terça-feira, 25 de março de 2008

A gestão positiva do conflito – por uma cidade mediadora

De que maneira a mediação comunitária pode ser direcionada para um processo de transformação social, contribuindo para a redução da violência e o fortalecimento de canais de comunicações entre grupos distantes por questões culturais e econômicas? Este é um desafio para todos, mas especialmente para a América Latina, África, Ásia e Caribe.

Algumas iniciativas ainda insipientes de mediação comunitária estão espalhadas pelo Brasil e países da América Latina. Um exemplo consistente e modelar de mediação de conflitos em comunidades pobres e exponencialmente violentas é o programa Balcão de Direitos, implantado em diferentes estados brasileiros e desenvolvido, no Rio de Janeiro, pelo Viva Rio.

Criado em 1997, o Balcão de Direitos promove, em favelas e periferias, o estabelecimento de espaços comunitários de mediação e conciliação e a democratização do conhecimento do direito e dos serviços públicos. Os Balcões mesclam conhecimentos acadêmicos com as regras locais vivenciadas pelos moradores das favelas. Participam do projeto advogados, estudantes de direito e agentes de cidadania residentes nos locais.

A mediação comunitária deve envolver instituições capazes de mobilizar pessoas e transmitir conhecimentos, como igrejas, associações de moradores, grupos culturais, escolas. A participação de instituições como polícia, unidades de saúde, órgãos públicos, empresas prestadoras de serviços públicos, como luz, gás e água, também pode contribuir para o estabelecimento de uma nova ordem local.

Esta convivência produtiva e às vezes conflituosa das práticas locais e das normas gerais oferece legitimidade aos mediadores, possibilitando uma solução dialogada dos casos em disputa, além de uma ação preventiva. A médio prazo, o somatório dos atendimentos individuais contribui para o estabelecimento de uma cultura de não violência e de maior harmonia entre os vizinhos, familiares, colegas de trabalho, de escola etc.

Ampliar a comunicação entre as pessoas e sua autodeterminação é sobretudo possibilitar a redução dos recursos violentos de solução de controvérsias, sejam elas arbitradas pelo sistema legal (princípio de perde e ganha), pela força física (em geral marcada pela violência de gênero e etária) ou ainda pela nefasta contribuição das armas de fogo.

A mediação social precisa avançar em seu conteúdo teórico e metodológico, mas a sua plenitude reside em sua atividade prática. Realizá-la apenas como elemento de resolução de interesses seria limitar demais sua potencialidade, negando o elemento fundamental de transformação sobre seu entorno social. Por isso, ela deve proporcionar conhecimentos teóricos e práticos em seus agentes, valorizando o contexto onde esta inserida e produzindo um efeito não apenas de reprodução, mas sobretudo de mudanças, individuais e coletivas.

Mediação: um passo-a-passo

O processo de mediação se inicia com a ação do mediador junto às partes envolvidas, utilizando termos que conduzam ao início do próprio processo de composição do conflito, procurando delimitar claramente o que está em jogo e aparando posturas agressivas e individualistas. Busca-se, assim, cessar o clima de conflito deflagrado entre as partes, para que estas possam, a partir daí, negociar em termos de um conflito compreensível para ambos, visando ao ajuste de um futuro acordo. O primeiro grande desafio é re-estabelecer os vincluos de comunicação entre as partes. A figura de um terceiro, o mediador, é fundamental para a criação das pautas desta mediação.

Contribuições diretas da mediação

  • reforça a cultura da paz, através do estímulo ao diálogo e o estabelecimento de pactos entre pessoas e instituições;
  • reforça a democracia direta, através da participação cidadã em temas que envolvam interesses coletivos e o monitoramento do poder público;
  • aproxima o discurso do direito à realidade dos diferentes povos, respeitando as diferenças e fazendo destas um potencial de crescimento;
  • estimula o surgimento de novos paradigmas no tratamento de diferenças, produzindo transformações culturais em âmbito coletivo e individual;
  • atua de maneira interdisciplinar e autônoma.

Alguns requisitos para a realização de uma mediação comunitária:

  • conhecimento do ambiente geográfico e cultural entre os envolvidos (respeitando suas diferenças, mas valorizando seus laços comuns);
  • utilização de linguagem compatível com o entendimento das partes;
  • celeridade no tratamento dos conflitos e baixo custo;
  • informalidade e ausência de burocracia;
  • valorização de espaços reconhecidos positivamente pela comunidade;
  • confiança no mediador.

Desafios a serem superados nas práticas comunitárias:

  • baixa representatividade das instituições – a cultura da participação em instituições representativas das comunidades não é significativa, dificultando a existência de interlocutores institucionais com legitimidade deliberativa; a esta fragilidade somam-se interesses em controlar estas instituições de representação oficial, seja por razões eleitorais, sustentadas pelos políticos tradicionais, ou estratégicas, impostas por grupos locais através de coerção;
  • a prática assistencialista típica das sociedades desiguais - onde a elite dominante concentra a riqueza e os meios de produção e distribuí, através do estado ou de instituições de caridade, “assistência” aos mais necessitados - contribui para uma situação de apatia e acomodação das comunidades;
  • baixa responsabilização pelo espaço público, devido à pouca crença nos poderes públicos e à falta de continuidade das ações de governos;
  • precariedade dos serviços prestados a moradores destas regiões por parte do poder público;
  • alta incidência de armas de fogo nos bairros pobres (no caso das favelas brasileiras), estimulando uma cultura do poder violento;
  • baixa auto-estima da população, que não raro sofre violências discriminatórias e sociais.

Potencialidades na mediação comunitária:

  • alta presença de soluções criativas são germinadas nas próprias comunidade capazes de suprir inexistencia ou definciências de serviços públicos;
  • abertura para absorção de novas práticas de tratamento de conflitos. Em geral as comunidades são mais flexíveis pela sua própria estrutura muito informal;
  • capacidade de estabeler pontes entre o ambiente legal e o ambiente informal, interagindo com as dinâmicas sociais de acordo com as possibilidades existentes,
  • adaptabilidade aos distintos contextos e espaçoes existentes nas favelas e periferias oferecendo ferramentas comuns para situações diferentes. Assim pode ser implantado nas escolas, associções de moradores, policiamento comunitário, posto de saúde, etc;
  • mescla a prestação de serviço com atividades educativas;
  • não exige conhecimentos técnicos específicos. Valoriza mais o perfil do que o conhecimento específico do mediador,
  • permite que todos participem;
  • valoriza e reconhece muitas das práticas já existentes nestas comunidades, apenas agrega conhecimento para sua potencialização.

Apesar deste quadro de dificuldades, há um rico cenário de possibilidades de atuação na área da mediação de conflito no Cone Sul, com a implementação de ações transformadoras e pedagógicas. O desafio esta lançado!

Pedro Strozenberg é advogado e atua nas áreas de Segurança Pública e Direitos Humanos. No Viva Rio coordenou diferentes projetos dentre eles Balcão de Direitos. Atualmente representa a organização no Conselho Nacional de Juventude. Participa também da Estruturar, uma cooperativa voltada para a prestação de serviços para o terceiro setor e projetos sociais. Mestrando na Universidade de Burgos, na Espanha, sobre Resolução Alternativas de Conflitos.



Fonte: Comunidade Segura

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