sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Brinquedos ou modelos?




O Dia das Crianças está chegando e um desafio se coloca para os adultos: que brinquedos comprar?

Nas prateleiras, os gêneros são bem divididos. De um lado, bonecos armados, veículos de guerra, espadas e pistolas, cores militares. De outro, fileiras de bonecas louras, panelinhas, fogões e estojos de maquiagem, tudo muito rosa. No meio, empilhados sem muito apelo visual, os jogos educativos.

O cenário de uma loja de brinquedos suscita reflexões. Por que meninos são associados à violência armada e meninas ao culto à beleza e à dedicação doméstica? Que conseqüências isso tem? Existem alternativas? Ou é tudo muito natural e não devemos nos preocupar?

"O buraco é mais embaixo", afirma a professora Edda Bomtempo, do Instituto de Psicologia da USP. Para ela, o problema da violência está nas famílias e nas ruas. "É isso que faz mal. A brincadeira é só uma forma de a criança elaborar o que está sentindo e extravasar o que está incomodando", diz a especialista, que é membro do Conselho Consultivo da Fundação Abrinq.

Para Irene Rizzini, diretora do Centro Internacional de Estudos e Pesquisas sobre a Infância (Ciespi), há controvérsias sobre se os brinquedos bélicos, assim como alguns programas de TV, ajudariam a aparelhar as crianças para os dias de hoje ou se seriam prejudiciais à sua formação. Ela sugere que haja sempre a intermediação de um adulto para sinalizar a violência e a crueldade e trabalhar referências éticas e morais para que a criança não interprete as informações por conta própria, com distorções.

Professora do Departamento de Serviço Social da PUC-Rio, Irene diz que é impossível impedir que as crianças tenham acesso a esse tipo de brinquedo ou informação, e destaca a co-responsabilidade de quem produz, de quem faz o marketing, de quem vende e de quem consome. “Os pais precisam de orientação. A família contemporânea é menor, os pais trabalham fora e para compensar sua ausência acabam dando para a criança o que ela quiser. A TV veicula marketing para crianças pequenas, sem que haja uma crítica”, observa a psicóloga, que é presidente da Childwatch International Research Network (Rede Mundial de Pesquisa sobre a Infância).

Leitura, judô e carinho

O sociólogo Gláucio Soares acha que as armas de brinquedo banalizam a arma e a violência da mesma forma que outros tipos de brinquedo e de mídia banalizam o sexo. Sua preocupação mais recente são os jogos eletrônicos violentos. "Além da belicidade, eles competem, junto com a TV, com a leitura", afirma.

Soares criou seus cinco filhos - todos homens - sem armas de brinquedo. "Eles tinham livros, telescópio, microscópio, atividade física, judô para defesa pessoal, muita ética e disciplina, camaradagem, conversas, carinhos, muitas estórias na hora de dormir", conta.

Pai de um adolescente de 13 anos, o jornalista Fernando Ewerton conta que uma vez o filho ganhou do avô uma metralhadora de água. "Dei sumiço pra servir de exemplo. Além disso, ele só teve espadas de plástico e hoje em dia videogames", diz. Para Ewerton, os jogos de guerra e faroeste do filho não banalizam a violência mais do que a TV. Ele conta que o jovem fica mais irritado quando perde no jogo de futebol do que nos de guerra, o que também refletiria violência, mas no sentido da competição do esporte. "Perder é ruim em qualquer mundo, real ou virtual", interpreta.

Modelo de virilidade violenta

A socióloga Bárbara Musumeci Soares acha importante abordar a temática deixando de pensar pelo velho esquema “o macaco-vê, o macaco-faz” e explorando outras conexões possíveis, que envolvam o significado das brincadeiras bélicas e agressivas nas formações subjetivas e na construção dos papéis de gênero.

