Preso de novo, Popovic agora tem companhia: Ivan Varomic, seu colega de movimento estudantil, também foi pego ao distribuir folhetos “subversivos” no centro da cidade, atividade extremamente perigosa na cidade de Grbac.
A cena se passa numa imaginária ex-república soviética, e Popovic e Varomic não passam de personagens de um jogo de computador. Feitos de bytes e bits, eles não deixam, no entanto, de ter sua relação com o mundo físico, pois são inspirados em personagens reais de um planeta onde governos opressivos e violações aos direitos humanos não são brincadeira de criança.
Lançado há dois anos, o jogo de estratégia A Force More Powerful (AFMP) nasceu da demanda do Centro Internacional sobre Conflito Não-Violento (ICNC) e da York Zimmermann Inc por uma ferramenta de treinamento em ação não-violenta. Único em sua proposta, o jogo tem despertado o interesse não só de ativistas, mas também de aficcionados por jogos, devido a seu pioneirismo.
No jogo, os personagens encarnam líderes de movimentos civis e se engajam em lutas por direitos humanos, liberdades civis, paz e outros objetivos humanitários, utilizando táticas consagradas da doutrina de não-violência. É o mundo real simulado no virtual.
Ivan Varomic é um exemplo claro dessa simulação: seu nome é um anagrama de Ivan Marovic, um dos fundadores do movimento estudantil sérvio Otpor! (Resistência!), que no início da década ficou conhecido pela oposição não-violenta ao regime de Slobodan Milosevic. Marovic, além de ativista, é também o desenvolvedor do jogo.
“Me juntei à equipe quando o trabalho já havia começado, trazendo comigo uma experiência do mundo real”, conta Marovic, que se define como um nerd de computador, aficcionado por jogos. “Espera-se que o jogo ensine o jogador a conduzir um movimento, então acho que fizemos a mistura perfeita”, diz ele, referindo-se ao propósito educativo da iniciativa.
Ferramenta de treinamento
O próprio site do jogo faz a indagação: “Pode um jogo de computador ajudar as pessoas a aprender a derrotar ditadores, invasores militares e governantes corruptos, não com raios laser e fuzis de assalto, mas com estratégia e armas não-violentas?”.
“A Force More Powerful foi feito para ajudar as pessoas a entender o papel que a ação não-violenta pode ter em várias lutas por direitos, justiça, liberdade e responsabilidade por todo o mundo. E está alcançando esses objetivos, pois tem sido utilizado por uma audiência diversificada – ativistas, educadores, acadêmicos, jornalistas, membros de ONGs e formuladores de políticas”, afirma Hardy Merriman, Conselheiro Senior do ICNC.
Um exemplo que Merriman menciona é o de professores que têm aproveitado o jogo em suas aulas nas universidades. Eles dizem que os alunos gostam porque “aprendem fazendo”. “O barato do jogo é que as pessoas realmente fazem alguma coisa. Concebem e testam suas próprias estratégias, refletem sobre os resultados, aprendem, e depois testam novas estratégias”, diz.
Entretenimento sim!
Para Marovic, o jogo também tem um grande potencial de entretenimento. “Temos recebido alguns feedbacks no sentido de melhorar algumas coisas, mas as pessoas se animam a jogar, pois é algo diferente”, afirma. “A resposta que estamos recebendo é de que o jogo é instigante e difícil de dominar”, completa Merriman.
O jogo vem com 12 cenários diferentes – além de uma ferramenta para o usuário criar seus próprios cenários –, cada um com situações, objetivos e complexidade diferentes. Em um deles, o jogador controla uma associação de estudantes universitários que luta para acabar com a corrupção em sua cidade.
Em outro, um grupo de veteranos deve lutar pelo fim de uma longa guerra que tem destruído a economia do país. Já em “The weight of tradition” (O peso da tradição), o jogador deve se opor ao separatismo étnico do governo sem, no entanto, deixá-lo cair sob os golpes de um violento grupo terrorista.
Como funciona?
No início das “batalhas” políticas, os recursos – humanos e materiais - do regime superam em muito os do jogador. Assim, faz-se necessário cuidadoso planejamento antes de ir à luta. Para isso, o jogo oferece uma ferramenta para o jogador analisar a situação, pontos fortes e fracos do inimigo, priorizar objetivos e definir cursos de ação. Ignorar essa fase significa derrota certa, como a primeira tentativa do Comunidade Segura pôde demonstrar (leia mais sobre a experiência aqui).
Para atingir seus objetivos, o jogador deve fortalecer seu movimento – criando uma imagem pública e recrutando novos membros – e, ao mesmo tempo, enfraquecer o regime, seja através da cooptação de pessoas e grupos, ou de ataque direto.
O jogo se desenvolve por meio de execução de táticas. São dezenas de ações, em sua maioria extraída da bibliografia de Gene Sharp sobre intervenção não-violenta. São divididas em ações de ataque (piquetes, vigílias, greves, ocupação de prédios públicos); de comunicação (panfletagem, jornais); de fortalecimento (recrutamentos); e de defesa.
Um jogo inovador
Ivan Marovic orgulha-se de ter participado do desenvolvimento de um jogo inovador. “É muito difícil apontar uma influência direta, pois é o primeiro jogo desse tipo”, afirma. A maioria dos jogos de estratégia são ou violentos, ou funcionam em uma escala fora da realidade das pessoas, com um espírito de conquistar o mundo.
“Acho que a maior diferença é que no nosso caso, o objetivo é ganhar as pessoas, persuadi-las; é uma dinâmica totalmente diferente”, compara. Em março de 2006, quando o Force foi lançado, outros títulos que chegaram ao mercado tinham conteúdo violento.
Apesar da inevitável comparação, Merriman considera que não se deve encarar o jogo como um concorrente dos jogos violentos. “Esses jogos existem para propósitos recreativos. AFMP foi criado para ensinar habilidades reais, e atrai uma audiência educacional. Talvez seja mais adequado chamá-lo de simulação em vez de um jogo”, pondera.
Comunidade Segura.
Nenhum comentário:
Postar um comentário