segunda-feira, 16 de julho de 2012

Lei de Lavagem de Dinheiro é um passo à frente


No ano de 2002, a ONU realizou em Palermo, Sicília, Itália, um grande encontro destinado a promover a cooperação para prevenir e combater mais eficazmente a criminalidade organizada transnacional. Dele originou-se uma Convenção que, no artigo 7º, estabeleceu medidas para o combate à lavagem de dinheiro, disciplinando o que deveria fazer cada Estado aderente.

Lavagem de dinheiro é a aplicação de bens ou valores de origem ilícita na economia formal, dando-lhe assim aparência lícita. Por exemplo, um servidor público corrupto pode aplicar o dinheiro obtido ilicitamente na criação e compra e venda de gado. Nesta atividade, formalmente correta, poderá justificar o aumento de seu patrimônio.
Vale aqui lembrar que “para disfarçar os lucros ilícitos sem comprometer os envolvidos, a lavagem de dinheiro realiza-se por meio de um processo dinâmico que requer: primeiro, o distanciamento dos fundos de sua origem, evitando uma associação direta deles com o crime; segundo, o disfarce de suas várias movimentações para dificultar o rastreamento desses recursos; e terceiro, a disponibilização do dinheiro novamente para os criminosos depois de ter sido suficientemente movimentado no ciclo de lavagem e poder ser considerado "limpo", de acordo com o Coaf (clique aqui para ler).
No Brasil, em 1998, foi editada a Lei 9.613, com o propósito de combater a lavagem de dinheiro, também conhecida como “branqueamento de capitais”. Porém, sua redação conservadora dificultava a efetividade. Por tal motivo, foi editada a Lei 12.683, de 9.7.2012, alterando diversos dispositivos da lei antiga, com o propósito de adequá-la à realidade e dar-lhe meios de alcançar os infratores.
O primeiro — e certamente mais importante aspecto da lei nova — foi eliminar a necessidade de rol de crimes antecedentes. Na Lei 9.613/98 só havia lavagem de dinheiro se a dissimulação fosse decorrente da prática de um dos crimes previstos na redação antiga do artigo 1º. Por exemplo, tráfico de entorpecentes. Agora não. Qualquer que seja a infração penal, portanto crime ou contravenção anterior, o lucro auferido e empregado em outras atividades poderá ser crime de lavagem de dinheiro.
A mudança não é teórica e é fácil exemplificar. Banqueiros do “jogo do bicho”, ao empregar seu capital em atividades comerciais (p. ex., churrascarias) não podiam ser acusados de lavagem de dinheiro, porque o antecedente era uma contravenção (Lei das Contravenções Penais, artigo 58) e não um crime. Com a nova redação dada ao artigo 1º, podem ser responsabilizados.
A pena prevista é rigorosa, 3 a 10 anos de reclusão e multa. O tipo penal consiste em “Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal.” E os parágrafos do artigo 1º alcançam todos que colaborem para o branqueamento do capital. Por exemplo, quem: “I — utiliza, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores provenientes de infração penal.” Aí, p. ex., pode ser enquadrado o sócio de um servidor público corrupto que, com ele, explora atividade comercial.
Mas a lei não fica só na repressão. A nova redação do artigo 10 ampliou o rol de pessoas físicas ou jurídicas obrigadas a adotar medidas preventivas à lavagem de dinheiro.
Por exemplo, um corretor de imóveis que faça a intermediação de negócio que, segundo orientações das autoridades competentes, possa constituir sério indício de crime de lavagem de dinheiro ou com ele relacionar-se, está obrigado a comunicar a transação ao Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), sob pena de severas sanções administrativas que, no grau máximo, poderão chegar ao cancelamento da sua atividade (artigos 9º, inciso X, 11, inciso II e 12, parágrafo 4º da Lei 9.613/98).
No âmbito processual, um novo dispositivo foi introduzido sob o número 4º-A, permitindo a alienação antecipada de bens apreendidos para a preservação de seu valor. Levados a leilão, preferencialmente eletrônico, terão que atingir valor mínimo equivalente a 75% da avaliação. A quantia ofertada será depositada em conta judicial e seu destino será decidido após o trânsito em julgado. Devolvida ao acusado, se absolvido, recolhida aos cofres do Estado, se condenado. Acaba-se com o grave problema de Fóruns e Delegacias com bens apreendidos amontoados que se deterioram, aguardando o trânsito em julgado da sentença.
O artigo 17-B agora existente também é de relevância prática. Por ele a Autoridade Policial e o agente do Ministério Público podem dirigir-se diretamente a instituições (p. ex. companhia telefônica), requisitando dados cadastrais do investigado (p. ex., endereço). Outrora estes órgãos exigiam ordem judicial, levando a investigação a um emaranhado burocrático que em muito contribuía para o insucesso.
O artigo17-D, ora introduzido, é dos mais polêmicos, pois dispõe que: “Em caso de indiciamento de servidor público, este será afastado, sem prejuízo de remuneração e demais direitos previstos em lei, até que o juiz competente autorize, em decisão fundamentada, o seu retorno”. O afastamento preventivo não fere a presunção de inocência, é medida cautelar prevista nos Estatutos dos Servidores Públicos (v.g., Lei 8.112/90, artigo 147). Além disto, o indiciado poderá sempre ingressar em Juízo.
A inovação legal visa pôr fim à usual prática de permanecer o servidor acusado exercendo suas funções anos a fio, até que termine a ação penal ou o processo administrativo, passando à sociedade a mensagem de que o crime compensa.
Como se vê, as alterações da Lei de Lavagem de Dinheiro são um avanço na tentativa de coibir a prática da criminalidade mais sofisticada, que na verdade é a mais nociva ao Estado e à sociedade. Mas para que ela seja efetiva, é preciso que se prepare a Polícia Judiciária para as suas novas funções e que o Judiciário, principalmente o estadual, especialize varas em crimes contra a ordem econômica.
É de todo evidente a crescente incredulidade da sociedade nas instituições públicas. Por exemplo, não há quem entenda como um servidor público, filmado recebendo dinheiro, prossiga nas suas funções e possa alegar nulidade da prova por violação da privacidade. Este descrédito põe em risco a crença na democracia.
No quadro atual, a nova redação da Lei de Lavagem de Dinheiro é um passo à frente dado pelo Congresso. Avança Brasil.
Vladimir Passos de Freitas é desembargador federal aposentado do TRF 4ª Região, onde foi presidente, e professor doutor de Direito Ambiental da PUC-PR.
Revista Consultor Jurídico, 15 de julho de 2012

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