quarta-feira, 25 de junho de 2008

Entrevista - Membros da Comissão de Reforma do Judiciário

TRÊS ESPECIALISTAS DÃO SEQUÊNCIA AO DEBATE SOBRE A REFORMA DO CPP
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> Claudia Zardo – jornalista e acadêmica em Direito
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> Como já é de costume, ao nascer de novas leis, a academia, os legisladores e
> os aplicadores da Lei se debruçam sobre elas para analisar as dicotomias
> entre técnica e prática. Sendo que o Presidente da República sancionou no
> dia 9 de junho três projetos de lei (4.203/01, 4.205/01, 4.207/01) que
> alteram alguns pontos do Código de Processo Penal, três especialistas da
> área penal - Eugênio Pacelli de Oliveira, Elias Mattar Assad e Rodrigo
> Iennaco - puxam o debate.
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> Reforma justificada
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> As novas leis do CPP devem entrar em vigor a partir da publicação no Diário
> Oficial da União e objetivam maior celeridade nos trâmites processuais, além
> de simplificação das decisões judiciais. As mudanças estão relacionadas ao
> Tribunal do Júri, à produção de provas e às audiências. E, por extensão , de
> acordo com o Ato nº. 11/08, o Senado Federal criou uma Comissão Externa de
> Juristas que, a contar de 1º de agosto, terá 180 dias para apresentar um
> anteprojeto de reforma do CPP.
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> Um dos integrantes da Comissão, o Mestre e Doutor pela UFMG, Procurador da
> República em Minas Gerais, autor de diversos livros e professor
> universitário Eugênio Pacelli de Oliveira.
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> Na visão dele, a sociedade brasileira precisa de um Código de Processo Penal
> "que seja a expressão da emancipação civilizatória e que represente mais que
> um agrupamento de normas jurídicas, um sistema bem definido de garantias
> individuais e (e não, mas!), também, um sistema de aplicação efetiva do
> Direito vigente e válido, referido às opções da democracia nacional".
>
> Segundo Eugênio Pacelli de Oliveira, no âmbito das Constituições de Estados
> soberanos, o Direito ocupa função proeminente, não só no ponto em que com
> ele se constitui normativamente o modelo político escolhido e o paradigma
> social pretendido, a todos subordinando, mas, particularmente, pela abertura
> principiológica inerente a textos desta natureza (valorativa, fundante e
> constituinte).
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> "Essa abertura se dirige exatamente ao contexto, social e político, em que
> se irá construindo o sentido do Direito a ser aplicado, em cada momento
> histórico de cada época. Nossa Constituição da República completa 20 anos.
> Nosso Código de Processo Penal, quase 50 anos. E o descompasso entre ambos
> sequer é temporal. Pior. É de conteúdo, de cultura, de forma e, em síntese,
> de essência normativa. Passa da hora a sua modificação integral, ainda que
> se venha a colher alguns de seus eventuais bons frutos. Algumas reformas
> pontuais já vieram; outras estão em andamento e em discussão", justifica.
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> Pacelli comenta ainda que, apesar dos pesares, alterações dessa natureza,
> ainda que para melhor, trazem o inconveniente da ausência de unidade,
> gestada no início do processo de reforma legislativa e perdida na tramitação
> dos procedimentos legislativos, cujos textos, modificados ao longo dos anos
> sem a perspectiva da unidade sistemática da matéria, não se prestam mais às
> razões de sua justificativa.
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> "Daí a necessidade inafastável de uma reforma integral, ou seja, de uma
> reforma que estabeleça um novo sistema de processo penal brasileiro, em que
> se ofereça, com clareza, o modelo escolhido para a gestão da prova, com a
> definição acabada do papel do juiz no processo criminal; o princípio do
> sistema acusatório relativamente ao Ministério Público, no que toca à
> oportunidade ou, se assim se quiser, à obrigatoriedade da persecução; a
> delimitação dos procedimentos conciliatórios e restaurativos, de modo a
> diminuir os inúmeros danos daquel'outros danos já causados pela infração
> penal; e, enfim, mas, sobretudo, da constitucionalização do processo penal,
> em atenção às determinações constituintes, com a roupagem das necessidades
> de nosso tempo", argumenta.
