Especialistas indicam planejamento financeiro para evitar dificuldades.
Estratégia também deve levar em conta o tempo para a nomeação.
Ser aprovado em um concurso não é uma tarefa fácil. Os candidatos precisam estudar muitas horas por dia e abrir mão do lazer e de outras atividades para conseguir a tão sonhada vaga pública. Para aumentar as chances de aprovação, alguns candidatos estão optando pela dedicação exclusiva aos estudos – e isso inclui até deixar o emprego.
Depois de trabalhar por 9 anos como gerente em um banco no Rio de Janeiro, Flávio Segundo da Silva, de 32 anos, deixou o emprego para se dedicar aos concursos. Até conseguir passar foram 2 anos e meio de estudo. Ele foi aprovado no último concurso do Departamento Geral de Ações Socioeducativas (Novo Degase) para o cargo de agente socioeducativo, realizado neste ano, e aguarda a nomeação.
“Tive que enfrentar meu próprio orgulho de homem, já que eu não estava mais mantendo a casa. Minha esposa me incentivou muito. Fiquei 2 anos apenas estudando, sem passar em nenhum concurso. Fazia todos os outros porque eu tinha que trabalhar”, lembra. Entre os órgãos que ele prestou estão Ministério do Trabalho e Emprego e Ministério Público da União.
Formado em educação física pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), ele deixou a área de lado para tentar vagas públicas no setor de segurança. Na internet, ele buscou aprovados que tinham deixado o emprego para estudar e conselhos com especialistas da área.
Apesar das dificuldades, Silva acredita que foi recompensado por todo seu esforço. “Valeu a pena porque eu conquistei mais do que um concurso, conquistei autoconfiança e dei orgulho para a minha família.”Em 2010, quando decidiu sair do emprego, Silva começou seu planejamento reduzindo os gastos com roupas, restaurantes e viagens. Ele também conversou com a esposa e com os pais para avisar sua decisão e informar que talvez poderia precisar de ajuda. “Sabia que ia passar aperto e precisei ter o consentimento da família antes de fazer tudo isso. Usei o dinheiro da rescisão para cursos e outras despesas. Foram 2 anos sem viagens, sem bons restaurantes, sem festinhas de família e sem saídas com a esposa”, conta.
Menos lazer
Para se tornar funcionário público, o professor de educação física Filipe Daniel Lessa de Oliveira, de 24 anos, saiu do emprego, trancou o último ano da faculdade e ficou 6 meses sem trabalhar até tomar posse. “Fiz diversos estágios, mas fiquei chateado porque a área não era valorizada. Foi quando decidi estudar para passar em um concurso”, conta. Ele deixou a empresa no início de 2011 e foi aprovado no concurso da Prefeitura de São Paulo em agosto do mesmo ano.
Oliveira se formou na licenciatura, que permite que ele dê aulas em escolas, e saiu da empresa de seguros em que trabalhou por 2 anos. “O emprego não tinha nada a ver com educação física e isso contribuiu para a minha decisão. Eu não tinha planejado, agi no impulso e contei com a ajuda dos meus pais e da minha namorada”, diz.
Ele utilizou o dinheiro da rescisão contratual para quitar dívidas antigas e pagava suas despesas com o seguro-desemprego. A economia veio com o corte dos gastos com lazer e com o cartão de crédito. Shopping, cinema e academia tiveram que ficar de lado. “O que mais pesa na hora de economizar é deixar de fazer as coisas que você mais gosta.”
Oliveira se dedicou exclusivamente aos estudos por mais de 2 meses com um curso preparatório e complementava o aprendizado em casa. Ele passou em 77º lugar para o cargo de professor de educação física. O concurso teve mais de 7 mil candidatos.
“Eu acho que valeu a pena porque eu passei, caso fosse o contrário eu estaria lamentando”, ressalta. No final do ano, ele se forma no bacharelado.
Mudança na rotina
Lia Salgado, colunista do G1, também deixou o trabalho para se preparar para concursos. Depois de conciliar o trabalho, a casa e os estudos por 2 anos, ela decidiu se dedicar apenas à preparação depois de três tentativas frustradas. “Quando sofri a terceira reprovação, o impacto foi tão grande que eu desisti do projeto. Poucos meses depois, voltei aos estudos e decidi fazer um investimento total. Encolhi o orçamento familiar ao máximo, assumi os riscos, parei de trabalhar e passei a estudar 10 horas por dia”.
