sexta-feira, 28 de março de 2008

Terrorista adolescente conta sua história

Ulrike Putz
Em Rawah, Iraque


Muitos insurgentes construindo bombas e executando ataques no Iraque são adolescentes cheios de ódio. Diya Muhammad Hussein, 16, é um deles. Ele falou ao Spiegel Online sobre seu desejo de matar os ocupantes americanos -e de seu sonho de emigrar para os EUA.

Foi em uma quarta-feira, há algumas semanas, que Diya Muhammad Hussein saiu para matar americanos. Era pouco depois de 1h da manhã e o toque de recolher tinha acabado de começar na cidade de Rawah, no oeste do Iraque. Diya saiu da casa de seu irmão e andou para a árvore onde tinha enterrado o aparelho explosivo três dias antes.

Ele carregou uma mina feita à mão para uma estrada próxima e enterrou-a. Depois, colocou baterias para o controle remoto detonador em um carregador que tinha ligado a uma bateria de carro, escondeu-se e esperou.

Era uma noite fria, lembra-se o jovem sentado no sofá do chefe de polícia em sua cidade. Depois de várias horas, uma patrulha de Marines americanos aproximou-se, mas Diya não conseguiu colocar as baterias de volta ao controle remoto com rapidez suficiente. Os Marines passaram ilesos.

São homens e jovens como Diya Muhammad Hussein que estão travando a guerra no Iraque. São eles que enterram as minas e organizam as emboscadas que matam soldados e civis. Diya se diz um mujahedeen, um lutador pela liberdade. O governo iraquiano, as tropas de coalizão e a população, exaustos com anos de violência, chamam-no de terrorista. A bomba de Diya poderia ter matado várias pessoas, dizem os Marines.

O jovem está detido há 18 dias em uma cela em Rawah, pequena cidade da província iraquiana de Al-Anbar. Ele estava sozinho na cela a princípio, mas gradualmente o espaço foi sendo tomado, quando Diya entregou seus cúmplices e seus esconderijos de armas para a polícia iraquiana e para os Marines americanos.

Não queria matar seus compatriotas
Seis deles agora estão esperando julgamento que ocorrerá em sua cidade natal pela primeira vez. Até recentemente, os suspeitos de terrorismo eram julgados em cortes dirigidas pela coalizão americana. Essa tarefa agora foi entregue aos juizes como parte da entrega de poder às autoridades iraquianas.

Diya tentou detonar sua mina novamente, um dia depois de sua primeira tentativa, mas quando viu policiais iraquianos com os Marines na patrulha, ele decidiu não apertar o botão. Ele não queria matar seus compatriotas, disse.

Poucas horas depois, estava sentado em um cibercafé com seu amigo Ahmed e estava com raiva. O homem que o havia incitado a cometer o ataque chamou-o de covarde em uma sala de conversa na Internet. Diya não tinha consciência que a polícia tinha começado a monitorar tais contatos de Internet por jovens locais.

Ele foi preso quando deixou o cibercafé para jogar bola com Ahmed. Ele ainda tinha o detonador de controle remoto no bolso de seu casaco.

Há várias possíveis razões para o chefe de polícia de Rawah ter permitido que entrevistássemos Diya. Uma delas é que foi um pedido dos Marines que apóiam a polícia iraquiana com um programa de treinamento especial, assim como com equipamentos ocasionais, pagando por uma unidade de ar condicionado aqui ou uma lanterna ali. Quando os amigos americanos fazem um pedido, é difícil negá-lo.

O chefe de polícia também está orgulhoso da prisão que os policiais fizeram. Diya pode parecer um adolescente comum quando responde as perguntas com suas mãos embaixo das axilas, mas sua captura evitou muitos danos. Diya levou a polícia a um arsenal extraordinariamente grande de armas guardadas em barris de plástico enterrados em jardins. Eles continham uma série de aparelhos explosivos, mais de uma dúzia de detonadores, dois rifles de precisão, Kalashnikovs, três granadas, 10 foguetes, lançadores de foguete, TNT e uma centena de granadas.

Diya passou pelo que se pode descrever como carreira clássica de insurgente iraquiano. Há cerca de um ano, seu pai decidiu levar sua mulher e 11 filhos para longe de uma violência crescente em Rawah e mudou sua família para uma parte rural do país. Ali, na pequena aldeia de Hassah, Diya conheceu Maad, combatente experiente. O homem mais velho ganhou a confiança de Diya e ficou contando como os americanos eram ocupantes infiéis. Combatê-los era o dever de todo iraquiano, disse ele.

Teste de iniciação
Diya ficou animado, queria entrar para a luta. Como teste de iniciação no grupo de muhajedeen, ele teria que detonar uma mina. Ele se lembra de que lhe disseram que um dia poderia atacar os Marines com um ataque suicida, mas que não levou essa oferta a sério. "Achei a noção estranha, até engraçada", disse ele.

Quando Diya começou a preparar sua primeira missão, ele tinha uma grande rede de ajudantes a sua disposição. Rawah é uma cidade quase como qualquer outra no Iraque -todo mundo se conhece e todo mundo sabe quem está envolvido na luta contra os "ocupantes" nos últimos anos. Não há quase uma família que não tenha ao menos um filho ou primo que foi cúmplice ou líder do braço local da "Al Qaeda no Iraque" ou de outros grupos terroristas.

Foi o irmão de Ahmed que disse aos meninos sobre os esconderijos de armas, pouco antes de ser preso como insurgente. Diya aprendeu a usar o detonador com Anas Fa'iq, outro ex-combatente. Seu nome está em uma longa lista de membros iraquianos da Al Qaeda pendurada na sede do comando dos Marines americanos.

Diya teve sorte em uma coisa: o prédio no qual está preso também abriga a companhia de Marines estacionados em Rawah. Eles todos vivem no mesmo andar: Marines americanos, policiais iraquianos e os prisioneiros. Os americanos garantem aos prisioneiros um mínimo de bom tratamento.

Ninguém, contudo, pode proteger Diya do que acontece em sua cela. Dia e noite os amigos e cúmplices de Diya dizem para ele que arruinou tudo. "Eles me culpam por ter sido pego. Dizem que sou apenas um adolescente estúpido, não um combatente."

"Ainda odiamos os americanos"
Se tiver sorte, em algum ponto vão parar de provocar e concentrar sua ira nos soldados americanos. "Ainda odiamos os americanos. Na verdade, ninguém gosta deles. O Iraque não está livre, é por isso que temos que continuar lutando", diz Diya.

O que ele faria se ganhasse um visto amanhã para ir para os EUA? Com certeza, aceitaria, diz Diya. Perguntado se tem consciência de como parece contraditório, ele sorri timidamente e enterra suas mãos ainda mais nas axilas.

Foi ironia do destino que o irmão de Diya se tornou um policial poucos dias após sua prisão. Eles quase nunca foram tão próximos. Diya agacha-se em sua cela atrás das grades enquanto seu irmão faz guarda do lado de fora.

"Ele cuspiu em mim quando me viu aqui", diz Diya. Seu irmão disse que seu pai estava esperando ele ser solto. "Meu pai está fora de si de raiva e vai me punir severamente, disse meu irmão."

Perguntado o que ele quer fazer com sua vida quando for liberado, Diya diz: "Quero trabalhar para a polícia iraquiana". Questionado se acha que a polícia iraquiana vai aceitá-lo, ele olha para o intérprete e diz: "Talvez?"

Tradução: Deborah Weinberg

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