“Existiu e existe um grande número de pessoas
para as quais o motivo da consciência ou obrigação
moral é supremo. Não há nada na constituição da natureza
humana que impeça que assim seja para toda a humanidade."
John Stuart Mill (1833)
Quando Alcides de Almeida Ferrari se aposentou, aos 67 anos, desembargador que fora, admitido no serviço público através do primeiro concurso oficial para juízes realizado no estado de São Paulo, todos lastimaram que tão fulgurante inteligência não quisesse voltar aos foros, agora não mais como juiz, mas sim como advogado.
O aposentado desembargador recusou todos os convites que lhe fizeram, inclusive o de seu filho, Luiz Geraldo Conceição Ferrari, que dirigia conhecido, respeitado e operoso escritório de advocacia. Alcides, meu avô, acreditava que tendo granjeado extraordinária reputação e saber de jurista às custas do exercício do seu emprego público, inicialmente como juiz nas mais distantes comarcas do interior, chegando finalmente à São Paulo para o Tribunal de Justiça, somado ao fato de ter adquirido sólidas amizades em meio dos desembargadores, os quais presidiu em meados dos anos 50, tudo isso determinava sua inabalável decisão de afastar-se das lides de maneira absoluta.
Sua consciência ética falou mais alto que outras conveniências. No entanto, tendo constituído família grande, a ela devotou seus gloriosos anos que lhe restavam, para gáudio de seus 7 filhos e de seus 32 netos, até sua morte em 1969.
Morreu sem casa própria.
Evoco a figura impar de meu avô materno como meu símbolo inspirador no intuito de propor um debate, no seio da sociedade civil, que vise a recriação de limites éticos já esquecidos para aqueles que desempenham ou desempenharam funções públicas de alta relevância, bem como aos advogados em geral.
Antes que eu analise a presença significativa do ex-ministro Márcio Thomaz Bastos ao lado de Carlos Cachoeira a lhe dizer que calar-se é legal, permitam-me enfocar, inicialmente, nossa própria Ordem dos Advogados do Brasil.
Penso que a honrosa função de presidente da OAB, nacional e seccional, deva ser entregue a advogado sênior, já afamado pelas causas de que participou, e que queira , como gesto de vontade, coroar sua carreira com tal galardão. Poderá assim enobrecer-se a si mesmo e simultaneamente devolver ao Estado, à Justiça e à classe que representa um pouco de sua experiência para o melhoramento das relações cliente-advogado–juiz-promotor em busca de melhor dar-a-cada-um-o–que-é–seu. Creio que o objetivo desse meu sonhado presidente ao disputar as eleições da classe não deva ser mais do que isso como defini.
Essa figura ideal de presidente que suponho existir deverá afastar-se efetivamente de seu escritório a fim de não contaminar sua atividade pública com sua até então atividade privada — a de advogado. Dessa maneira, evitará toda tentativa de assédio de clientes em potencial, envolvidos em casos de extremo valor. Claro está que tal cliente não quer contratar ele — o advogado — mas sim o todo poderoso presidente da OAB.
Voltemos a Cachoeira. Da mesma forma, a extraordinária relevância do cargo exercido pelo ex-ministro da Justiça, seu total conhecimento da máquina federal e de seus atores, — alguns seus ex-funcionários subalternos —, as informações secretas que há pouco conhecera, tudo transforma esse advogado em turbinado advogado, cuja presença faz tremelicar a delicada balança da Justiça. Fora ele contratado pelo talento de advogado que certamente tem, ou, como no exemplo acima,foi o ex-ministro quem foi contratado?
Pergunta-me uma amiga de outra área do saber se o que fez o advogado Márcio Thomaz Bastos é legal? Digo que sim, mas sinto na minha ilustrada interlocutora a persistência da dúvida : se é legal, talvez não seja ético ?
É isso, pois, o que entendo que a sociedade precisará definir: contornos éticos e morais das atividades dos profissionais do Direito, dos ministros, dos ex-ministros, dos magistrados e suas atividades paralelas, dos ex- magistrados, dos promotores e suas atividades paralelas, dos ex-promotores , dos dirigentes de classe e, principalmente, dos próprios advogados.
Advogados já são centenas de milhares. Talvez por isso, — pela sua extraordinária quantidade e competição —, arrefeceram, injustificadamente, os limites ético-sociais da profissão na luta penosa pelo pão nosso de cada dia.
Mas, espere, não me refiro à necessidade de mais leis. Refiro-me sim à reconstrução dos mandamentos éticos que foram sendo esquecidos por todos nós ao longo dos anos. Chega de leis.
Roberto Ferrari de Ulhôa Cintra é doutor em Direito pela USP, com especialização na New York University e na Harvard University, e autor do livro “A Pirâmide da Solução dos Conflitos”, editado pelo Senado Federal.
Revista Consultor Jurídico, 23 de julho de 2012
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