quinta-feira, 26 de julho de 2012

Justiça obriga juiz a escolher entre STF e magistério


Para qualquer juiz, ser nomeado assessor de gabinete de um ministro do Supremo Tribunal Federal é uma grande honra, mas pode atrapalhar. Atrapalhou, por exemplo, as atividades acadêmicas do juiz federal Sérgio Fernando Moro, da 2ª Vara Federal Criminal de Curitiba. No início do ano, ele foi designado assessor da ministra Rosa Maria Weber, o que o levou a brigar com a Universidade Federal do Paraná e levar o caso à Justiça Federal da 4ª Região.
Moro é professor de Processo Penal da Faculdade de Direito da UFPR e tem contrato que o obriga a trabalhar 20 horas por semana e ministrar pelo menos oito horas-aula semanais. Inicialmente, o juiz fora requisitado para trabalhar no STF duante o primeiro semestre de 2012. Conseguiu trocar, informalmente, os horários com outros professores da faculdade e se comprometeu a repor as aulas não dadas em sábados no segundo semestre.
Só que o desempenho de Moro como assessor o fez ser requisitado por mais seis meses, até o fim deste ano. Foi aí que começou a briga. Como precisa passar a semana em Brasília, o juiz pediu à Faculdade de Direito da UFPR que o liberasse por mais seis meses, se comprometendo a dar três aulas ininterruptas às sextas-feiras — quando a corte permite folga.
O pedido foi indeferido pelo Departamento de Direito Penal e Processo Penal. Moro recorreu, então, à administração da faculdade, e ouviu outro “não”. O colégio de professores disse que a proposta de Moro agride as normas internas da Faculdade de Direito, pois não pode haver mais de duas aulas consecutivas da mesma matéria. Moro recorreu. E perdeu de novo.
Dessa vez, a direção propôs uma solução: que o Supremo Tribunal Federal apresentasse uma requisição à faculdade, especificando os dias em que precisaria do juiz assessor e em quais dias ele estaria livre para lecionar. E aí quem disse “não” foi Moro. “Desde logo, informo que, com todo o respeito, não pretendo acatar a solução proposta. A bem da verdade, cumpre admitir que não se trata de verdadeira ‘solução’, já que me obriga, de um modo ou de outro modo, a afastar-me sem necessidade da sala de aula, o que já havia adiantado que não faria”, rebateu, no processo.
Privilégio da instituição
Ao se negar a acatar a solução, o juiz acusa seus colegas de irresponsabilidade. Impossibilitar que um juiz assessor de ministro do Supremo dê aula na faculdade, segundo ele, impede o “posterior compartilhamento dessa experiência com o quadro docente e discente”.

“Só, com todo o respeito, o medíocre poderia entender que a possibilidade do subscritor [Sérgio Moro] em auxiliar o Supremo em casos da espécie não atende o interesse público, ou que essa experiência não tem qualquer relevância para a Faculdade de Direito”, ensinou Moro. Sua dispensa pela faculdade, para ele, é uma “ofensa ao interesse público do ensino”.
Mas a faculdade rebateu. Disse que 80% de seu quadro de professores é formado por doutores, um “requisito mínimo”. Em informações prestadas à Justiça Federal, a faculdade lamentou que Moro tenha desprendido tanta energia para não deixar o quadro de docentes, mas não para aumentar sua produção científica.
A direção do Direito da UFPR estranhou o fato de o juiz se autorreferir como “magistrado professor”. Isso porque o próprio declarara que sua “produção jurídica mais relevante consiste em suas decisões judiciais”, o que não é permitido pela plataforma Lattes — assim como não é permitido aos advogados registrar petições e peças processuais como produção científíca.
Liberdade e finanças
Sérgio Moro afirma também que a decisão da faculdade ofende sua “liberdade de cátedra”. A faculdade desconfia do argumento. Isso porque o cargo de professor ocupado pelo juiz é de caráter estatutário, que deve dar aulas conforme for determinado pela direção da instituição. Ou seja: é dever do docente dar, no mínimo, oito horas-aula por semana. E a remuneração dos professores é baseada nas horas-aula que lhes são incumbidas.

Aí está a raiz do descontentamento de Moro, segundo a UFPR. Para ele exercer plenamente suas funções de juiz assessor, deve, por conta de sua situação contratual, se licenciar do magistério. E abrir mão dos vencimentos.
Os diretores da faculdade, no entanto, ignoram as explicações de seu funcionário. O juiz federal afirmou “poder passar muito bem sem a reduzida remuneração” de professor, já que dá aulas “por amor à função”.
Boa-vontade
Depois de toda a discussão com os patrões, Moro levou o caso à Justiça Federal de Curitiba. Ajuizou Mandado de Segurança para que seu pedido de dar três aulas seguidas fosse atendido. Lá também não conseguiu.

A juíza Claudia Cristina Cristofani, da 5ª Vara Federal da capital paranaense, entendeu que a negativa da faculdade em atender as exigências de Moro não ofendeu direito algum do colega juiz. “A decisão está baseada em norma pré-existente, obedeceu trâmites formais adequados e, não estando a violar direito líquido e certo, goza, como ato administrativo que é, de presunção de legitimidade”, afirmou.
No entendimento da juíza, Moro obteve “informação incompleta” sobre o que a tomada de decisão pela faculdade envolveu. “Na verdade, o colegiado, no semestre passado, permitiu o adiamento de parte das aulas, o que evidencia boa-vontade, contrapartida que o impetrante, dadas as mudanças fáticas, não está apto a satisfazer.”
Sem prejuízo
Moro recorreu ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Lá, a desembargadora Maria Lúcia Luz Leiria, relatora do caso, afirmou que o recurso não poderia ser aceito por “não verificar a presença da relevância dos fundamentos deduzidos pela parte agravante”.

Ela também negou as alegações de Moro sobre a falta que ele faria à faculdade. “Destaco, ainda, que de acordo com os elementos dos autos, o deferimento de licença para assuntos particulares não geraria qualquer prejuízo à Universidade, uma vez que o Departamento de Direito Penal e Processo Penal conta com mais três docentes a quem poderiam ser transferidas as suas aulas.”
Procurado pela ConJur, Moro preferiu não comentar o caso. Disse que o que teria a dizer já havia sido alegado nos autos. Também não respondeu se pretende ou não recorrer da decisão.
Clique aqui para ler a decisão da Vara Federal de Curitiba.
Clique aqui para ler o acórdão do TRF-4.
Pedro Canário é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 25 de julho de 2012

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