segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Informática abre portas para jovens detentos

Há mais de um mês que o isolamento total em que viviam os jovens internos do Centro Correcional Las Gaviotas, na Cidade de Guatemala, se desfaz a cada manhã. Jovens professores de informática atravessam todos os dias as barreiras da segurança para dar aulas de assistência técnica de computadores, design gráfico e administração de empresas para esse público. O trabalho faz parte de um novo programa de ressocialização criado por uma parceria entre o Unicef e o grupo Ceiba, uma associação dedicada à prevenção do uso de drogas e da formação de gangues na Guatemala.



Durante duas horas por dia, jovens em conflito com a lei acusados de crimes como homicídio, extorsão, seqüestro, tráfico de drogas e estupro, clicam e abrem janelas para o mundo da informática, que pode lhes oferecer a oportunidade de obter um emprego formal e bem remunerado quando saírem do centro de internação.



Álvaro Cabrera, de 20 anos, é um dos professores capacitados pela Ceiba. Seus amigos ainda o chamam de “el perro” (o cão), um apelido que ganhou ainda nos tempos em que pertencia a uma gangue. Mas "el perro" não morde, apenas ladra para mostrar o que sabe: é especialista em informática certificado pela Microsoft, capacitado em computação gráfica e pai de um menino de três anos, com muito desejo de compartilhar o seu conhecimento.



O centro de internação é uma construção dividida. Episódios de violência entre internos levaram à construção de um muro: de um lado, ficam os detentos que pertencem às maras (gangues locais e nacionais), e do outro, os chamados paisas, infratores que não fazem parte de nenhum grupo. As aulas seguem esta divisão: 10 jovens da mara 18 e 10 paisas recebem instrução em lugares distintos.



O curso nesta unidade se inspirou no sucesso que vários centros tecnológicos da Cebia têm alcançado em comunidades nos arredores de Guatemala, que já capacitaram 1.200 pessoas. Destas, aproximadamente 500 foram capacitadas dentro de prisões para adultos, e os demais em bairros que sofrem com a falta de recursos e a violência das gangues.



O projeto nasceu de uma visita de consultores das Nações Unidas ao centro de internação Las Gaviotas, que concluiu que as condições eram extremamente ruins, testemunhando uma completa falta de programas de ressocialização para jovens.



Justo Solórzano, encarregado da Unicef para o Projeto de Proteção à Criança na Guatemala, tem plena confiança nos efeitos positivos deste gênero de iniciativa. “Vamos monitorar estes 20 jovens quando saírem do centro de internação, para medir o impacto do programa. Contudo, já temos indícios animadores com respeito à importância dos programas de ressocialização em geral: 70% dos jovens que são internados na Guatemala e cumprem sua pena em regime de privação de liberdade reincide, mas apenas 2% dos jovens que cumprem penas alternativas – seja junto ao corpo de bombeiros, no zoológico ou em um centro de saúde - o fazem. Programas desta natureza melhoram a auto-estima, e no caso dos Centros Tecnológicos, podem até resultar em um diploma útil no campo profissional”, afirmou Solórzano.



Aulas entre iguais



Marco Castillo, diretor do grupo Ceiba, ressalta que o importante da iniciativa é que o conhecimento é passado por pessoas que pertencem às mesmas comunidades que os jovens reclusos. “É um efeito multiplicador, de jovem para jovem; são rapazes que compartilham as mesmas condições econômicas, sociais e familiares, entre os quais se estabelece uma relação de grande empatia e confiança.”



Ingrid Arquezai, de 19 anos, é uma professora encarregada de ensinar o módulo de conserto de equipamentos na unidade. Ela também cresceu em meio às dificuldades da comunidade de Brisas de San Pedro, mas hoje está às vésperas de entrar na universidade para se formar em docência de computação. “Esta experiência me levou a descobrir o que eu gosto, que é ensinar. Quando dou aula no centro de internação, sinto que eles querem aprender, e que também merecem a oportunidade que eu tive”, diz.



Os jovens detentos acolheram bem o programa. Apesar de um silêncio inicial e olhares desconfiados dos jovens, pouco a pouco começaram a desfazer-se as fronteiras entre professor e aluno. Por alguns momentos, os muros do centro de detenção desaparecem, transformando-se nas paredes de uma escola.



“Não chegamos para impor nada a ninguém. Chegamos tratando todos de igual para igual, com o desejo de compartilhar o que aprendemos porque sabemos que são conhecimentos úteis que vão realmente lhes servir para sair do centro de ter novas oportunidades. Por isso eu sempre digo para eles, quando estão indisciplinados, que é muito divertido fazer bagunça e rir, mas é mais divertido ainda aprender,” diz Álvaro.



Nos primeiros módulos os alunos aprendem a usar o equipamento e programas básicos. Às sextas-feiras recebem uma aula extra de administração empresarial para colocar seus conhecimentos em prática e planejar iniciativas empresariais. Os alunos que se dedicarem e forem aprovados na conclusão dos módulos poderão se candidatar a completar a formação e obter um certificado da Microsoft, ou um diploma do Instituto Tecnológico de Monterrey. A Ceiba ainda facilita a entrada no mercado de trabalho ao encaminhá-los a outros programas da instituição.



“Acreditamos que capacitar jovens em informática, em vez de outros ofícios tradicionais como panificação e sapataria, é uma maneira efetiva de reduzir a disparidade entre as oportunidades oferecidas para jovens ricos versus jovens pobres. É um trabalho melhor remunerado e que pode competir com o apelo que o crime organizado pode exercer sobre estes jovens,” disse Castillo.

Comunidade Segura.

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