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> Reforma questionada
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> Em análise das novas leis sancionadas em 9 de junho, o advogado criminalista
> e Presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (ABRAC),
> Elias Mattar Assad, acredita que a mais recente reforma será inaplicável por
> falta de aparelhamento do Judiciário. "Ou seja, a mesma lei não dota o
> Judiciário e o Executivo dos Estados para seu cumprimento. Segundo os
> teóricos do desconhecido, há urgente necessidade de dar prioridade aos
> processos de crimes dolosos contra a vida. Nasce um novo rito para os feitos
> da competência do Tribunal do Júri (um 'novo ovo de Colombo')", critica .
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>
> Conforme explicações do criminalista sobre as mudanças, recebida a denúncia,
> o acusado citado terá dez dias para oferecer resposta escrita e elencar suas
> provas. A acusação terá cinco dias para se manifestar sobre essa defesa
> prévia. Segue-se com diligências em, no máximo, dez dias e audição de
> testemunhas. A instrução observará princípios da oralidade e concentração
> máxima de atos em audiência, pois nela serão produzidas todas as provas,
> esclarecimentos de peritos etc.; delibera-se por acareações necessárias,
> atos de reconhecimento e, por último, o acusado será interrogado já tendo
> presenciado o desfile de provas contra sua pessoa ampliando a autodefesa.
> Nessa mesma cerimônia, ultimam-se os debates orais em tempo de vinte
> minutos, prorrogáveis por mais dez quando presente assistente do MP. O juiz
> presidente deverá pronunciar ou não o acusado imediatamente ou nos dez dias
> seguintes.
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> "Algumas previsões otimistas de que 'nenhum ato poderá ser adiado' ou de que
> 'serão conduzidos coercitivamente os que não comparecerem ao ato' e que 'o
> prazo de conclusão será de noventa dias' serão de difícil absorção pelo
> precário sistema reinante. Descumpridos tais prazos, o juiz ou tribunal
> reconhecerá excesso e outorgará liberdade ao réu preso?", questiona ele.
>
>
>
> Elias Mattar Assad dá seqüência à explicação dizendo que o libelo desaparece
> nesta fase que antecede ao julgamento pelo júri. Intimam-se as partes para
> arrolarem suas testemunhas de plenário, mais provas e requerimento de
> diligências, juntada de documentos etc. Em despacho preparatório do
> julgamento, o juiz saneia o processo deliberando sobre as propostas
> probatórias, podendo determinar diligências que entenda esclarecedoras. Este
> despacho, contendo relatório do feito, será entregue por cópia aos jurados.
> Será excluído da lista de jurados aquele que tiver integrado o conselho nos
> últimos doze meses, para evitar habitualidade na função. Além das atuais
> causas de desaforamento, o instituto também poderá ser aplicado caso o
> julgamento não possa ser realizado no prazo de seis meses, a requerimento
> exclusivo do acusado.
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>
>
> "Nesta hipótese, não havendo excesso de serviço, o acusado poderá requerer
> ao tribunal que determine imediata realização do julgamento. No julgamento,
> o juiz, promotor, assistente e o defensor inquirirão diretamente as pessoas
> chamadas a depor. Jurados o farão por intermédio do juiz presidente com
> possibilidade de acareações, reconhecimentos, esclarecimentos de peritos,
> leitura de peças etc. O uso de algemas será 'excepcionalíssimo' no
> julgamento e, neste caso, não se poderá fazer referência nos debates este
> detalhe, nem para beneficiar nem para prejudicar o acusado. Há vedação
> expressa, sob pena de nulidade, do uso dos termos da pronúncia como
> argumento prejudicial ao acusado. Simplifica-se a quesitação para melhor
> captação da real intenção do jurado. O tempo destinado para a acusação e
> defesa será de uma hora e meia com mais uma hora de réplica e tréplica.
> Havendo mais de um acusado é prevista uma hora adicional para cada um e
> dobra-se na réplica...", completa.
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>
>
> Por fim, o criminalista prevê: "Vamos ver como será colocado em vigor o novo
> instituto e observar o esmeril da prática e da jurisprudência. Uma coisa é
> certa, sem um completo reaparelhamento do Judiciário, nada mudará! Para
> justificar meu pessimismo (não tendo em mãos estatísticas oficiais de outras
> localidades), o jornal 'Tribuna do Paraná' noticiou que apenas em um fim de
> semana na cidade de Curitiba foram registrados 28 casos de homicídios;
> enquanto as duas varas do Tribunal do Júri da capital, trabalhando em um
> mesmo recinto, a 'pleno vapor' e vigor de seus magistrados, conseguem julgar
> no máximo cinco processos por semana. Previsível, portanto, ao menos no caso
> do exemplo, uma represa de processos, famílias, cadáveres e acusados à
> espera de justiça, em meio a uma enxurrada de 'habeas corpus' por excessos
> de prazos...".
