quarta-feira, 26 de março de 2008

Juízo em cartaz

“Te chamaram para roubar? E você foi? Está gostando agora?” A fala é da juíza Luciana Fiala, durante uma audiência com um jovem prestes a ser encaminhado para o sistema. "Juízo", filme que estréia nesta sexta-feira (14), mostra o lado humano – em todos seus bons e maus aspectos – da Justiça Juvenil no Rio de Janeiro.

De acordo com levantamento feito pela Subsecretaria de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente, órgão ligado à Secretaria Especial dos Direitos Humanos do Governo Federal, no estado do Rio de Janeiro um total de 1.034 adolescentes estão privados de liberdade.

Desses, 510 estão em unidades de internação permanente; 252 estão em unidades de internação provisória aguardando julgamento e determinação da medida socioeducativa a ser cumprida; e 272 estão em regime de semi-liberdade. O estado responde por 6,25% do número total de internos no Brasil e apresentou uma redução de 10,7% no número de adolescentes internos entre 1996 e 2007.

Depois de ler processos, conversar com promotores, juízes, advogados, pesquisadores e jovens egressos do sistema juvenil, Maria Augusta Ramos filmou 50 audiências e trabalhou em dez delas. A cineasta apresenta na telona aquilo que de tempos em tempos entra em pauta no debate público brasileiro: o tratamento dado a jovens em conflito com lei. “O filme é feito também para que o público possa ver aquela realidade e concluir por ele mesmo”, avisa.

"Filho" de "Justiça", outro filme da diretora, que retratou o sistema penal, "Juízo" mostra a estrutura de uma audiência na Vara da Infância e da Juventude do Rio de Janeiro. Com direito a choro de mãe e bronca de juíza, o filme leva a público algo que dificilmente está presente nas discussões sobre sistema socioeducativo: um retrato que vai além de número e categorias de uma juventude que chega ao banco dos réus.

“Existe uma problemática no Brasil em relação a menores infratores ou à população prisional. Quem acaba sentado na cadeira do réu chega ali pela falta de perspectiva de trabalho, de educação e saúde. É por isso que eles acabam ali, e o Judiciário não pode dar conta de um problema que é social”, opina a cineasta.

Liberade assistida?

Os retratados do filme não fogem à regra. Como o jovem que fugiu do Instituto Padre Severino, onde aguardava a aplicação de sua medida, um dia antes de ser liberado do regime de internação para cumprir liberdade assistida. Sem entender muito bem o motivo da fuga, a juíza e o promotor da audiência chegam a rir ao descobrir que a fuga foi motivada por uma mistura de mal-entendido e falta de assistência: o jovem não sabia o que significava liberdade assistida.

Esse é um dos casos em que fica claro o abismo entre o Judiciário e seus atendidos. Com pouca educação, os jovens que aparecem no filme representam os mais de mil que são atendidos pelo Departamento Geral de Ações Socioeducativas, onde a maioria é negra, pobre, com baixa escolaridade. E, fatalmente, com pouca habilidade para entender sua própria sentença. “Me chamou atenção a falta de diálogo, de compreensão, entre o jovem em conflito com a lei e os que proferem sua sentença”, conta Maria Augusta.

Os jovens que aparecem no filme durante as audiências não são os verdadeiros acusados dos atos infracionais tratados no filme. Como o Estatuto da Criança e do Adolescente veda publicidade a adolescentes que tenham cometido ato infracional, Maria Augusta buscou em comunidades do Rio de Janeiro jovens com realidade e perfil semelhante ao dos que estavam na audiência. “Trabalhei os textos com eles, fazendo com que eles falassem como se fossem eles que estivessem sentados ali. Eles se identificam com aqueles menores infratores porque sua realidade é muito próxima da deles”, conta a diretora.

O filme mostra também o lado mais cruel do sistema: o Instituto Padre Severino, onde os jovens aguardam o resultado final de seu processo. As imagens mostram o dia-a-dia do jovem que está internado ali, sua chegada, suas saídas para audiências e a convivência com agentes e com outros jovens. Onde, segundo Maria Augusta “o ambiente é sujo, com recursos mínimos e cheira mal. Tem cheiro de sofrimento, de dor.”




Fonte: Comunidade Segura



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