segunda-feira, 29 de setembro de 2008
Pesquisa revela aumento do trabalho infantil
Levantar cedo. Pegar a marmita. Ir para a roça e trabalhar sob condições variadas de tempo, o dia inteiro. Voltar para casa. E, muitas vezes, ir para a escola de noite. Parece a rotina de qualquer trabalhador do campo.
Acordar cedo. Cuidar das crianças. Arrumar toda a casa. Fazer comida. Levar as crianças para a escola. Pegá-las. Dar banho. Dar comida. Colocá-las para dormir. Parece rotina de qualquer dona de casa.
Estas rotinas poderiam ser consideradas normais caso a dona de casa ou o trabalhador do campo não tivessem menos do que 14 anos. A legislação brasileira proíbe qualquer tipo de trabalho até esta idade, mas a realidade não segue o que a lei manda. Segundo a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), divulgada recentemente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), quase cinco milhões de crianças em todo o Brasil trabalhavam para ajudar a família ou para simplesmente sobreviver em 2007. O número vem diminuindo, mas o trabalho infantil está longe de ser erradicado.
E é preciso ficar sempre alerta. Uma das provas disso é o aumento no número de pequenos trabalhadores entre 10 e 14 anos no Paraná, apontado pela mesma pesquisa. Em 2006, 10,2% das crianças nesta faixa etária trabalhavam no Estado. No ano passado, o índice passou para 12%. No mesmo período, a média nacional caiu de 10,8% para 10,1%.
Alguns dos fatores que podem acarretar em aumento do trabalho infantil são a dificuldade em acessar as políticas públicas, o desempenho da economia (crianças são mão-de-obra mais barata) e a estrutura da educação (fechamento de escolas e falta de creches). "Muitas vezes, a decisão dos pais de colocarem a criança para trabalhar não é consciente. É a falta de opção em proteger os filhos", comenta Renato Mendes, coordenador nacional do Programa Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil.
Quando o aumento nos índices de trabalho acontece entre os 16 e 18 anos (idades em que os adolescentes podem trabalhar, mas em condições específicas - veja quadro), a situação pode estar sendo influenciada pela falta de postos de trabalho protegidos, ou seja, regulares e com carteira assinada. "Muitos jovens estão em trabalhos precários e também devem ser protegidos. Se o jovem não consegue trabalho digno é porque faltam políticas públicas para o primeiro emprego, o que também é grave", considera Mendes.
Um dos maiores problemas em combater o trabalho de crianças e adolescentes é o fator cultural, especialmente na região Sul. Muitas famílias vêem o trabalho como formador de caráter e, por isso, colocam os filhos para trabalhar logo cedo. "É possível aprender sem ter que ficar exposto ao trabalho", garante Mendes.
Situações
No Paraná, existem três situações básicas em relação ao trabalho infantil, conforme Fernanda Sucharsky Matzenbacher, coordenadora da fiscalização do trabalho infantil da Superintendência Regional do Trabalho do Paraná. "A primeira é que os pais não têm a intenção proposital de colocar as crianças para trabalhar, mas não acham nada de errado nisso. A segunda é a família que não tem com quem e onde deixar as crianças enquanto trabalham. A terceira é que a família que entende que trabalhar é a maneira de educar as crianças, além da necessidade de aumentar a renda", explica.
Para combater estas três situações, Fernanda fala que é necessário esclarecer as famílias e estimular toda a rede de proteção. Para Regina Bley, da coordenação colegiada Fórum Estadual de Erradicação do Trabalho Infantil, não bastam políticas que atendam apenas as crianças e os adolescentes. "São políticas articuladas para toda a família, políticas que envolvem diversos setores. Não adianta apenas tirar a criança do trabalho. Este é somente o ponto de partida", afirma.
Avanços ocorrem, mas ainda são poucos
Apesar do difícil trabalho de erradicar o trabalho infantil em todo o País, houve alguns avanços nos últimos anos. "Ter menos de cinco milhões de crianças trabalhando já é um dado positivo. Na faixa etária entre 5 e 9 anos, houve alteração de maneira expressiva. E isto é muito importante porque nesta faixa etária a criança ainda está se desenvolvendo e não consegue avaliar as condições de perigo. Por isso, ficam mais expostas aos riscos", analisa Renato Mendes,
da OIT.
Outro avanço foi o decreto assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em junho deste ano, que lista 94 atividades proibidas para menores de 18 anos. "Antes existia uma portaria, mas com algumas subjetividades, entre elas o trabalho infantil doméstico, que também é muito grave", ressalta Regina Bley, do Fórum Estadual de Erradicação do Trabalho Infantil.
São inúmeros os prejuízos que o trabalho infantil acarreta. Problemas de saúde, de aprendizagem, de qualificação. "Quem trabalha desde criança tende a ficar neste mesmo ciclo e, provavelmente, seus filhos também ficarão inseridos nele", alerta Fernanda Matzenbacher, da Superintendência Regional do Trabalho.
O Estado do Paraná.
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