>
>
>
> Debate continuado
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> Para os interessados no tema, Rodrigo Iennaco , bem como Eugênio Pacelli de
> Oliveira responderem a alguns questionamentos daquilo que o Governo chamou
> de "reforma" do CPP. Confira a seguir.
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>
> (*)As perguntas sobre a parte técnica da reforma do CPP
> foram orientadas pelo professor universitário de Direito
>
> Penal, Mestre em Direito Público, especialista em Processo
> Civil pela UFU, Promotor de Justiça André Luís Alves de Melo.
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>
> ENTREVISTA
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>
> Eugênio Pacelli de Oliveira - Mestre e Doutor pela UFMG; Procurador da
> República em Minas Gerais; autor de diversos livros, professor universitário
> e um dos membros integrantes da Comissão Externa de Juristas que, a contar
> de 1º de agosto, terá 180 dias para apresentar um anteprojeto de reforma do
> CPP.
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>
> Rodrigo Iennaco - Mestre em Ciências Penais pela UFMG, com atualização em
> Criminologia Transdisciplinar em Cuba (UFMG - BRA) e criminologia com ênfase
> em Direitos Humanos (UCCI - Costa Rica); Promotor de Justiça em Sete Lagoas,
> MG; autor de diversas obras jurídicas e coordenador do Conselho Editorial do
> site www.direitopenalvirtual.com.br.
>
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> INTERESSE PÚBLICO
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>
> Muita mídia foi feita sobre o que os Poderes (Executivo, Legislativo, Poder
> Judiciário) chamam de reforma do Código de Processo Penal, quando na verdade
> não passou de uma minirreforma. De qualquer modo, dentro de sua experiência
> e prática, a "reforma" tornará a justiça de fato mais célere e eficiente?
>
>
>
> RODRIGO IENNACO - Essa reforma foi bastante pontual, representada na verdade
> por duas leis. Uma que alterou a sistemática processual sobre a maneira de
> produção e apreciação das provas no processo criminal – tornando o texto
> legal compatível com a Constituição – e outra que implementou significativas
> mudanças no Tribunal do Júri – que cuida apenas dos crimes intencionais
> contra a vida (homicídio, aborto etc.). Sendo assim, a timidez e limitação
> das alterações praticamente não serão sentidas pelo cidadão comum e a
> percepção da justiça, sobretudo a criminal, como lenta e ineficiente, não
> será significativamente alterada. Isso não significa que, a médio prazo, as
> modificações implementadas, sobretudo na reforma do júri, não trarão
> celeridade e economia de recursos para a Justiça. Não tenho dúvidas de que a
> reforma do júri, se bem interpretada e administrada pelo Judiciário,
> contribuirá para diminuir a sensação de impunidade que graça em relação a
> estes crimes mais graves, os quais terão tratamento diferenciado pela
> Justiça doravante.
>
>
>
>
>
> O Código de Processo Penal passou por pequenas alterações aqui e acolá.
> Outras, além da que estamos questionando nesta entrevista, estão a caminho.
> Por outro lado, é fato que partes do CPP não mais se encaixam na realidade
> contemporânea, tendo inclusive alguns textos que fazem uso de expressões e
> orientações de condutas embasadas em costumes vigentes no tempo da
> "Carochinha". Diante disso, sabendo que boa parte do CPP já não serve mais à
> realidade dos fatos, por que as reformas seguem sendo feitas no sistema de
> conta-gotas, de forma burocrática e lenta, e surgem especialmente quando há
> clamor social por algum caso isolado e exaustivamente explorado pela
> imprensa, ao invés de serem feitas em sua totalidade, de uma vez?
