sexta-feira, 27 de junho de 2008

Briga de marido e mulher: é hora de meter a colher

"É preciso apagar da nossa sociedade o ditado ‘em briga de marido e mulher ninguém mete a colher’". A frase do juiz do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro Sandro Pitthan Espindola, vice-presidente do Fórum Permanente de Violência Doméstica, Familiar e de Gênero da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (Emerj), sintetiza o objetivo do "I Seminário de Sensibilização das Polícias Militar e Civil, Corpo de Bombeiros e Guarda Municipal sobre a Lei Maria da Penha", realizado em 19 de junho, no Fórum da cidade.



Promovido em comemoração ao primeiro ano de instalação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, o seminário reuniu promotores, defensores, juízes e autoridades das forças de segurança, que destacaram o papel fundamental dos agentes de segurança pública – sejam policiais civis, militares, bombeiros ou guardas municipais – no cumprimento da Lei Maria da Penha, que defende as mulheres vítimas de violência doméstica.



A Lei Maria da Penha prevê que, diante de uma denúncia de violência contra a mulher, a autoridade policial tome certas providências, como a prisão em flagrante do agressor, o recolhimento de armas ou instrumentos utilizados na agressão, a condução da vítima a um serviço de saúde e o seu encaminhamento a uma unidade da Polícia Civil para o registro da ocorrência. Além disso, a lei garante uma série de medidas protetivas que podem ser colocadas em prática de acordo com a necessidade.



Para a presidente do Fórum Permanente, juíza Adriana Ramos de Mello, todos os poderes devem intervir para a real aplicação dos direitos previstos na Lei Maria da Penha. Ela afirma que há dois juizados especiais funcionando no Rio – um deles já com oito mil processos – e que mais dois serão instalados, e destacou a importância da atuação dos agentes de segurança em casos de violência doméstica.



“A mulher agredida precisa ser bem tratada pela polícia para que continue a denunciar. Ao ir à delegacia ela já rompeu uma barreira. Os guardas devem entender que não se trata de uma simples briga de marido e mulher, mas de um crime”, disse. E defendeu a realização de seminários menores dentro das instituições policiais para estimular a sensibilização dos profissionais.



Polícia Civil melhora atendimento a vítimas



Segundo o chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro, Gilberto Ribeiro, a corporação vem criando condições para atender melhor as vítimas de violência doméstica onde não há delegacia especializada, mas disse ser difícil aferir os atendimentos. “Os órgãos de Justiça devem informar a Polícia Civil sobre casos de mau atendimento”, sugeriu.



A delegada Inamara Costa, coordenadora das delegacias especializadas de Atendimento às Mulheres, observa que a violência contra a mulher sempre existiu dentro de um contexto histórico cultural discriminatório, e que ela causa prejuízos para os filhos, que reproduzem um comportamento negativo.



A seu ver, o que mudou em relação aos anos 70 e 80 é que antes era o movimento feminista que pedia políticas públicas. “Vinte e dois anos após a criação da primeira delegacia da mulher, estamos fazendo história. Os gestores públicos estão sensíveis e conscientes de que o problema é social, de saúde pública e de segurança pública. O maior desafio das autoridades é desenvolver políticas de inteligência e integração”, constata.



Inamara afirma que a Polícia Civil está preocupada em capacitar policiais de todas as unidades, padronizar os atendimentos, encaminhar as mulheres para a saúde pública e divulgar a lei para homens e mulheres. Para ela, o mais importante da Lei Maria da Penha são as medidas protetivas para que as mulheres possam sair da situação de violência em que se encontram. E deixou uma mensagem aos policiais: “Tenham certeza da importância do seu trabalho ao atender uma mulher vítima da violência doméstica. Uma pequena ameaça pode se tornar um homicídio.”



Banalização da violência gera impunidade



Leila Linhares, coordenadora-executiva da ONG Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação (Cepia), explicou que a violência nos espaços públicos, mais visível, atinge mais aos homens, enquanto a violência nos espaços privados e domicílios tem como maiores vítimas mulheres, crianças e idosos. “Por se tratar de âmbito familiar, os agressores não são vistos como criminosos. Os profissionais da segurança pública são treinados para lidar com a criminalidade comum, urbana”, disse.



