quinta-feira, 19 de junho de 2008

Estatuto da Criança chega à maioridade pouco conhecido

Lei, que completa 18 anos no mês que vem, trouxe conquistas, mas ainda é desconhecida pela sociedade.


A observação e a atitude de uma professora de 4ª série foram fundamentais para mudar a vida de Bruno, 16 anos. Acostumado a apanhar do pai adotivo desde pequeno, há oito anos o menino entrou em sala de aula com os dois olhos roxos. “A professora me perguntou o que tinha acontecido. Falei que meu pai me batia e o Conselho Tutelar foi chamado. No mesmo dia fui levado para um abrigo”, conta.

Ele não sabia na época, mas tinha se transformado em um exemplo vivo da aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Antes de entender isso, Bruno ainda tinha um longo caminho a percorrer. Foram muitas fugas e passagens por diferentes abrigos. Isso sem contar os dias vividos nas ruas, que o levaram para a Chácara Os Meninos de 4 Pinheiros, em Mandirituba, na região metropolitana de Curitiba, há quatro anos. “Só aqui fui conhecer o Estatuto e saber que todas as crianças e adolescentes têm seus direitos e deveres”, afirma.

A história de Bruno integra um número de casos – ainda pequeno – em que o ECA está sendo aplicado. Na observação de psicólogos, pedagogos, conselheiros tutelares e educadores que convivem com crianças e adolescentes, ainda falta informação por parte da sociedade sobre os direitos e deveres estabelecidos sob a forma de lei, há 18 anos.

E, infelizmente, são os pequenos que pagam pelo desconhecimento dos adultos. A emoção ainda toma conta de Gabriel, 12 anos, quando ele conta sua história. O garoto pula de abrigo em abrigo desde os 9 meses de idade, quando o pai queimava sua pequena barriga com brasa de cigarros. A Justiça demorou para retirar o poder familiar. E demorou novamente para encaminhar o menino para à adoção, contrariando uma das premissas do ECA: a lei determina que as crianças fiquem pouco tempo em abrigo e mantenham a convivência familiar, em famílias naturais ou substitutas.

O caso de Gabriel não é exceção. A colocação em nova família ou reinserção no ambiente familiar natural é difícil de ocorrer, segundo relata Fernando Gois, o fundador e coordenador da chácara onde Gabriel vive. Na chácara, vivem 80 meninos entre 7 e 17 anos. No ano passado, seis voltaram a conviver com as famílias. Apesar de pequeno, o número é comemorado com entusiasmo. “Muitas vezes o abrigamento de uma criança ou adolescente acaba sendo a salvação de uma família, que acaba sendo reconstituída”, diz.

Sem conhecimento

Em sua maioridade, o ECA enfrenta como maior inimigo para sua aplicação integral o desconhecimento. A jovem lei, criada para oferecer proteção integral à criança e ao adolescente, tem 267 artigos que são desconhecidos pela maioria. Poucos sabem, por exemplo, que foi com o ECA que surgiram os Conselhos Tutelares e que foi com a nova lei os orfanatos ganharam conotação de abrigos.

Na opinião de especialistas, como a psicóloga educacional do Projeto Não-Violência Joice Pescarollo, o ECA é encarado pela maioria como vilão. Para . O discurso, segundo ela, é que o Estatuto só pensa nos direitos e não os deveres do adolescente. “Mas os professores e pais desconhecem o estatuto, que não tem nada de light”, afirma. O Não Violência trabalha com a implantação da cultura de paz em escolas desde 1998. Já passou por 24 escolas de Curitiba e está presente em 14.

Por falta de ler e compreender a lei, os adultos justificam a dificuldade que têm em dar limites para as crianças. E assim foram surgindo vários mitos em torno do ECA (veja o quadro ao lado). “Um exemplo é que muitos professores dizem que não separam brigas entre alunos porque acham que não podem nem segurar no braço deles. É uma ignorância total”, afirma.

Para a doutora em Educação e professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Araci Azinelli da Luz, o ECA chamou a atenção para os direitos que são violados. “Temos também de considerar que não se muda o comportamento de uma geração de uma hora para outra. Os efeitos do Estatuto serão sentidos de verdade daqui a 30 ou 40 anos”, afirma.

A primeira conselheira tutelar da Capital, Jussara da Silva Gouveia, em seu terceiro mandato no Pinheirinho, ressalta que o órgão era visto, quando iniciou há dez anos, como inimigo de todos. “Agora tem adolescentes que passaram por aqui, retornaram para suas famílias e fizeram questão de votar na última eleição”, diz.


Gazeta do Povo.

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