>
>
>
> Eugênio Pacelli de Oliveira - Todas as questões atinentes à criminalidade,
> aí incluída a legislação penal e processual penal, configuram temas
> extremamente sensíveis e nem sempre bem compreendidos pela população em
> geral. Por exemplo: é pensamento comum na sociedade brasileira que o
> agravamento das penas e a celeridade do processo penal - fim da impunidade,
> em resumo - resolveriam o problema da criminalidade, o que está longe de ser
> verdadeiro, ou, pelo menos, inteiramente verdadeiro. As causas da violência
> transcendem ao Direito; mais, localizam-se, prioritariamente, no âmbito da
> política, da economia e da vida social. As desigualdades sociais, a miséria
> largamente distribuída, por inúmeros fatores, impedem uma análise mais
> criteriosa das razões da violência. O Direito Penal jamais conterá a
> totalidade do crime, já que este (o delito) não surge apenas como rejeição
> do Direito, mas muitas vezes como sobrevivência marginal. Por isso tudo, o
> Parlamento não parece ainda decidido a reformular a legislação penal levando
> em contas a profundidade das questões subjacentes. Reformas "a conta-gotas"
> são contraproducentes já que, com elas, perde-se a visão do todo, em
> prejuízo da unidade do sistema penal e processual penal. Por isso, há de ser
> recebida com otimismo a iniciativa do Senado, de instituir uma Comissão de
> Juristas para a elaboração de um novo Código de Processo Penal. As reformas
> que estão chegando foram tão modificadas ao longo dos anos (são de 2001) que
> já perderam a unidade de sentido.
>
>
>
> Se o Legislativo e o Executivo pararam para propor mudanças em alguns
> pontos, por que não parar para reformar todos os dispositivos ultrapassados
> de uma só vez e assim economizar tempo e dinheiro aos cofres públicos?
>
>
>
> E.P.O. - Exatamente. Reformas pontuais, apesar de parecerem mais facilmente
> absorvidas, podem gerar um quadro de contradições, na medida em que, a cada
> momento em que são analisadas uma a uma, perde-se a idéia que motivou o seu
> conjunto. Com isso, produzem-se leis (alteradas na sua redação original) em
> desacordo com a lógica das anteriores, que também receberam modificações. E,
> pior: gasta-se muito nas adaptações às novas leis, seja no âmbito dos órgãos
> públicos envolvidos (Juiz, Ministério Público, Polícia), seja no âmbito
> privado (Advocacia, currículos escolares, produção bibliográfica etc.).
>
>
>
> No senso comum, dizem que quem tem pressa come cru. Para retirar do seio
> social a sensação de impunidade, a minirreforma objetivou uma maior rapidez
> no trâmite processual e decisões judiciais da área penal. Mas, afinal, o
> excesso de rapidez pode ou não levar à insegurança jurídica ou mesmo a
> outras injustiças?
>
>
>
> E.P.O. - O apressado como cru somente quando o alimento deve ser "cozido ou
> assado". Quando se trata de alimento que se come originariamente cru, o
> forno ou a panela são mais que improdutivos. Há sempre o risco de
> insegurança na diminuição do tempo dos ritos processuais, o que não quer
> dizer que não se possa fazê-lo. As mudanças atuais, frutos da minirreforma,
> não causarão nenhum problema dessa natureza, segundo me parece, até porque
> as alterações nesse sentido não são tão significativas assim.
>
>
>
> A Constituição está acima do CPP. O inciso LXXVIII, do art. 5º da
> Constituição Federal, acrescentado pela Emenda Constitucional nº. 45, de
> 08.12.2004, prevê expressamente o princípio da duração razoável do processo,
> assegurando o direito à rápida prestação jurisdicional, que deve ser o mais
> pronta possível, a fim de conservar sua utilidade e adequação ao interesse
> reclamado. O que, no entender do Poder Judiciário, em especial dos que atuam
> na área penal, pode ser entendido como "duração razoável"?
>
>
>
> R.I. - Para o Tribunal do Júri, a reforma previu que a instrução deve ser
> encerrada em 90 (noventa) dias e que o acusado tem direito de ser julgado no
> prazo de 6 (seis) meses desde que o juiz admita a acusação contra ele
> formulada no processo, determinando que ele seja submetido a julgamento pelo
> tribunal popular. De uma maneira geral, pode-se dizer que o tempo razoável é
> incompatível tanto com a espera indefinida de resolução da situação quanto
> com a possibilidade concreta de prescrição. Noutras palavras: ao acusado
> interessa ver sua situação jurídica definida o mais rápido possível; à
> sociedade que não haja impunidade e que a justiça seja feita em período
> próximo ao fato, contribuindo para a restauração do equilíbrio social
> rompido com o crime.