Segundo a advogada, há casos de violência doméstica em camadas de alta e de baixa renda, mas as vítimas das classes mais baixas são as mais vulneráveis, por serem muitas vezes mais dependentes dos seus agressores financeira e emocionalmente. “Um conjunto de situações negativas impedem o acesso dessas mulheres aos direitos da cidadania. Elas temem ser privadas de seus filhos. São nervosas, deprimidas e estressadas, às vezes nem conseguem contar de forma coerente o que aconteceu”, afirma.



De acordo com Leila, a banalização da violência e a indiferença dos órgãos públicos resultam num alto índice de impunidade. Ela defendeu que a política de segurança pública voltada para os espaços privados seja integral e articulada, para que as mulheres recebam um atendimento global, com emprego, creche para os filhos e filhas, instrução. “Não adianta haver lei se ela não encontra eco nas instituições que tem por missão deter a criminalidade”, afirmou.



Segundo Leila, o policial deve ter uma boa escuta para entender qual medida a vítima mais precisa, porque o inquérito pode demorar, mas as medidas protetivas devem ser executadas imediatamente. “Que isso esteja claro para todo profissional de segurança pública. O PM, o guarda municipal e o bombeiro na rua devem conhecer e providenciar as medidas legais cabíveis. A garantia de proteção policial pode ser uma garantia de vida”, enfatizou.



O juiz Sandro Pitthan Espindola disse que a função da polícia foi valorizada e que a carga de responsabilidade é grande. Ele recomendou que se tenha cuidado especial com o registro e a coleta de dados em casos de violência doméstica porque é quando se dá o pontapé inicial das medidas, como a determinação do afastamento do agressor do lar ou a proibição de sua aproximação da mulher ou da família. “O norte do atendimento é a aplicação das medidas de proteção para resgatar a família em situação de violência doméstica”, disse.



A defensora Arlanza Maria Rebello, do Núcleo Especial de Defesa dos Direitos da Mulher Vítima de Violência (Nudem), lembrou que, ao fazer uma denúncia, a mulher percorre diversas instituições, o que é muito doloroso para ela. Segundo Arlanza, a nova lei “procura suavizar essa caminhada, diminuindo os passos”.



Ela enfatizou a importância do trabalho policial no local do crime. “Não se lida com o local como quando há um roubo. A casa pode ter janelas e objetos quebrados, armas usadas, facas, barras de ferro ou de madeira. O material deve ser recolhido e levado ao juiz”, instruiu.



‘Defensora dos homens’ faz alerta a policiais agressores



A “defensora dos homens” Simone Estrellita explicou que, por ser “a casa da cidadania”, a defensoria pública preocupa-se também com a defesa do homem agressor. Ela contou que já defendeu todo tipo de réu, "desde o mais miserável até os que têm condição cultural e financeira avantajada".



Simone demonstrou sua preocupação com denúncias feitas contra profissionais de segurança, já que uma das medidas protetivas da lei Maria da Penha prevê a supressão ou a restrição à posse de arma. Segundo a lei, se o agressor é membro de alguma força de segurança e tem porte de arma, o seu superior deverá ser notificado e a instituição deve se responsabilizar pela retirada da arma.



“Como atua e se defende um policial sem arma? E se ele usar outra arma, poderá ser preso por porte ilegal, fazendo com que corra o risco de perder o cargo. É importante conscientizar os membros das corporações policiais como efeito preventivo”, disse.



A juíza Adriana Ramos de Mello acrescentou que, muitas vezes, quando o agressor é policial e se identifica, a arma não é apreendida, mas deveria, assim como pedaços de pau, panelas ou qualquer objeto que tenha sido usado para agredir a mulher, que devem ser periciados.



Para o promotor Celso de Andrade Loureiro, as medidas protetivas podem ter conseqüências mais graves que a própria pena. “A pena para lesão leve é de três meses a três anos ou a prestação de serviços à comunidade. Já as medidas protetivas prevêem o afastamento do lar e a proibição de ver os filhos, o que pode ser mais dramático”, colocou.



A superintendente dos Direitos da Mulher do Estado do Rio de Janeiro, Cecília Soares, contou que o Conselho Estadual dos Direitos da Mulher (Cedim) realizou um seminário sobre reeducação e reabilitação dos homens agressores para estimular os homens a repensar suas atitudes e posições. Ele disse que serão distribuídos banners com as medidas protetivas em todas as delegacias. Sobre a mesa composta por defensoras dos dois lados do conflito e promotor, ela observou que, apesar dos posicionamentos opostos, há um objetivo comum: o fim da violência doméstica contra mulheres.


Comunidade Segura.

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