quinta-feira, 18 de junho de 2009

Escola é dominada por preconceitos, revela pesquisa

Onde há mais hostilidade, desempenho em avaliação é pior; deficientes e negros são principais vítimas.

O preconceito e a discriminação estão fortemente presentes entre estudantes, pais, professores, diretores e funcionários das escolas brasileiras. As que mais sofrem com esse tipo de manifestação são as pessoas com deficiência, principalmente mental, seguidas de negros e pardos. Além disso, pela primeira vez, foi comprovada uma correlação entre atitudes preconceituosas e o desempenho na Prova Brasil, mostrando que as notas são mais baixas onde há maior hostilidade ao corpo docente da escola.

Esses dados fazem parte de um estudo inédito realizado em 501 escolas com 18.599 estudantes, pais e mães, professores e funcionários da rede pública de todos os Estados do País. A principal conclusão foi de que 99,3% dos entrevistados têm algum tipo de preconceito e que mais de 80% gostariam de manter algum nível de distanciamento social de portadores de necessidades especiais, homossexuais, pobres e negros. Do total, 96,5% têm preconceito em relação a pessoas com deficiência e 94,2% na questão racial.

"A pesquisa mostra que o preconceito não é isolado. A sociedade é preconceituosa, logo a escola também será. Esses preconceitos são tão amplos e profundos que quase caracterizam a nossa cultura", afirma o responsável pela pesquisa, o economista José Afonso Mazzon, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP (FEA). Ele fez o levantamento a pedido do Inep e da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, órgãos do Ministério da Educação (MEC).

Segundo Daniel Ximenez, diretor de estudos e acompanhamento da secretaria, os resultados vão embasar projetos que possam combater preconceitos levados para a escola - e que ela não consegue desconstruir, acabando por alimentá-los. "É possível pensarmos em cursos específicos para a equipe escolar. Mas são ações que demoram para ter resultados efetivos."

BULLYING

A pesquisa mostrou também que pelo menos 10% dos alunos relataram ter conhecimento de situações em que alunos, professores ou funcionários foram humilhados, agredidos ou acusados injustamente apenas por fazer parte de algum grupo social discriminado, ações conhecidas como bullying. A maior parte (19%) foi motivada pelo fato de o aluno ser negro. Em segundo lugar (18,2%) aparecem os pobres e depois a homossexualidade (17,4%). No caso dos professores, o bullying é mais associado ao fato de ser idoso (8,9%). Entre funcionários, o maior fator para ser vítima de algum tipo de violência - verbal ou física - é a pobreza (7,9%).

Nas escolas onde as agressões são mais intensas, o desempenho na Prova Brasil é menor. "É lamentável e preocupante verificar que isso ocorre, mas os dados servem como alerta para que a escola possa refletir e agir para modificar esse cenário", diz Anna Helena Altenfelder, educadora do Cenpec. "As pessoas não são preconceituosas por natureza. O preconceito é construído nas relações sociais. Isso pode ser modificado."

Homens e religiosos discriminam mais


Além do preconceito generalizado que aparece entre todos os atores escolares, a pesquisa feita pela Faculdade de Economia e Administração da USP aponta algumas características que influenciam nas diferenças de preconceito dos alunos. O principal dado mostra que os homens são mais preconceituosos e discriminadores do que as mulheres. Por exemplo, homens têm 9% mais preconceitos contra negros, 8% mais preconceito contra portadores de deficiências e 7,7% mais preconceito contra pobres.

Outro fator relevante estatisticamente é a participação religiosa. Estudantes que afirmaram ter uma participação religiosa forte são mais preconceituosos em geral e têm 2,2% mais preconceitos contra mulheres, 2,1% contra gerações e 6,1% contra homossexuais. "É interessante analisar detalhadamente por que a religião torna os jovens mais preconceituosos", afirma o autor da pesquisa, José Afonso Mazzon.

Na outra ponta, o acesso à mídia (jornais, televisão, livros) contribui para que o preconceito diminua. Em geral, estudantes bem informados se mostraram menos preconceituosos. "A pesquisa é muito importante e mostra como só com o aumento da inclusão, com a presença desses atores discriminados na escola, vamos conseguir combater esse preconceito", analisa Cláudia Werneck, fundadora da Escola de Gente.

Estudo foi feito com amostragem populacional

A pesquisa foi feita por meio de questionários aplicado a alunos da 7.ª e 8.ª série do ensino fundamental, do 3.º ano do ensino médio, do ensino de jovens e adultos (EJA) e de pais, professores, funcionários e diretores. Para selecionar os entrevistados, foi calculada uma amostra representativa da população escolar brasileira da rede pública. Para cada frase colocada, eles deviam dizer se concordavam muito ou pouco ou se discordavam muito ou pouco dela.

Aluno com atraso mental é torturado

Socos, tapas, pontapés, enforcamento com o moletom e maquiagem feminina. Esses eram alguns tipos de maus-tratos que o jovem L., de 15 anos, aluno da 7ª série de uma escola municipal na zona oeste de São Paulo, sofria. Com um atraso no desenvolvimento intelectual diagnosticado nos primeiros anos de vida, o adolescente passou a ser vítima sistemática de bullying desde o início do ano letivo.

Com isso, L. perde temporariamente parte da autonomia para as tarefas cotidianas que adquiriu ao longo dos anos, como tomar banho e se vestir sozinho. Mesmo desconfiados de que algo ia mal na escola, já que o filho não contava, os pais só tiveram a certeza do bullying quando amigas do colégio bateram à porta do comércio do pai.

"O que me descreveram foram cenas de tortura dentro da escola, como fazer do moletom uma corda, enrolar no pescoço e puxar até ele ficar roxo", conta o comerciante Haroldo, de 51 anos, pai do adolescente. "Quando ele estava estressado, elas o protegiam." Antes do relato das amigas, o pai havia tentado conversar em abril com o diretor da escola. Diz não ter sido atendido em cinco tentativas. Em uma delas, o filho voltou do colégio com maquiagem no rosto e fita no cabelo.

Depois que tiveram a certeza do bullying, os pais decidiram levar o caso à Diretoria Regional de Educação, onde formalizaram uma queixa. Por determinação da diretoria, o Centro de Formação e Acompanhamento à Inclusão passou a atuar no caso e designou uma estagiária para acompanhar o jovem.

O diretor da escola afirma que "todas as providências cabíveis foram tomadas", citando como exemplo o estagiário que acompanha o jovem na classe. "Sempre que o pai me procurou foi atendido. Tomei as providências dos fatos que chegaram ao nosso conhecimento", afirmou ele, concluindo ser a favor da inclusão.


Fonte: Estadão de Hoje / Vida &. Quinta-Feira, 18 de Junho de 2009.

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