempre se diferencia do homem, no que diz respeito a seu envolvimento na criminalidade. Por isso, o sistema penitenciário do Paraná disponibiliza um tratamento penal que favoreça a manutenção dos vínculos familiares, especialmente com os filhos. “Geralmente, as presas são abandonadas por seus companheiros. Manter esse programa com a creche permite que elas ocupem seu tempo de maneira saudável, até a idade em que a criança entre na fase escolar.”

Com uma rotina rígida, as mulheres levantam às 6 horas, tomam café com as crianças e iniciam as tarefas do dia. O serviço é dividido em turmas, e uma acaba cuidando do filho da outra. “Aqui elas aprendem a ser mães”, confirma a coordenadora da creche Débora Ribeiro, carinhosamente chamada pelos pequenos de Dedé. A maioria tem filhos lá fora, mas nem sempre demonstrava saber ou querer – como deixa claro a coordenadora – administrar tarefas simples, como dar banho e comida. Uma das mulheres está presa com seus dois filhos.

Discussões

Cenas de ciúme e discussões entre mães por causa dos filhos ocorrem como em qualquer lugar. A disciplina, porém, é mantida com normas rígidas e aceitas sem relutância. Com linguagem educada, fala baixa, a maioria assume postura de sentinela, com o corpo reto, mãos nas costas e cabeça abaixada. Poucas encaram o interlocutor e até as crianças parecem ter incorporado o mesmo comportamento. Não se ouve muitos risos, nem muita conversa. São curiosas, mas as mães evitam o contato com estranhos. Débora admite, porém, que existem discussões entre as mães. “Qual é a família com muitas pessoas em que não há uma briga? Aqui não poderia ser diferente.” Na opinião geral das agentes penitenciárias, as mulheres são quietas, obedientes e bem-educadas. “A lei aqui é cumprida com rigor”, sentencia.

Do outro lado

As visitas são realizadas fora da creche e são muito comemoradas. Liberadas aos domingos, são especiais quando trazem alguém da família. A maioria tem parentes no interior. Os filhos que moram com familiares visitam as presas no segundo domingo do mês. “Pais são raros, companheiros, então, nem se fala. Nenhuma das mulheres recebe o pai do seu filho. Em geral, só suas mães e irmãs”, conta a vice-diretora do presídio, Denise Maia. Uma vez por semana, os familiares ainda podem levar presentes às detentas. O Dia da Sacola traz chocolates, bolachas recheadas, cigarro, produtos de higiene e pacotes de fraldas descartáveis. Os familiares comemoram quando todos os itens da embalagem são aprovados nas vistorias dos agentes penitenciários.

Comportamento

As funcionárias não acreditam que o fato de poderem estar com os filhos as transforme em mulheres melhores. Denise lembra que poucas têm consciência do trabalho que é feito dentro da penitenciária. Ela acredita que as mudanças só ocorrem conforme a personalidade de cada uma das detentas. “Aqui, se ela não for mãe, ela será cobrada.” A mãe de uma menina loirinha de cerca de 3 anos, que estava somente de chinelo, sabe bem disso. Ao perceber a falta de meia, em um dia frio, a agente cobra com dureza para que ela providencie uma meia e um tênis para a filha. No refeitório, na hora do lanche, a cobrança veio novamente ao verem que a menina estava somente com a meia. Diferente das outras, a mãe retruca que a menina não quis colocar o tênis. “Não tem querer. Você é que sabe o que é melhor para ela”, cobra a funcionária. Para ela, atitudes assim demonstram indisciplina. “Se ela não tiver sentimento de mãe, nós incentivamos”, diz Débora.


Gazeta do Povo.

Nenhum comentário:

Pesquisar este blog