Adolescentes internados nos Centro de Atendimento Socioeducativo de Lages (Case), município de Santa Catarina, denunciaram às juízas auxiliares do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e coordenadoras do Programa Justiça ao Jovem, Cristiana Cordeiro e Joelci Diniz, que sofrem maus tratos dos agentes socioeducadores daquela unidade. As magistradas visitaram o estabelecimento, que abriga jovens internados provisoriamente que já foram condenados a essa medida, nesta quarta-feira (25/7).
O Programa Justiça ao Jovem foi criado pelo CNJ para traçar um diagnóstico do sistema socioeducativo brasileiro. Em julho de 2010, equipes do Conselho visitaram as unidades de internação catarinenses e constataram uma série de problemas, que vão da estrutura física inadequada à denúncia de tortura.
As coordenadoras do Programa Justiça ao Jovem chegaram a Santa Catarina na última segunda-feira (23/7) para verificar as medidas adotadas pelo Executivo e o Judiciário locais para sanar as deficiências então identificadas. A agenda de Cristiana e Joelci englobou um encontro com os magistrados da Coordenadoria da Infância e Juventude; uma reunião com a secretária Estadual de Justiça e Cidadania, Ada de Luca; e visitas a unidades de internação de Florianópolis, Blumenau e Lages.
Queixas – No Case de Lages, as magistradas foram surpreendidas com as denúncias de maus tratos. A unidade conta com duas construções – uma destinada a jovens internados provisoriamente e outra para aqueles já sentenciados à medida de internação. As queixas foram registradas nos dois estabelecimentos. “Eles (os monitores) falaram que iriam quebrar minhas pernas”, denunciou Carlos*, interno que acabou de completar 18 anos.
Mateus*, de 17 anos, afirmou que já apanhou duas vezes. “Aconteceu comigo duas vezes. Da última, tentei fugir. Fiz errado. Mas eles também não precisam agir assim. Eles deveriam ser educadores”, desabafou. Andrea Amarante, psicóloga da instituição, contou que os adolescentes agredidos passaram por exame de corpo de delito e registraram a ocorrência. O caso foi encaminhado ao Departamento de Atendimento Socioeducativo (Dease), ao Ministério Público e ao Judiciário catarinense para apuração.
No final de junho, a unidade sofreu com uma rebelião. De acordo com os adolescentes, o motim ocorreu justamente em razão dos maus tratos. Nessa ocasião, eles pensaram que um dos jovens estava sendo espancado por um dos agentes e começaram a depredar a entidade.
Esclarecimentos – Joelci Diniz disse que encaminhará um ofício à Secretaria de Estado de Justiça e Cidadania e para o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) para solicitar providências e a apuração dos fatos relatados. “Recebemos muitas denuncias, algo generalizado. Queremos uma resposta”, afirmou a juíza auxiliar do CNJ.
O Case de Lages foi construído em 1985. É uma unidade antiga que, portanto, não atende as especificações do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), cuja lei foi entrou em vigor no início de abril. “Predomina aqui a cultura da tranca”, constatou Joelci, referindo-se principalmente à ala destinada aos adolescentes considerados mais perigosos. Eles ficam isolados, cada um em um quarto fechado por uma espessa porta de ferro.
Alexandre Karazawa Takaschima, juiz auxiliar da Corregedoria-Geral de Justiça de Santa Catarina, que cuida da área da infância e juventude, contou que a primeira unidade nos padrões do Sinase em Santa Catarina será a de Joinville. A construção do novo estabelecimento está prevista para terminar em dois meses.
Sobre as denúncias de maus tratos, o juiz afirmou que a Corregedoria deverá criar um setor específico para receber e acompanhar os relatos. “Vamos reestruturar a Corregedoria. Um dos meus pedidos foi implantar uma Ouvidoria para receber as denúncias, sejam elas anônimas, por email ou telefone”, afirmou.
Distância – Muitos adolescentes internados no Case de Lages não pertencem à região. Por isso, outra forte reclamação dos adolescentes foi a ausência dos familiares, que deixam de visitá-los em razão da distância e custos envolvidos. “Estou internado desde janeiro. Nesse tempo, só vi minha mulher três vezes e meu filho de um ano e dois meses, apenas uma vez”, queixou-se Daniel, de 18 anos.
A falta de atividades profissionalizantes também foi outra crítica. Os jovens passam a maior parte do tempo vendo TV ou ficam dentro dos alojamentos. Outros passam horas dobrando papel para produzir as “marrecas” – esculturas feitas de origami. Felipe e João, irmãos internados por latrocínio, afirmaram que aprenderam a arte com outros internos. “Minha mãe vai ficar feliz”, disse Felipe sobre o Cisne que fizera para presentear a mãe durante o dia que esta for visitá-lo.
*Nomes fictícios
Giselle Souza
Agência CNJ de Notícias
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