>
>
>
> Nossa legislação engloba mais de mil leis da área penal. A porcentagem de
> criminosos que estão na cadeia é menor que 1%. Em Minas Gerais temos
> superlotação carcerária em diversas cidades; sem contar os sérios problemas
> que afrontam os Direitos Humanos. No Poder Judiciário temos ausência de
> magistrados em algumas comarcas e falta de serventuários. Alguns Tribunais
> podem ser comparados a palácios suntuosos, por fora; por dentro funcionam
> como instituições da Idade Média. Diante do exposto, ao sr. questiono, em
> nome do povo: o que o cidadão comum tem a ganhar com a tão alardeada
> "reforma do CPP"?
>
>
>
> E.P.O. - A pergunta vem ou está na direção da resposta à primeira
> (pergunta). De fato, no Brasil gasta-se muito com o que importa pouco.
> Prédios luxuosos existem e são inteiramente dispensáveis. O orçamento seria
> muito mais produtivo se fosse destinado aos recursos humanos do Poder
> Judiciário, do Ministério Público e da Polícia, por exemplo. Tais
> instituições cometem os mesmos erros cometidos pelo Executivo e pelo
> Parlamento: direcionam recursos materiais para o desenvolvimento de
> atividade "meio", em desprestígio da atividade "fim". Obviamente, isso não
> ocorre em todas as instituições e nem em todos os momentos da vida pública,
> mas, não obstante, é fato comprovado em muitas situações. Para que tenhamos
> mais juízes, mais policiais e mais membros do Ministério Público, o que
> agilizaria a atuação de cada um deles, dependemos de leis, é verdade. No
> entanto, possibilitar um melhor desempenho dos que já atuam, com um mais
> adequado aparelhamento dos recursos necessários às respectivas atividades, é
> um imperativo da boa administração pública. Em relação às penitenciárias e
> às delegacias, o problema não é diferente do que ocorre nos hospitais e
> demais serviços públicos; a carência de recursos e de investimento é fato
> notório. O que a legislação penal pode fazer em relação a isso é diminuir os
> malefícios da intervenção penal, diminuindo a incidência de penas privativas
> da liberdade, que deveriam ser reservadas, em princípio, para crimes de
> maior gravidade, evitando-se a proliferação de prisões cautelares. A prisão,
> em si, é bastante problemática, gerando, por si só, violência e reprodução
> de violência. Por isso deve ser evitada o quanto possível. Os crimes para os
> quais a população brasileira exige punição, de modo geral, são crimes
> violentos e envolvendo a criminalidade econômica (colarinho branco,
> corrupção etc.). Para esses últimos, então, há unanimidade quanto aos
> efeitos deletérios na vida social (acumulação de riquezas e privatização dos
> bens públicos) e, por isso, devem merecer maiores cuidados na legislação.
>
>
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>
>
> O sr. tem dados de quanto custa ao país cada vez que param para fazer uma
> minirreforma como essa?
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>
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> R.I. - Numa democracia, não se deve medir o custo (e o benefício) das
> Instituições e Poderes públicos apenas com olhos voltados para a despesa,
> mas contabilizando-se os benefícios sociais para o aprimoramento da
> cidadania. A rigor, o custo da reforma está disseminado na manutenção do
> próprio Poder Legislativo – sua estrutura, pessoal etc. Quando uma reforma
> como essa é afinal aprovada e sancionada, a economia (de recursos) gerada
> para o funcionamento dos processos na Justiça soma-se ao benefício para os
> cidadãos que necessitam do Judiciário para a garantia de seus direitos.
>
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> A nova forma de conduta processual economizará quanto aos cofres do
> Judiciário?
>
>
>
> R.I. - Não há uniformidade de método ou consenso entre administradores e
> pesquisadores sobre o chamado custo-judiciário. Por intermédio do
> Judiciário, por exemplo, o Governo consegue reaver passivos fiscais
> importantes. O mesmo Judiciário que, noutras oportunidades, restitui ao
> cidadão tributos pagos indevidamente. De tal forma que o custo para
> manutenção de um Poder sempre poderá ser apreciado de maneira relativizada.