“Penso que esses brinquedos no mínimo contribuem para a formação de uma futura masculinidade forjada na virilidade violenta. A lógica e a estética dessas brincadeiras, na melhor das hipóteses, parecem contribuir para a reprodução desse modelo que demanda provas constantes e reiteradas de virilidade e que tem na violência um de seus elementos centrais”, diz.

De acordo com a socióloga, vários estudos mostram como a violência física e verbal é uma constante estrutural na socialização do menino e do jovem homem. Neste processo, ele precisa exorcizar tudo o que é percebido como “não-masculino” - a mulher, a criança, o homossexual, o velho etc. Há uma necessidade de afirmação permanente da masculinidade diante dos pares, que podem tanto colocá-la em cheque como legitimá-la. Tornar-se homem passa a ser uma demonstração recorrente de resistência às violências reais e potenciais.

“Não é raro observar entre grupos de meninos e jovens brincadeiras desqualificantes, agressivas ou violentas: insultos, chacotas, humilhações, para não falar em agressões físicas, elementos recorrentemente utilizados para expurgar o risco e o medo de se ver ejetado do espaço simbólico do masculino. É um jogo perverso em que escapar à ameaça de se ver no lugar de não-homem significa, forçosamente, atribuir esse lugar a alguém. Atacar o outro é o escudo protetor contra outros possíveis ataques”, reflete.

Para Bárbara, a violência contra mulheres inclui-se nessa dinâmica. Ela alerta que tais processos se amplificam, e os grupos beiram a delinqüência ou mergulham na criminalidade. “Felizmente, há mudanças nesse cenário e os padrões de gênero não são estáticos. Temos que tomar cuidado para não cristalizar os papéis, com imagens fixas sobre os homens e as mulheres, confinando-os em identidades estáticas e, por isso mesmo, aprisionantes”, afirma.

A socióloga sugere “observar os pontos de fratura desse modelo de masculinidade viril e violenta para encontrar, nas suas brechas, nos seus espaços porosos, um caminho mais sólido para a mudança”.

Sumaré, SP: uma bola por uma arma

Em Sumaré, município de 248 mil habitantes na região metropolitana de São Paulo, a venda de espadas e outras armas de brinquedo caiu 60% nos últimos três anos, enquanto a venda de brinquedos educativos aumentou em 15%, segundo o Procon da cidade.

A mudança no mercado se deve em grande parte às campanhas de desarmamento infantil promovidas pelo Projeto Ação pela Paz, da Secretaria Municipal de Segurança Pública e Defesa Civil. De acordo com o professor de educação física Rubens Nieto, graças ao trabalho de conscientização feito junto ao comércio e as escolas, a maioria das lojas nem vende mais armas de brinquedo, hoje praticamente restritas ao mercado pirata.

Em campanha nas escolas entre junho e setembro de 2008, o projeto trocou mais de 1800 armas de brinquedo ou brinquedos que remetam à violência por bolas de futebol e de vôlei, ioiôs, carrinhos, baldinhos e bonecas, entre outros brinquedos. No ano passado, outros 600 brinquedos bélicos foram entregues e encaminhados para reciclagem.

“O objetivo principal é retirar de circulação as réplicas, mas trocamos de armas caseiras a DVDs de jogos de guerra. Tudo que possa lembrar violência é aceito para tirar da criança essa motivação”, diz Rubens Nieto, um dos responsáveis pelo projeto.

A tática nas escolas começa por uma visita dos educadores, que mostram os brinquedos disponíveis para troca. Em três dias eles voltam e, ao fazerem a troca, conversam com as crianças buscando conscientizá-las sobre a violência.

Há três anos, Sumaré figurava como a cidade mais violenta do estado de São Paulo, o que levou a Prefeitura a investir em prevenção. A Guarda Municipal foi implementada e uma série de ações de promoção da cultura de paz foram estimuladas. "Tentamos construir a paz e conscientizar as pessoas sobre o que elas estão fazendo", diz Nieto.

Comunidade Segura.

Nenhum comentário:

Pesquisar este blog