O princípio da insignificância informa que não devem ser punidos crimes que causam lesões sem importância a bens e interesses sociais protegidos por lei. Para os que defendem esse princípio, o direito penal deve ter aplicação restritiva, não se ocupando de bagatelas.
O descaminho é crime previsto no artigo 334 do Código Penal. Ele consiste em deixar de pagar imposto devido por importação, exportação ou consumo de mercadoria. A conduta ocorre com frequência entre pessoas que chegam do exterior e tentam driblar a fiscalização da Receita para evitar o pagamento do imposto.
A possibilidade de emprego do princípio da insignificância nas hipóteses de descaminho há tempos é objeto de controvérsia entre a Quinta e a Sexta Turma do STJ, órgãos colegiados que integram a Terceira Seção do Tribunal.
A Sexta Turma entende que é possível adotar o princípio quando há descaminho. O fundamento é que o artigo 20 da Lei n. 10.522/02 permite o arquivamento dos autos dos processos de execução fiscal por débitos iguais ou inferiores a R$ 10 mil.
Se a administração fazendária considera esse valor insignificante para efeito de promover execução contra o devedor do tributo, entendem os defensores desse posicionamento que não há razão para o direito penal considerar o mesmo montante para fins de responsabilização criminal de quem praticou descaminho. Essa posição é a adotada atualmente no Supremo Tribunal Federal (STF).
Com compreensão diferente, a Quinta Turma afasta a possibilidade de utilizar o dispositivo (artigo 20 da Lei n. 10.522/02) como parâmetro para aplicação da bagatela. Para os ministros desse colegiado, essa norma apenas permite que o procurador da Fazenda Nacional, por razões de falta de capacidade do Estado de cobrar dívidas, arquive as execuções fiscais com valor igual ou menor que R$ 10 mil. Esse arquivamento, no entanto, não significa baixa na distribuição das execuções nem a extinção do crédito tributário (valor devido pelo contribuinte). Tanto que a Fazenda Nacional pode cobrar o crédito posteriormente ao arquivamento desde que o somatório das dívidas do contribuinte ultrapasse R$ 10 mil.
No julgamento do recurso do MPF, foi exatamente esse último posicionamento que prevaleceu. A relatora do caso na Terceira Turma, ministra Laurita Vaz, defendeu a tese de que o melhor parâmetro para afastar a relevância penal do crime de descaminho é o atualmente utilizado pela Fazenda para extinguir débitos fiscais, previsto no artigo 18, parágrafo 1º, da Lei n. 10.522/2002. Esse dispositivo determina o cancelamento de dívida tributária igual ou inferior a R$ 100.
Em razão das diferentes opiniões existente no STJ, a votação na Terceira Seção, colegiado que tem a atribuição de dirimir divergências interpretativas entre as turmas do Tribunal, foi apertada: cinco a quatro. Apesar disso, o entendimento da impossibilidade de aplicação do princípio da insignificância quando o valor do descaminho for maior que R$ 100 é o que será adotado pela Seção como paradigma para o julgamento de casos semelhantes.
No julgamento que dirimiu a divergência, o colegiado acolheu o recurso do MPF que contestava decisão anterior da Sexta Turma do STJ em sentido contrário. O caso concreto referia-se a uma comerciante de Goiás acusada de prática de descaminho. Informações constantes dos autos do processo dão conta de que ela teria introduzido ilegalmente no Brasil 644 pacotes de cigarro e 12 litros de uísque, mercadorias provenientes do Paraguai avaliadas, à época, em R$ 6,9 mil. A comerciante já possui duas condenações por crimes da mesma espécie.
Fonte: STJ
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