> Quanto à reforma do júri, especificamente, a concentração da instrução em
> audiência única, a restrição a formalidades estéreis e a adoção de novos
> mecanismos para evitar adiamento de julgamentos trarão economia de recursos,
> que poderão ser disponibilizados para a tramitação de outros feitos,
> tornando a administração da Justiça mais ágil. Isso não significa a solução
> dos problemas estruturais do Poder Judiciário, enfrentados por todos os
> Estados da Federação. Urge uma reforma mais ampla, legislativa e
> administrativa, que passa sobretudo pela capacitação e investimento em
> recursos humanos e melhor aproveitamento (eficiência) dos recursos físicos
> já disponíveis.
>
>
>
> A minirreforma do CPP – por ainda não ter sido testada na prática - talvez
> melhore os procedimentos para os que militam no Poder Judiciário. Visto que
> um sistema é feito da reunião de outros pequenos sistemas e que todos estão
> interligados, como a "reforma" pode afetar ou melhorar a vida do cidadão
> comum?
>
>
>
> R.I. - A lei processual se dirige imediatamente aos profissionais do
> Direito, ao contrário do que acontece, por exemplo, com as regras do Direito
> Penal. Sendo assim, a vida do cidadão comum nada ou pouco muda com a
> reforma. Porém, de maneira mediata, espera-se que com a melhor distribuição
> da Justiça o acesso dos cidadãos a tais serviços seja aperfeiçoado.
>
>
>
>
>
> Leis podem ser demagogas e não-práticas, em especial as novas; podem ainda
> exprimir a vontade do legislador, mas nem sempre condizem com os preceitos
> constitucionais. São as leis, pois, perfeitas no papel, já na prática...
> Enfim, o sr. aposta na eficácia das novas leis?, que elas, "no popular",
> serão aceitas?
>
>
>
> R.I. - Nosso país, se quiser afirmar-se como nação culta e próspera, precisa
> livrar-se da herança da colonização. É preciso superar a lógica do
> "jeitinho" e esquecer definitivamente a idéia de que "há leis que não
> pegam". No caso de leis processuais, de qualquer forma, não há muito espaço
> para infringi-las em vão, pois a conseqüência seria a declaração de nulidade
> dos processos – e desperdício do tempo e do dinheiro do cidadão. É
> fundamental que o Poder Judiciário assimile a mensagem do legislador e
> implemente mecanismos que tragam efetividade para as alterações almejadas,
> sobretudo estabelecendo prioridades em relação à persecução dos crimes
> dolosos contra a vida.
>
>
>
> Quais as críticas e elogios que o sr. tem a fazer sobre as mudanças no
> Tribunal do Júri, produção de provas e audiências?
>
>
>
> R.I. - As mudanças do Tribunal do Júri vieram em boa hora. Destacam-se
> positivamente a eliminação do protesto por novo júri, a previsão de hipótese
> de desaforamento para controle do tempo no processo e a simplificação da
> quesitação. De uma maneira ampla, pode-se dizer que o procedimento foi
> desburocratizado ao se tornar menos solene e simbólico. Quanto à produção de
> provas, digna de louvor a produção da prova testemunhal ser, agora, fruto do
> debate e da dialética das partes à luz do contraditório, exercendo o juiz
> "apenas" instrutória complementar e, fundamentalmente, fazendo o que dele se
> espera constitucionalmente: julgar. A lei poderia ter dado um passo além,
> afirmando essa posição do juiz como garantidor das liberdades fundamentais e
> impedindo iniciativa sua no campo das provas.
>
>
>
>
>
> PARTE TÉCNICA
>
>
>
> A "reforma" prevê a intimação da vítima acerca de atos como sentença,
> audiências, acórdãos. Embora isto seja um avanço, não seria o caso também de
> avisar quando eventualmente o promotor arquivar ou oferecer a denúncia
> criminal? Também não seria bom este procedimento na fase policial?
>
>
>
> Eugênio Pacelli de Oliveira - A ciência da vítima em relação tanto ao
> oferecimento da denúncia quanto da condenação e de outros atos é bem-vinda,
> na medida em que poderá estimular o exercício de uma maior fiscalização da
> sociedade aos poderes públicos envolvidos na persecução penal. E isso, em
> última análise, integra o rol de atributos da cidadania, até mesmo para que
> se possam perceber, mais de perto, as eventuais vantagens e desvantagens do
> sistema penal estatal. Acho, então, que a vítima, em alguns crimes, quando
> perfeitamente identificada, deve mesmo ser cientificada acerca das decisões
> emanadas da persecução penal, incluindo a atividade policial.
