sexta-feira, 26 de junho de 2009

Prisões: o problema varrido para debaixo do tapete

A Constituição de 1988 já vigorava há quatro anos, garantindo a dignidade humana, quando as imagens da chacina do Carandiru e seus 111 mortos correram o mundo, enchendo o Brasil de vergonha. Lição para nunca mais se repetir? Nada. O sistema prisional brasileiro mantém-se como mau exemplo internacional.

Em 2004, por recomendação da Organização dos Estados Americanos (OEA), foi fechada a Polinter, no Rio, que tinha capacidade para 150 detentos, mas abrigava 430. Em 2006, em São Paulo, rebeliões coordenadas em diversos presídios paulistas chamaram atenção para a superlotação, problema que voltou a ser notícia este ano, quando o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária pediu intervenção federal no Espírito Santo, onde presos habitavam contêineres.

Nos últimos dias, reportagem de O Globo denunciou a superlotação dos quatro centros de detenção provisória em São Paulo: construídos para 2.056 pessoas, abrigam hoje 5.057 presos - 146% a mais do que a capacidade. Os centros estão localizados na Zona Oeste da capital.

O tema da mesa redonda realizada na Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (Emerj) em 17 de junho era “Política criminal e penitenciária no Brasil: onde avançamos?”, mas a sensação que ficou é que se avançou muito pouco.

Os casos emblemáticos foram lembrados pelo advogado Taiguara Souza, do Instituto de Defensores de Direitos Humanos (IDDH), que apresentou dados preocupantes: a população carcerária brasileira aumentou 282% em 12 anos, sendo a oitava maior do mundo e a maior da América Latina. No Brasil, em 2007, havia 227 presos para cada 100 mil habitantes. A média da América Latina é de 165,5 presos por 100 mil pessoas.

"O sistema penitenciário passa por crise de legitimidade muito grande, com tortura e condições degradantes, insalubridade, superlotação. A ressocialização prevista não é cumprida. A regra é a violação sistemática das garantias. O Estado se iguala aos criminosos quando não garante seus próprios andamentos", afirmou Souza, que é supervisor do programa Balcão de Direitos da Universidade Federal do Rio de Janeiro e a Secretaria Especial de Direitos Humanos.

De acordo com o advogado, 60% da população carcerária cometeram crimes patrimoniais leves e tráfico de entorpecentes e 70% são reincidentes, “empurrados para a condição permanente da criminalidade”. São, segundo Souza, pessoas de baixa renda que não conseguiram se inserir no mercado. Ele lembrou ainda que 46,6% dos jovens brasileiros estão em situação de desemprego.

“Uma sociedade excludente vai gerar mais e mais criminosos. Atribuir às polícias a solução desse problema é uma injustiça muito grande. Prisão jamais foi a solução. Penas cada vez mais severas não atacam a origem do problema. O cárcere não é uma possibilidade democrática de solução. É varrer o problema para debaixo do tapete”, disse.

Para o advogado, as respostas não virão do Estado penal, mas de investimentos em políticas públicas de emprego, saúde, educação, moradia e controle social democrático. Segundo ele, iniciativas de penas alternativas, justiça restaurativa e mediação de conflitos feitas na Europa são promissoras para o Brasil.

Um exemplo positivo citado por Souza é o projeto implantado em 2008 na 52a DP em Nova Iguaçu pelo delegado Orlando Zaccone. Através do projeto Carceragem Cidadã, os presos recebem as assistências previstas na Lei de Execução Penal - educacional, cultural, jurídica, de saúde, odontológica. O delegado criou ainda uma campanha pelo voto do preso. “Nunca mais houve rebelião e a reincidência caiu”, contou o advogado.

O professor Sergio do Rego Macedo, presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Criminologia chamou atenção para o fato de 43% dos presos no Brasil estarem em prisão provisória. “Prisão preventiva é ilegal, só deve ser decretada em estado excepcionalíssimo, de necessidade absolutamente fundamentada”, frisou. Macedo lembrou ainda dos presos que já cumpriram suas penas, mas não foram soltos.

“A criminologia sugere a redução das penas privativas em pelo menos 80% em todos os países”, disse, e acrescentou argumentos econômicos à redução das prisões: “Cada preso custa caríssimo. Prover reeducação seria muito mais barato.”

Estado penal

Para Macedo, prisão em que os presos não estudam nem trabalham é medieval. “O sistema penitenciário brasileiro é uma afronta à Constituição Federal, que diz que a dignidade humana deve ser prevalente em relação à formação do estado democrático de direito. Não pode existir pena cruel e nem tortura. Há prisões onde o indivíduo não tem onde deitar. Tortura é crime hediondo”, comparou.

De acordo com Macedo, o Estado de polícia não pode se expandir para além do Estado de direito. “O Estado de polícia tem que ser policiado. Quanto menor ele for, mais significa o bom o funcionamento do estado de direito”, concluiu.

Taiguara Souza destacou que a Constituição de 1988 trouxe inovações significativas, pois a dignidade da pessoa humana passou a ser o epicentro do ordenamento jurídico. “Princípios viraram normas e ganharam ares de lei, mas mesmo assim o ideário do regime militar se mantém. A busca da segurança toma lugar da busca da liberdade”, ponderou.

Para ele, o controle tem sido mais importante que as políticas públicas e as respostas são buscadas a partir da ótica exclusiva da dimensão penal. "O controle social no lugar de políticas públicas é enxugar gelo", disse, lembrando que, segundo relatório da Unicef, o Complexo do Alemão tem 180 mil moradores, um único posto de saúde, duas escolas e nenhuma creche.

Ele acrescentou que o Judiciário também se distancia da realidade social. Exemplos são a discussão sobre redução da maioridade penal, as prisões de alta segurança e os julgamentos por videoconferência, em que o juiz não precisa mais estar próximo ao réu. “O juiz precisa sentir o cheiro do réu, dizia Evandro Lins e Silva”, citou Souza. Ele criticou ainda o monitoramento eletrônico de apenados, "que é interessante para esvaziar os cárceres, mas amplia o poder punitivo".


Comunidade Segura.

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