terça-feira, 25 de março de 2008

Mediar para não remediar

Quando o sangue ferve e a raiva se transforma em violência, o custo pode ser alto para uma comunidade: a perda de vidas. Certa vez, um marido traído chegou a um centro comunitário do Rio de Janeiro anunciando que mataria sua mulher. Ao chegar lá, ele procurava alguma forma de fazer justiça ao que havia lhe ocorrido, mas encontrou um mediador de conflitos.

“O casal tinha um relacionamento aberto, um casamento de aparência. Entretanto, ele ficou profundamente ofendido com o fato de a sua mulher ter convidado um namorado para visitá-la na casa onde viviam”, conta o mediador responsável pelo caso. O marido e a esposa passaram a procurar a mediação de conflitos para ajudar a resolver seus problemas e, juntos, chegaram a uma solução que atendia sua contrariedade a ao fato dela não ter para onde ir com seus filhos. “O marido saiu de casa e a mulher prometeu não namorar por seis meses”, diz o mediador.

“É esse o espírito da mediação de conflitos, minimizar crises, colaborar para que as partes envolvidas voluntariamente conversem através de um mediador neutro, que respeita seu anonimato e ajuda a buscar soluções com as quais eles possam conviver”, explica Pedro Strozenberg, membro da ONG Viva Rio e envolvido com mediação de conflitos em comunidades de baixa renda há dez anos. Strozenberg e membros da sociedade civil participaram de um debate sobre Mediação de Conflitos promovido pelo Consulado Americano no Rio de Janeiro, 18 de maio.

David Armstrong, mediador há 15 anos e fundador do Instituto LLC para Gerenciamento de Conflitos, em Los Angeles, apontou os benefícios da mediação de conflitos. “É rápido, permite a resolução de conflitos em menos de quatro horas, é barato, confidencial e, mais importante, diferente do processo judicial, a decisão beneficia a ambos os lados – não há vencedores e perdedores”, defende. Armstrong fala de uma revolução silenciosa que tem tomado conta das cortes americanas ao longo dos últimos dez anos. “O sistema judicial de Los Angeles, por exemplo, tem designado cada vez mais casos a mediadores, o que significa que menos gente dá entrada em processos e, por conseqüência, o sistema fica menos sobrecarregado e pode dar mais atenção a problemas maiores.”

Os resultados encorajam. O primeiro levantamento feito pelo LLC a respeito da mediação, divulgado em abril, indicou que a ausência de burocracia do método funciona: 97% dos acordos foram mediados em menos de quatro horas, 91% foram cumpridos pelas partes. Em contraposição, apenas 20% das ordens judiciais tiveram o mesmo destino.

Acordos impensáveis em tribunais ajudam a salvar vidas

Strozenberg destacou que os acordos conseguidos em mediação são praticamente inconcebíveis em tribunais. “No caso do marido traído, a solução encontrada pelo casal seria impensável em um tribunal. Pela lei, a esposa jamais teria seus direitos cerceados, mas o acordo ajudou a prolongar a relação do casal, enquanto inicialmente sua vida estava arriscada”, avalia.

Segundo Armstrong, qualquer um pode ser treinado para exercer a mediação. É importante se manter neutro e ter consciência de que é um processo voluntário. “O fato é que as pessoas não querem ir à Justiça”, acrescenta.

Congresso brasileiro na contramão

Nos EUA, o processo de regularização da profissão de mediador de conflitos está sendo desburocratizado. Mesmo assim, a mediação passou a figurar como cláusula em contratos de serviço (como a compra de um carro, por exemplo), o que prevê que as partes devam, antes de entrar com processo judicial uma contra a outra, procurar um centro de mediação de conflitos. Parte do valor do contrato é destinada a financiar mediadores e centros onde trabalham.

No Congresso Nacional tramita o Projeto de Lei 4827, de 1998, que propõe a regulamentação da profissão de mediador e a compulsoriedade do serviço. De acordo com o mediador Carlos Eduardo Brandão, do Viva Rio, a lei é contraditória. “A lei restringiria a atividade a advogados, o que vai de encontro ao espírito da mediação”, analisa.

Em junho de 2006, Brandão ajudou a fundar o Centro Comunitário de Mediação de Conflitos que atende a população do morro da Babilônia e do Chapéu Mangueira, no Rio. Ele capacitou 12 moradores locais para atuarem como mediadores, entre eles estudantes de direito, psicologia, comunicação e líderes comunitários. “O grande avanço da mediação é que ela não reproduz modelos legislativos desgastados, baseados em culpa, que fazem com que uma parte saia vencedora sobre a outra e que deixam marcas na história de vida dos cidadãos”, afirma Brandão.

Entretanto, há pressão para a instituicionalização. Nos EUA, advogados oferecem serviços de mediação e consultorias na área. No Brasil, chega-se a comparar a pressão pela regulação da atividade à criação dos Tribunais de Pequenas Causas, designados para resolução de disputas menos graves. “No final das contas, temos esse tribunal especial reproduzindo todos os vícios do judiciário tradicional, a lentidão, por exemplo, e a prática de atribuir ao acusado o ônus de provar sua inocência, apesar do fato de que, de acordo com a lei brasileira, todos são inocentes até que se prove o contrário”, diz Vanessa Cortes, antropóloga e pesquisadora do Viva Rio. “Ainda pior é o fato de que muitos conflitos antes resolvidos no âmbito privado foram judicializados”, lamenta.

Strozenberg vai além: “Espero sinceramente que a mediação não seja apenas uma palavra da moda, como a cidadania o foi durante o período de redemocratização no Brasil. A verdade é que cidadania é vital agora mais do que nunca, independente da banalização da palavra. Mediação é algo revolucionário, que veio para ficar.”

Traduzido por Aline Gatto Boueri


Fonte: Comunidade Segura

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