>
>
>
> Para valorizar a vítima, os crimes de furto também não deveriam ser ação
> penal condicionada à representação (queixa) como ocorre para a lesão
> corporal leve? Afinal, se a integridade corporal é disponível, não deveria
> haver o mesmo para a integridade patrimonial?
>
>
>
> Rodrigo Iennaco - É uma possibilidade e de certa forma um anseio de setor da
> doutrina. A questão se resolve no campo político-legislativo. Creio que
> qualquer reforma da legislação penal deveria pautar-se numa política
> criminal bem definida, mas ainda estamos distantes de alcançar seus
> parâmetros de maneira razoavelmente consensual. Estou convencido de que o
> Direito Penal deve ser democraticamente distribuído entre as camadas sociais
> de maneira mais justa, com maior repressão – inclusive com a privação da
> liberdade – dos criminosos "do colarinho branco", sonegadores, agentes
> políticos corruptos etc. Há necessidade urgente de superação, nesse campo,
> do mito da ressocialização.
>
>
>
> Não seria o caso de a legislação processual penal prever recurso contra
> qualquer decisão interlocutória no processo penal?
>
>
>
> R.I. - O Código de Processo Penal, tão criticado, descontada sua
> descaracterização pelo avanço da legislação extravagante e bem interpretado
> à luz da Constituição, funciona. Precisa avançar para se adequar aos tempos
> modernos, mas funciona da forma como foi idealizado. Uma das lógicas do
> processo penal é justamente a irrecorribilidade das interlocutórias, sendo
> que as questões normalmente se resolvem no próprio processo, em sede de
> nulidades e à luz do princípio da ampla defesa. Contaminar o processo penal,
> nesse aspecto, com a teoria geral do processo e com o tecnicismo artificial
> e pouco prático do processo civil e instalar a incerteza e dificultar ainda
> mais a administração da justiça criminal. O processo civil luta para se
> libertar das amarras da recorribilidade das interlocutórias restringindo a
> sistemática do agravo e o processo penal deve se nortear, neste aspecto,
> pela prática do processo e não por elucubrações teóricas que inviabilizaram,
> historicamente, o processo civil como instrumento idôneo à pacificação. Ao
> processo penal não satisfaz a resolução formal de litígios. Há um fundamento
> lógico e básico no processo penal: decidir de forma legítima, observado o
> devido processo penal, se o acusado é culpado ou inocente.
>
>
>
> A Lei 11.690/08 prevê assistência psicológica, jurídica e à saúde da vítima,
> mas apenas na fase judicial, já que afirma categoricamente que cabe ao juiz
> encaminhar, mas quanto aos mais de 90% de crimes que nem viram processo por
> falta de conhecimento da autoria ou outros fatores, não seria o caso de se
> estender este benefício a todas as vítimas?
>
>
>
> E.P.O. - A meu aviso, esse é um dispositivo sem maiores repercussões
> práticas. Nosso sistema de atendimento às vítimas de crimes, incluindo de
> violência doméstica, não pode gozar de primazia em relação aos demais
> necessitados, que, a seu turno, se não são vítimas de crimes, podem ser
> vítimas da fatalidade, do destino, do acaso, enfim, mas, em todo caso, são
> portadores de necessidades de atendimento pelos órgãos do Estado. Espero,
> mesmo, que o Estado possa desempenhar a função ali mencionada. Não acredito
> nisso, a julgar pelo fato de que - para ficarmos apenas no âmbito penal -
> sequer a Lei de Execuções Penais é rigorosamente cumprida no Brasil.
>
>
>
> O art. 156 da Lei 11.690 permite que o juiz produza provas contra o réu.
> Isto não viola o princípio acusatório (princípio do contraditório)? Afinal,
> o ônus da prova para condenar não seria do MP?
>
>
>
> E.P.O. - Não só viola o sistema acusatório, como incentiva uma cultura que
> deve ser superada no Brasil. O juiz criminal não deve ocupar função de
> proeminência na persecução penal. Existe um órgão específico para cuidar
> disso (o MP), no que é auxiliado suficientemente pela Polícia, indevidamente
> denominada "Judiciária". A Polícia atua com o Ministério Público e não com o
> Judiciário. O juiz deve ser o juiz das liberdades públicas, isto é, deve
> atuar preservando as garantias individuais, antes da decisão final, e
> aplicando o Direito Penal, quando for o caso, no exercício, então, de função
> tipicamente jurisdicional. Questões relativas à qualidade da prova, para
> fins de condenação e de acusação, não dizem respeito ao juiz, ao menos no
> que se refere à produção dela (prova). Jurisdição não é investigação e não é
> acusação. Tampouco é defesa, mas, sim, o julgamento de uma questão penal
> segundo o Direito válido.
