A firma tinha de defender um criminoso contumaz em uma cidade distante. Definitivamente, não valia a pena enviar qualquer peso-pesado do escritório para um caso perdido. Assim, a firma designou um advogado novo, recém-contratato, para o trabalho, com a recomendação de que garantisse ao cliente a melhor defesa possível. Mas o advogado era profissionalmente brilhante e conseguiu a absolvição do réu. Entusiasmado, enviou um e-mailpara o chefe, dizendo: "Justiça foi feita". Ao que recebeu a resposta: "Recorra imediatamente".
Essa é só uma velha piada, mas serve para ilustrar o problema da "técnica da repetição", muito usada por bons advogados no tribunal do Júri. A técnica ensina que, em um julgamento, a informação mais relevante tem de ser forçosamente repetida e repetida. Os jurados só conseguem fixar na memória um fato, uma prova ou um argumento depois que forem repetidos por pelo menos três vezes. Isso faz com que essa técnica e as piadas tenham um problema em comum: "a repetição é chata", diz o advogado e professor de Direito Elliott Wilcox, editor do site TrialTheather.
"É um paradoxo", diz o professor. "Como pode uma coisa chata ser boa?", ele pergunta. E sugere: experimente ler isso:
"A repetição faz com que os jurados não se esqueçam de informações relevantes". "A repetição faz com que os jurados não se esqueçam de informações relevantes". "A repetição faz com que os jurados não se esqueçam de informações relevantes".
Segundo o professor, por mais competente que seja o advogado em sua sustentação oral ou em todas as suas intervenções em um julgamento, ele precisa se assegurar de que, de alguma forma, os jurados vão ter em mente os fatos mais relevantes que apresentou, quando forem deliberar sobre o caso. Isso pode ser feito de diversas maneiras. Uma é a repetição, como faz qualquer bom professor, recapitulando os pontos mais importantes da aula, ou qualquer estudante que quer memorizar a lei de Newton ou um enunciado matemático.
Qualquer argumento feito de forma criativa pode ajudar a fixar uma ideia na mente dos jurados. Tal como o professor que ensina o axioma do matemático Giuseppe Peano, segundo o qual "a ordem dos fatores não altera o produto", fornecendo aos estudantes a versão de que "a ordem dos tratores não altera o viaduto", é sempre possível tornar uma declaração inesquecível, de diversas formas.
No caso da repetição, também é preciso exercer a criatividade, diz Wilcox, para retirar dela a chatice. Para isso, ele tem três sugestões.
A primeira é apresentar os argumentos (ou fatos) de forma diferente, a cada vez. Repetir a mesma coisa, da mesma forma, chega a dar sono, como contar carneirinhos, ele diz. Por exemplo, um ponto pode ser apresentado de forma oral, em uma vez, de uma forma demonstrativa (como com a apresentação de um vídeo), outra vez, e na forma de uma exibição física, outra vez.
A segunda é melhorar a versão da história a cada vez que ela é repetida. O advogado deve começar com uma versão mais simples e aumentar a sua força nas seguintes, para não perder a audiência. Por exemplo, em vez de apresentar todos os elementos de uma vez, pode fazê-lo por etapas. Começar com um testemunho verbal, voltar ao assunto depois com fotos ou vídeos e, na próxima oportunidade, fazer uma exibição demonstrativa.
É a mesma coisa que apresentar descrições em capítulos: uma abertura curta e contundente na primeira oportunidade, um relato mais detalhado na segunda, e uma análise, também contundente, para finalizar. Os "capítulos" devem, no entanto, ser separados por um "desvio de assunto" ou de procedimento — se não, a apresentação dos fatos se torna uma enorme, quem sabe cansativa, descrição. Cada "história" deve aumentar em intensidade. Para o professor, isso pode ser um tanto difícil, mas é possível ser feito com boa preparação.
A terceira exige ainda mais criatividade e, principalmente, preparação: é preciso manter a "história" interessante para não perder audiência. "O advogado pode repetir informações o dia todo se conseguir manter o interesse dos jurados", diz Wilcox. Ele sugere que os advogados examinem a série de filmes de Rocky Balboa. A história é sempre a mesma — e bem fraquinha, por sinal: ele tem de enfrentar adversários imbatíveis. Mas as montagens das sequências de treinamento, com músicas excepcionais para a prática de exercícios físicos, segundo o gosto popular, garantiram o sucesso de bilheteria. "À exceção de Rocky V, que foi bem ruinzinho", ele comenta.
O melhor exemplo de histórias repetitivas bem-sucedidas, em sua opinião, é a série do espião James Bond. "O público não só não se importa com a repetição, mas a desfruta, porque cada nova versão é tão ou mais interessante que a anterior." Os jurados são como o público de cinema ou de televisão: uma vez que a repetição é interessante, eles darão toda a atenção ao advogado, ele garante.
A importância da repetição é indiscutível, porque se os jurados se esquecerem de um ponto crítico do caso, o resultado pode ser ruim. Mas se o advogado não consegue torná-la interessante e corre o risco de perder a atenção dos jurados, é melhor não usar esse recurso, porque todo seu trabalho pode ficar prejudicado. Entretanto, a boa preparação recompensa, quando os jurados partem para a deliberação com "ideias" favoráveis bem fixadas em suas mentes.
João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.
Revista Consultor Jurídico, 18 de julho de 2012
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