segunda-feira, 2 de junho de 2008

Estado delinqüencial

Muito se tem falado do Poder do Narcotráfico, capaz de dominar os morros do Rio de Janeiro e de atuar quase como um Estado paralelo, competindo com o Poder Público no comando da organização social. Julgava-se que o problema era apenas este: uma tentativa do crime organizado de se substituir ao poder do Estado.

O que dizer, porém, quando o crime organizado se instala na própria estrutura da Segurança Pública do governo, passa a ser orientado pela cúpula governamental e dispõe, para sua proteção, de equipamentos do Estado destinados ao combate aos criminosos? Tratar-se-ia, é claro, da assustadora possibilidade de a sociedade ficar à mercê de um Estado delinqüencial.

Esta não é mera hipótese de dramaturgia de horror, de peça ficcional de teatro, mas, sim, o que se depreende dos fatos revelados pela "Operação Segurança Pública S.A.", desdobramento, das operações "Gladiador" e "Hurricane", feitas pela Polícia Federal (PF).

Essa investigação trouxe à tona um vastíssimo esquema criminoso, incrustado na Secretaria da Segurança Pública dos dois governos do casal Garotinho. A desenvoltura com que a quadrilha operava bem explica o processo pelo qual o Rio de Janeiro se transformou no paraíso dos narcotraficantes - o que tem como contrapartida a violência contra os habitantes da antigamente chamada Cidade Maravilhosa.

Em operação conjunta com a Procuradoria Regional da República, do Rio, a Polícia Federal prendeu, na quinta-feira, o deputado estadual Álvaro Lins (PMDB) - solto no dia seguinte por determinação de decreto legislativo da Assembléia fluminense. O ex-chefe de Polícia Civil dos governos de Anthony Garotinho e Rosinha Matheus é apontado como chefe de uma quadrilha que usava a Polícia Civil para receber favores e coletar propinas. Lins, alguns de seus familiares e oito policiais foram denunciados pelos crimes de corrupção, facilitação de descaminho (possibilitar entrada de mercadorias importadas sem pagamento de impostos), contrabando, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha armada. Na mesma denúncia foi incluído o ex-governador Anthony Garotinho pelo crime de formação de quadrilha armada. Segundo os procuradores regionais da República Mauricio da Rocha, Paulo Fernando Correa e Cristina Romano, Garotinho mantinha Lins à frente da Polícia Civil mesmo sabendo de suas ligações criminosas.

O ex-governador é apontado pelos policiais federais como chefe político da quadrilha, junto com o deputado Álvaro Lins, que, aliás, colocou no esquema diversos parentes seus. No período do mandato de Rosinha Matheus, entre 2003 e 2006, Garotinho funcionava, segundo as apurações, como "governador de fato" do Estado, "ao menos no tocante à área da segurança pública". E os procuradores enfatizam que "a atuação da organização criminosa se consolidou com a nomeação do ex-governador Garotinho, em abril de 2003, para o cargo de secretário de Segurança Pública".

Esse esquema foi descoberto pela Polícia Federal por meio de escutas telefônicas autorizadas, depoimentos, delações e outros meios investigatórios. A quadrilha teria usado a estrutura da Polícia Civil do Rio para as práticas de lavagem de dinheiro, facilitação de contrabando e corrupção. Álvaro Lins e Garotinho, que seriam os "chefes" do grupo, teriam utilizado policiais do esquema por eles montado para proteger contraventores, na guerra pelo controle de pontos de caça-níqueis no Rio. Segundo a PF, o grupo usava delegacias, principalmente a de Proteção ao Meio Ambiente, para as práticas delituosas, inclusive recebimento de contribuições dos contraventores, e o deputado Álvaro Lins adquiria bens - que foram seqüestrados pela Justiça - em nome de familiares e conhecidos.

Como se vê, tratava-se de uma rede a serviço do crime, montada pelas próprias autoridades no organismo estatal cuja função é combater o crime.

Espera-se, agora, que a descoberta do esquema, dos seus chefes e mentores permita uma faxina que há muito se faz necessária na polícia do Rio de Janeiro, e que devolva um mínimo de segurança à população.


Estadão.

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