>
>
>
> No caso do crime de júri, permitir ao juiz que desclassifique para crime
> mais grave na pronúncia - por exemplo, de homicídio simples ou lesão
> corporal seguida de morte para homicídio qualificado - sem ouvir as partes
> não viola o princípio da ampla defesa e sistema acusatório, ao retornar ao
> processo inquisitório?
>
>
>
> E.P.O. - Penso que a regra da definição jurídica diferente no Júri, por
> ocasião da pronúncia, nada tem de inconstitucional. A pronúncia é juízo de
> mera admissibilidade, feita por um técnico (juiz) para esclarecimento de um
> leigo (o jurado). A decisão se refere a um fato narrado, e sobre ele a
> defesa deve lançar todas as luzes que entender pertinentes, incluindo, por
> óbvio, a sua definição jurídica, independentemente da qualificação dada pelo
> Ministério Público. Mais. A decisão se submete a recurso e, por isso, pode
> permitir ampla argumentação, incluindo a do Ministério Público, que pode
> concordar com a defesa. Baixar os autos para nova manifestação, antes da
> pronúncia, é simplesmente antecipar uma decisão já tomada, ainda que sem a
> explicitação escrita dos motivos. Uma correção: não caberá a modificação de
> lesão corporal para homicídio, no âmbito do procedimento do Júri. Referida
> desclassificação, quando ocorrer, deverá ser feita no juízo singular, para o
> qual deve ser encaminhada a denúncia ou queixa pela prática de crime não
> doloso contra a vida.
>
>
>
>
>
> Para valorizar a vítima, os crimes de furto também não deveriam ser ação
> penal condicionada à representação (queixa) como ocorre para a lesão
> corporal leve? Afinal, se a integridade corporal é disponível, não deveria
> haver o mesmo para a integridade patrimonial?
>
>
>
> R.I - É uma possibilidade e de certa forma um anseio de setor da doutrina.
> A questão se resolve no campo político-legislativo. Creio que qualquer
> reforma da legislação penal deveria pautar-se numa política criminal bem
> definida, mas ainda estamos distantes de alcançar seus parâmetros de maneira
> razoavelmente consensual. Estou convencido de que o Direito Penal deve ser
> democraticamente distribuído entre as camadas sociais de maneira mais justa,
> com maior repressão – inclusive com a privação da liberdade – dos criminosos
> "do colarinho branco", sonegadores, agentes políticos corruptos etc. Há
> necessidade urgente de superação, nesse campo, do mito da ressocialização.
>
>
>
> Não seria o caso de a legislação processual penal prever recurso contra
> qualquer decisão interlocutória no processo penal?
>
>
>
> R.I. - O Código de Processo Penal, tão criticado, descontada sua
> descaracterização pelo avanço da legislação extravagante e bem interpretado
> à luz da Constituição, funciona. Precisa avançar para se adequar aos tempos
> modernos, mas funciona da forma como foi idealizado. Uma das lógicas do
> processo penal é justamente a irrecorribilidade das interlocutórias, sendo
> que as questões normalmente se resolvem no próprio processo, em sede de
> nulidades e à luz do princípio da ampla defesa. Contaminar o processo penal,
> nesse aspecto, com a teoria geral do processo e com o tecnicismo artificial
> e pouco prático do processo civil e instalar a incerteza e dificultar ainda
> mais a administração da justiça criminal. O processo civil luta para se
> libertar das amarras da recorribilidade das interlocutórias restringindo a
> sistemática do agravo e o processo penal deve se nortear, neste aspecto,
> pela prática do processo e não por elucubrações teóricas que inviabilizaram,
> historicamente, o processo civil como instrumento idôneo à pacificação. Ao
> processo penal não satisfaz a resolução formal de litígios. Há um fundamento
> lógico e básico no processo penal: decidir de forma legítima, observado o
> devido processo penal, se o acusado é culpado ou inocente.

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