Para se dedicar apenas aos estudos por 1 ano, a especialista alterou a rotina da família. Com quatro filhos, dois foram para escolas públicas e dois para colégios mais baratos, e todos se mudaram para o apartamento de sua avó para deixar de pagar aluguel. As roupas para crianças vinham de doações, e lazer somente com atrações gratuitas. Contas como condomínio e IPTU só foram quitadas após a aprovação.
“O dinheiro era apenas para a alimentação, contando com a ajuda dos meus pais. Eu chegava na biblioteca da Universidade Federal Fluminense (UFF) às 8h30 e ficava até as 20h. E almoçava no bandejão da faculdade”, lembra.
Lia assumiu como fiscal de rendas do Rio de Janeiro em julho de 2003 e começou a colocar as contas em dia. “Fiz a lista das dívidas e fui quitando uma a uma. Eu tinha vencido, afinal!”
VEJA 10 DICAS PARA PLANEJAR AS FINANÇAS ANTES DE DEIXAR O EMPREGO PARA ESTUDAR
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1 - Determine como será o projeto de preparação e por quanto tempo será necessário estudar antes de deixar o emprego
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2 - Faça um planejamento prévio com previsões de gastos para não ser surpreendido no futuro
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3 - Analise as despesas recorrentes e eventuais para saber o quanto é gasto por mês
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4 - Determine por quanto tempo é possível se manter se trabalhar ou sem uma renda fixa
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5 - Com o orçamento mensal determine o valor correspondente as despesas que será reservado para a poupança
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6 - Se possível, guarde uma quantia de reserva todos os meses para emergências
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7 - Corte gastos com compras e enxugue o orçamento para conseguir manter a poupança
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8 - Invista o dinheiro em instrumentos de renda fixa como poupança, CDB e fundos DI
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9 - Evite usar modalidades de crédito que tenham altas taxas de juros, como o cartão de crédito e o cheque especial
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10 - Quando precisar peça ajuda para a família e amigos para fugir das taxas de juros dos bancos
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‘Planejamento é a palavra-chave’
Para Liao Yu Chieh, professor de finanças do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), os candidatos devem criar uma estratégia financeira para não serem surpreendidos no meio do caminho. “Planejamento é a palavra-chave desse processo. A primeira coisa a ser feita é olhar isso como um projeto para mudar os rumos da carreira e depois determinar a duração estimada e como ele deve se preparar para o período sem remuneração.”
“As pessoas devem ver o que podem sacrificar para fazer esse pé de meia e avaliar qual preço estão dispostos a pagar para seguir nesse projeto”, diz Nelson de Souza, professor de finanças do Ibmec.
O primeiro passo para começar é analisar quais são as despesas recorrentes como aluguel, alimentação, contas de luz, água, entre outras, e quais as despesas eventuais. A partir daí é possível determinar uma média do que é gasto durante o mês, e os candidatos podem calcular quanto dinheiro vão precisar para se manter enquanto apenas estudam.
De acordo com Paulo Estrella, diretor da Academia do Concurso, uma boa opção é não deixar o trabalho logo quando resolver tentar um concurso público. “O candidato pode fazer isso quando já estiver encaminhado na preparação para não ter uma pressão financeira muito grande nas costas ao longo da preparação. O planejamento é tudo nesse mercado, o candidato tem que planejar melhor o estudo terá o melhor custo-benefício”, indica.
Para não se enrolar, os candidatos devem cortar gastos e passar longe do cartão de crédito, do cheque especial e do financiamento. Segundo Lia Salgado, é preciso ter cuidado para adotar uma estratégia que realmente funcione e não tenha o efeito inverso. “Ele não pode iniciar uma contagem regressiva de tempo e dinheiro, causando enorme pressão e comprometendo os resultados”, diz.
Segundo Chieh é impossível não correr riscos, mas os candidatos devem fazer de tudo para reduzi-los. “Mesmo fazendo tudo isso, ainda existe o risco de ele não passar e sem fazer isso a consequência pode ser muito maior.”
Caso a aprovação não aconteça, os especialistas indicam que os candidatos revisem seus planos e vejam se eles podem continuar apenas estudando e se isso não for possível, é preciso podem voltar ao trabalho para se capitalizar novamente e se preparar para um novo concurso. “É importante saber lidar com a frustração e seguir estudando”, ressalta Lia.
Pâmela Kometani. Do G1, em São Paulo
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